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Os seguidores da pirralha: Greta Thunberg faz escola no Rio

Inspirada pela ativista sueca, uma novíssima geração de cariocas põe em prática projetos que agitam a bandeira verde para fazer da cidade um lugar melhor

Por Paula Autran, Luiza Maia
Atualizado em 25 Maio 2022, 16h38 - Publicado em 20 Maio 2022, 06h00
Desde cedo: aos 10 anos, Theo cria games que trazem a preocupação ecológica -
Desde cedo: aos 10 anos, Theo cria games que trazem a preocupação ecológica – (Daniela Dacorso/Divulgação)

Quando a ativista ambiental sueca Greta Thunberg tinha 15 anos e ganhou os holofotes globais ao sentar-se em frente ao Parlamento sueco matando aula na escola, num ato de rebeldia para protestar contra a crise climática, em 2018, a carioca Nina Gomes ainda não tinha sequer soprado sua primeira velinha. Mas sabia nadar e já treinava, em uma piscina, como recolher plástico do fundo do mar. Filha do biólogo marinho Ricardo Gomes, fundador do Instituto Mar Urbano, a pequena aprendiz de ecologista hoje acumula, do alto de seus 5 anos, uma vasta experiência na limpeza de águas, como as da Baía de Guanabara. Suas imagens em ação, participando de um mutirão, viralizaram mundo afora em vídeo na internet — e ela acabou se tornando conhecida como “a Greta dos oceanos” em países que vão da França à Arábia Saudita, passando por Índia, Sumatra e Japão. O feito motivou uma equipe da agência de notícias Reuters (a mesma que havia acompanhado a sueca, atualmente com 19 anos, ao longo de quase um mês, documentando seu trabalho entre Portugal e Espanha) a ficar vinte dias no Rio com o objetivo de contar a história de Nina, visualizada até agora por mais de 200 milhões de pessoas.

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Eis um bom exemplo, apenas um entre vários, de como a “pirralha” (como Bolsonaro a ela se referiu) escandinava fez e continua fazendo escola na cidade, onde cada vez mais crianças e adolescentes cerram fileiras na defesa do planeta. Nina, expoente entre as seguidoras de Greta, ainda amadurece o discurso ecológico, mas é muito clara no que diz: “Os peixes não sabem que o plástico não é alimento. Eu quero salvar todos, e vou conseguir”, afirma. O pai, naturalmente orgulhoso, reflete sobre como o trabalho precoce da filha, e de outros tão novinhos, pode ajudar a dar visibilidade à bandeira verde. “A ciência sabe o que fazer há mais de trinta anos. Agora é preciso tocar corações. E a cena de uma menina de 5 anos catando lixo nos mares fala mais do que mil palavras”, acredita ele, lembrando um exemplo que o emocionou. Após saber do trabalho de Nina, uma família russa escreveu contando que foi a uma praia local fazer a sua parte. “Se uma garotinha tão pequena pode, nós também podemos”, registraram na correspondência.

A pequena Nina, de 5 anos: prêmios pela sua atuação na limpeza dos mares -
A pequena Nina, de 5 anos: prêmios pela sua atuação na limpeza dos mares – (Ricardo Gomes/Divulgação)

Agente Verde mirim da Comlurb, por seu trabalho como multiplicadora de informação sobre o meio ambiente, Nina também recebeu os prêmios Hugo Werneck (de melhor exemplo de influenciadora na área), uma referência nacional, e o Tatuí de Ouro, do Instituto Ecológico Aqualung. Mas premiado mesmo foi o Rio, quando a OceanPact, empresa que desenvolve soluções ambientais no setor de operações submarinas, por força das ações da menina decidiu se engajar no trabalho do Mar Urbano e ofereceu-se para bancar o replantio de 30 000 árvores de mangue na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, no entorno da Baía. A tarefa teve início em 26 de julho, no Dia Mundial da Proteção aos Manguezais, com Nina à frente. Nas contas do Mar Urbano, 1% do lucro líquido das dez maiores companhias do planeta seria capaz de reflorestar 900 000 hectares de manguezais por ano, montante similar ao que foi destruído nas últimas duas décadas.

Zé Alexandre, Yasmin e Anna Carolina: projetos com soluções ambientais para o Rio -
Zé Alexandre, Yasmin e Anna Carolina: projetos com soluções ambientais para o Rio – (Andre Arruda/Divulgação)

As lições sobre o meio ambiente que estão cada vez mais na ponta da língua de crianças e jovens das gerações alfa e Z chegam também à ponta de seus dedos. No mundo virtual, eles expressam suas opiniões e ideias acerca do tema dedilhando sem parar. Além da conhecida potência das redes sociais, das quais usam e abusam, os onipresentes jogos on-line começam a se revelar um animado picadeiro para o debate juvenil sobre o verde. Theo Correia, de 10 anos, passou a criar seus próprios games, que embutem uma preocupação ecológica, depois que entrou em uma escola de programação e robótica. Ele, que aos 5 anos participava com os pais de mutirões de limpeza nas praias, hoje cria jogos educativos com metas como salvar as tartarugas marinhas do lixo e reduzir a poluição do planeta. Theo elaborou ainda o Ciclovias Verdes, tendo como cenário Niterói, onde mora. Nele, o jogador-ciclista deve despoluir as ruas, limpar as praias, desativar o “robô do desmatamento” e transformar o abastecimento de energia das fábricas em fontes limpas. O plano do menino, que quer ser cientista, é ter um aplicativo em que os pontos acumulados no jogo possam ser revertidos, com o apoio de parcerias, em medidas sustentáveis concretas. “Se cada um fizer só uma coisinha, é possível mudar o mundo”, defende.

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Uma parcela da consciência ambiental da garotada vem de casa, a outra é construída em escolas onde o assunto tem escalado em importância. No Notre Dame, colégio de Nina, há mais de quinze anos se martela a relevância de cuidar do meio ambiente, algo que vem ganhando espaço em diversas instituições de ensino da cidade, com o empurrão das mudanças curriculares implementadas pelo MEC. Atualmente, os 1 300 alunos do Notre Dame mergulham no assunto de forma inventiva, com direito a trilhas, horta, sucatário e outras atividades que servem de incentivo para que se ponha a mão na massa, ou na terra. Uma parceria com o Instituto Mar Urbano levou os menores a se equilibrar na piscina em um “stand up PET”, uma prancha de garrafas vazias para treinar como catar lixo plástico na água. “Fazer de um resíduo um brinquedo é uma fagulha que você acende, é transformar problemas em soluções”, diz o oceanógrafo Breno Fontenele, envolvido no projeto.

A união faz a força: alunos da Escola Parque formaram o Coletivo Sempre Viva -
A união faz a força: alunos da Escola Parque formaram o Coletivo Sempre Viva – (Bruno Maia/Divulgação)

A observação dos resultados de incentivos desse tipo ao longo do tempo mostra que eles contribuem para sedimentar um olhar diferente na meninada. “Se antes você não via quase ninguém com essa visão direcionada à preservação, hoje notamos muito mais o interesse dos alunos por áreas como biologia, oceanografia e engenharia ambiental”, constata Angela Parrilha, coordenadora pedagógica do ensino infantil do Notre Dame. Nas instalações do Mopi, no Itanhangá, o professor de ciências biológicas Helio de Albuquerque resolveu criar o “BTS”, Banco para Troca Solidária, onde os alunos do 6º ano podem trocar materiais recicláveis e reutilizáveis por “moedas virtuais”, chamadas recicoins. Todos os resíduos são vendidos, gerando dinheiro para doações solidárias e créditos para os alunos pagarem por ingressos de campeonatos e demais eventos escolares. “Vira uma certa competição entre eles e os faz pensar sobre o valor do que é descartado e o impacto social disso”, avalia o professor.

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Em ambientes assim, costumam germinar os influenciadores que agitam cedo na vida a bandeira ambiental. Um exemplo é o do Coletivo Sempre Viva, formado em 2019 por estudantes da Escola Parque, na Gávea, para desenvolver ações em prol do clima e do meio ambiente. “A ideia foi de uma aluna que se inspirou na Greta Thunberg, e logo a escola passou a apoiar o projeto, que ganhou muitas adesões”, diz Bruno Maia, coordenador de sustentabilidade da instituição. O coletivo furou a bolha acadêmica e trouxe a garotada ao mundo real: os alunos já participaram da greve global pelo clima, de fóruns e debates, além de ações de plantio no Parque da Cidade e até na Amazônia. Mas é preciso ir ainda mais longe. Para a atriz e ativista Laila Zaid, uma porção dos jovens ainda está fora do debate. “Sou voluntária em colégios públicos do Rio e percebi ali que as crianças estavam muito mais distantes desses conhecimentos”, observa ela, que decidiu criar uma apostila para guiar os primeiros passos rumo a ações mais sustentáveis.

Educação ambiental: pranchas feitas com garrafas PET nas aulas do Notre Dame -
Educação ambiental: pranchas feitas com garrafas PET nas aulas do Notre Dame – (Daniela Dacorso/Divulgação)

E desse jeito surgiu o livro infantil Manual para Super-­Heróis — O Início da Revolução Sustentável (Ed. Melhoramentos), com uma série de desafios ecológicos para as crianças — economizar água, separar o lixo, fazer compostagem, aprender sobre a importância da alimentação sem agrotóxicos, diminuir o consumo de carne. Curioso que tais iniciativas acabam reverberando não só no universo infantil, mas na família toda. Chamada de “ecochata” na infância, aos 37 anos Laila relata sua radical experiência com o marido e os dois filhos: na pandemia, eles foram viver em um coletivo de sete famílias “no meio do mato”, como diz, a fim de inspirar o apreço das crianças pelo meio ambiente. “Eles serão um dia os nossos líderes e tomadores de decisão, então é importante que estejam cientes das coisas. A educação ambiental precisa estar em casa, precisa estar nas escolas, é uma mudança de cultura”, enfatiza Laila.

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As iniciativas locais às vezes ganham, literalmente, o mundo. A ONG Engajamundo reúne cerca de 250 jovens voluntários e leva todo ano delegações para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP). Na caravana do Rio, estudantes entre 15 e 29 anos, egressos das zonas Norte e Sul e da Baixada Fluminense, são a maioria. Com o conhecimento de quem há três décadas não poupa esforços para zelar pelas lagoas do Rio e pela Baía de Guanabara e tendo coordenado o replantio de 5 milhões de metros quadrados de manguezais, o biólogo Mario Moscatelli aconselha os novos — às vezes, novíssimos — “colegas de trabalho” a ter alta persistência e sempre coragem. “A paciência da natureza acabou e quem pagará essa conta amarga serão justamente as crianças e os jovens de hoje”, alerta.

Atriz, palestrante e ativista: Laila Zaid desenvolveu um manual para as crianças -
Atriz, palestrante e ativista: Laila Zaid desenvolveu um manual para as crianças – (./Arquivo pessoal)

Para que o trabalho dessa entusiasmada geração resista ao tempo e dê frutos a longo prazo, torna-se inescapável traçar estratégias. É o que está fazendo um trio de cariocas vencedores de uma das categorias do FrancEcolab 2021, iniciativa da Embaixada da França no Brasil que oferece a jovens de 18 a 26 anos a oportunidade de formar uma rede nacional permanente de defensores do meio ambiente. Anna Carolina Fraga, Yasmin Soares e Zé Alexandre dos Santos foram pinçados entre 676 inscritos, 94 deles do estado do Rio — e estão entre os dez que tiveram seus projetos escolhidos para receber um “fundo-semente” (entre 1 000 e 5 000 reais), além do acompanhamento de especialistas para capacitação e pesquisa de campo. O tema do programa, preservação de oceanos e rios, inspirou os três a escolher iniciativas em favor da Baía de Guanabara. Morador do Complexo da Maré, Zé Alexandre criou o Recicla Maré, para ajudar catadores que atuam sem a ajuda do governo dentro do conjunto de dezesseis favelas da Zona Norte. “Quando ouvi falar de influenciadores como Greta, percebi que não estava sozinho”, comemora.

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É uma turma que pensa grande, começando pela vizinhança de casa para, quem sabe, ajudar o planeta. Também moradora do complexo de favelas da Zona Norte, Anna Carolina, 21 anos, está implementando o Maré sem Plástico. A ideia é ir às dezesseis escolas da área para falar sobre o impacto do material na natureza. “Quero fazer minha parte, trabalhando para melhorar o lugar onde moro”, diz a incansável ativista. Já Yasmin, que aos 20 anos está no 2º período de biomedicina da UFF, concentrou-se nos alagamentos que a toda hora afetam as casas da família e dos vizinhos e propôs o projeto Bueiro Azul — a ideia é espalhar bueiros cuja tela é feita de aço galvanizado, bem resistentes, com o objetivo de impedir a entrada de materiais plásticos na rede pluvial. Pois eles acabam desaguando nos oceanos, entupindo as redes de esgoto e provocando enchentes. Estima-se que mais de 450 000 pessoas no Rio vivam em áreas sob esse risco. “Não é capricho, é direito nosso ter ar limpo para respirar, comida sem veneno e moradia segura”, reforça Yasmin. Se depender dessa turma, o futuro certamente reserva um planeta melhor para viver.

Com ela não tem blá-blá-blá

Time
(./Divulgação)

Foi com precoces 8 anos que Greta Thunberg passou a se interessar pelas mudanças climáticas e a se comportar de forma diferente. Virou vegana e até parou de andar de avião, em um esforço para diminuir emissões de carbono, justificava. Hoje veterana na briga em prol do meio ambiente, aos 19 anos, ela — eleita Pessoa do Ano pela revista Time aos 16 — carrega no currículo participações em eventos globais de peso, como a Conferência do Clima da ONU, o Fórum Econômico Mundial e debates no Parlamento Europeu. Sempre chama atenção na multidão por suas declarações incisivas. Eis duas delas, que silenciaram o plenário das Nações Unidas, em 2019: “Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias” e “Nós estamos no início de uma extinção em massa e tudo que vocês falam é sobre dinheiro e fantasias de crescimento econômico eterno. Como ousam?”. Em 2021, denunciou “trinta anos de blá-blá-blá” dos líderes mundiais em relação ao clima. E é nesse clima de temperaturas elevadas que Greta segue fazendo escola.

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