O G20 já começou! Sede da cúpula, Rio recupera protagonismo internacional
Até novembro, quando acontece a reunião das principais economias do planeta, a cidade terá uma fervilhante agenda de eventos paralelos
O anúncio está por toda parte — no Aterro do Flamengo, no estádio de remo da Lagoa, na Avenida das Américas e na entrada do Túnel Santa Bárbara avistam-se outdoors de um acontecimento superlativo para a cidade, mais um desses que colocam os cartões-postais cariocas sob holofotes globais. “Rio, capital do G20”, diz a propaganda, divulgando o encontro que vai reunir líderes das maiores economias nesta maravilha de cenário.
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Ainda faltam seis meses para que eles desembarquem em massa no Galeão, mas as dezenas de reuniões paralelas sediadas por aqui já agitam a paisagem — em junho, por exemplo, o centenário Copacabana Palace será palco da primeira conferência latino-americana da Future Investment Initiative, fundação cuja cúpula anual na Arábia Saudita atrai bilionários de olho na fronteira da inovação.
Mal Lula voltou a alojar-se na cadeira presidencial, o prefeito Eduardo Paes e o governador Cláudio Castro começaram a costurar uma campanha não apenas para receber em solo carioca os chefes de Estado, em 18 e 19 de novembro, mas também para sediar a mais abrangente agenda possível, em torno do evento.
“O presidente poderia ter escolhido qualquer lugar, mas ficou com o Rio por saber de sua relevância e do fascínio que exerce sobre os estrangeiros”, celebra Paes, arrematando: “A cidade vai virar a capital do mundo”.
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Criado em 1999, o G20 abarca nações entre emergentes e desenvolvidas, incluídos no rol Estados Unidos e China, além das Uniões Europeia e Africana, perfazendo hoje 21 integrantes, e não mais os vinte anunciados no nome. Juntos, eles respondem pelo naco de 85% do PIB mundial.
Nos primórdios, eram os ministros de finanças e os chefes dos bancos centrais que representavam seus países, formando um pelotão para debater conjuntamente soluções econômicas e financeiras. Com a eclosão da crise de 2008, os próprios mandatários, vendo suas economias afundadas em maus indicadores, começaram a bater ponto.
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E assim surgiu o G20 tal qual o conhecemos, que, a cada ano, é presidido por um líder diferente — caso agora do Brasil, estreante no posto. À mesa, pousará uma missão das mais complexas: nestes tempos de altas rachaduras no tabuleiro geopolítico, a bem-intencionada proposta é alavancar uma aliança global contra a fome e a pobreza.
“A reunião de cúpula é o último ato de um processo que dura uns dez meses, focando temas como emergência climática e desigualdade”, explica José Niemeyer, coordenador de Relações Internacionais do Ibmec do Rio.
A cidade já começa a se converter em vitrine para novos negócios, parcerias e cooperações técnicas, que se desenrolam justamente ao longo dessa agenda paralela em que gente dos setores público e privado se põe a tecer acordos. “O legado do G20 é, além de tudo, intelectual”, pontua Niemeyer, enfatizando esse vaivém de informações que circulam numa atmosfera de valiosas trocas.
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Em fevereiro, logo depois do Carnaval, deu-se por aqui uma espécie de ensaio geral para novembro — foi a reunião dos chanceleres, que juntou 45 delegações na Marina da Glória. Ruas de Copacabana e Botafogo chegaram a ser interditadas, e as rotas percorridas por autoridades foram acompanhadas em tempo real pelo Centro de Operações, em um generoso telão que fornece visão privilegiada.
Cerca de 1 200 agentes de todas as esferas de governo garantiram a segurança de ministros e diplomatas que, na última noite, deleitaram-se com um jantar no Palácio da Cidade, onde o menu assinado pelo chef Rafa Costa e Silva, do Lasai, e a trilha sonora executada ao vivo pela bateria da Imperatriz Leopoldinense se encarregaram de deixar a sisudez do encontro de lado. “Estiveram na mesma sala os ministros de relações exteriores dos Estados Unidos e da Rússia, Antony Blinken e Sergey Lavrov, que posaram para uma foto”, lembra Lucas Padilha, presidente do comitê Rio G20, ligado à prefeitura.
Quando novembro chegar, será decretado feriado entre os dias 16 e 20, justamente para suavizar o trânsito e garantir mais segurança aos milhares de pessoas aguardadas para o evento. Falta chão, mas, gradativamente, obras já vêm sendo tocadas para que a cidade esteja tinindo no período em que estará no centro dos acontecimentos.
Para o Museu de Arte Moderna, sede da reunião de cúpula, a previsão é de uma boa repaginada, sob o embalo de um orçamento municipal de 40 milhões de reais. O entorno do museu, um belo exemplar do modernismo, ganhará sistema de monitoramento. “Lula e a primeira-dama, Janja, sempre gostaram da ideia de transferir o encontro do Riocentro, que era o plano inicial, para o MAM, com sua vista inigualável, mas a condição para que isso ocorresse era que se renovassem as instalações dos anos 1940”, conta Lucas Padilha, a mil por hora na logística.
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Também os castigados asfaltos da Linha Vermelha e do Aterro do Flamengo receberão necessárias melhorias, assim como os arredores do Galeão. O aeroporto internacional, aliás, que passa por recauchutagem, já sente os bons ares: no primeiro trimestre, o número de passageiros ali saltou 86% em relação a 2023, uma multidão de 3,5 milhões de pessoas que se beneficiou da nova faixa exclusiva na Linha Vermelha e a integração via ônibus executivo com o novíssimo Terminal Gentileza, ao lado da rodoviária.
Os ângulos espetaculares dão sempre um empurrãozinho nesses grandes eventos em solo carioca. No caso atual, a Casa G20 — com extensa programação cultural e rodas onde os principais tópicos do encontro serão traduzidos em linguagem simples para os mortais fora da cúpula — já começou a funcionar na Casa de Cultura Laura Alvim, debruçada sobre o mar de Ipanema.
“Pretendemos incentivar diálogos entre cariocas e estrangeiros que circularão por aqui até novembro, tentando trazer temas abstratos para um plano mais concreto”, explica Danielle Barros, secretária estadual de Cultura. Em julho, será inaugurada naquelas salas uma exposição sobre o Rio, com curadoria do escritor Ruy Castro, e, ainda neste semestre, a casa começa a receber uma série de 28 shows sob a concepção artística de Nelson Motta.
Reuniões em sequência trarão a estas praias cabeças de relevo nas mais diversas áreas, ventilando ideias na fronteira do conhecimento. O encontro dos integrantes das academias nacionais de ciências, o Science20, em julho, e o dos jovens líderes voltados para questões globais, que formam o Youth20 (Y20), em agosto, farão fervilhar um interessante caldeirão de debates. Em outubro, será a vez de o Women20 concentrar especialistas, startups e universidades para levantar pautas em torno da candente temática de gênero.
Como estados e municípios não se sentam à mesa no encontro de cúpula, esses grupos constituem uma oportuna janela para que autoridades locais possam palpitar em discussões-chave. “As reuniões prévias atraem experts do mundo inteiro. Essa é a hora de trocar experiências e batalhar por acordos de cooperação internacional”, esclarece Bruno Costa, subsecretário de Relações Internacionais do estado e secretário-executivo da comissão estadual para o G20. O projeto de recuperação da Baía de Guanabara, por exemplo, será lançado à arena de discussões.
Como ocorre nesse tipo de reunião, de pauta ampla e com muita gente envolvida, a conversa extrapola a agenda oficial, algo que, para o país-sede, é desejável. “Se o Brasil vai debater soluções para se livrar da fome e da pobreza, acabamos ganhando, por tabela, um espaço para compartilhar com outros municípios as eficientes iniciativas que temos por aqui”, aposta o subsecretário Bruno Costa. “O G20 não é só um compilado de declarações que não levam a lugar nenhum”, defende.
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Entre as tantas camadas da sociedade em algum grau atraídas para o evento, veem-se escolas públicas, imersas no universo da comunicação e da diplomacia. Coordenada pela prefeitura, a Agência de Notícias dos Alunos da Rede (Andar) integrou a cobertura jornalística do grupo de engajamento Business 20, o B20, em janeiro.
Já os jovens da rede estadual tiveram ativo papel na reunião de ministros das relações exteriores, em fevereiro, entrevistando os participantes em inglês. Essas ações foram o piloto do projeto Jovens Repórteres G20, pensado pela Secretaria Estadual de Educação.
Na cidade que concentra três das maiores favelas do país — Rocinha, Rio das Pedras e Jacarezinho —, moradores de periferias também terão suas reivindicações ouvidas. O jovem ativista Rene Silva, fundador da plataforma Voz das Comunidades, incomodou-se quando viu crescer o burburinho em torno da cúpula sem que as comunidades estivessem inseridas em tão vasta pauta.
Ele criou então o Favela 20 (F20), cuja meta é reunir estudiosos e moradores dessas áreas para debater. De lá, sairão propostas não apenas para o G20, como para as autoridades locais. “Não dá para tratar de desigualdade social e fome sem levar em conta o que a população mais carente pensa e sofre. Essas pessoas cruzam com a propaganda do G20 e nem sabem do que se trata. Vamos mudar isso”, promete Rene.
Paralelamente, a Central Única das Favelas (Cufa) capitaneia uma sequência de conferências que, até setembro, devem colher demandas de moradores de 3 000 favelas brasileiras e de mais quarenta nações.
Tão logo o Brasil assumiu a presidência temporária do G20, em dezembro passado, Lula discursou, em Nova Délhi, na Índia: “Espero que possamos tratar de assuntos dos quais precisamos parar de fugir”. Focado que está em se tornar relevante na diplomacia mundial, o que até agora incluiu mais tentativas do que resultados concretos, o presidente sabe que uma reunião de tal envergadura ajuda a conferir visibilidade ao país e serve de oportunidade para pontuar diferenças em relação à gestão Bolsonaro, que acumulou gafes e desavenças no plano internacional.
“O G20 ajuda o Rio a redescobrir sua vocação de palco e ator da diplomacia brasileira, além de incentivar negócios internacionais que beneficiam os cariocas”, acredita o prefeito Eduardo Paes, que sonha liderar um tour com chefes de Estado por pontos que falam da história e da cultura da cidade, tais como o Cais do Valongo, a Pedra do Sal, a quadra da Portela e o Maracanã. Que venha o G20.
Vocação internacional
O potencial histórico do Rio para receber eventos de porte global
1906
Terceira Conferência Pan-Americana
A cidade sediou o mais importante encontro diplomático das Américas, o primeiro realizado na América do Sul.
1942
III Reunião de Consulta de Chanceleres das Repúblicas Americanas
Convocada pelos Estados Unidos após o ataque a Pearl Harbor, deu-se ali a aprovação do rompimento de relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo — Alemanha, Itália e Japão.
1950
Copa do Mundo
Principal sede do torneio, o Rio abrigou oito jogos, dos quais quatro da seleção brasileira, além da final contra o Uruguai, no Maracanã.
1992
Eco 92
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente atraiu 108 chefes de Estado e representantes de 178 nações.
2007
Jogos Pan-Americanos
As competições reuniram mais de 5 000 atletas de 42 países, fazendo do torneio o maior já realizado até então.
2012
Rio+20
Representantes de 188 países renovaram o compromisso político com o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza.
2013
Jornada Mundial da Juventude
Primeiro papa latino-americano, Francisco comandou uma supermissa em plena Praia de Copacabana.
2014
Copa do Mundo
O Rio recebeu sete jogos, e o Maracanã, mais uma vez, foi o cenário da final, entre Alemanha e Argentina, vencida pelos europeus.
2016
Jogos Olímpicos
Primeira cidade da América do Sul a sediar os Jogos, registrou a presença de 11 000 atletas e 45 comitivas de chefes de Estado.
Herança de 2016
Oito anos depois, como a cidade usufrui do legado olímpico
Boulevard Olímpico/Orla Conde
A área de lazer tomou o espaço onde por décadas havia o elevado da Perimetral. O painel Etnias, pintado por Eduardo Kobra, ainda está lá, embora um tanto desbotado.
VLT
Alternativa de transporte no Centro, conta com quatro linhas, ligando o Aeroporto Santos Dumont ao Terminal Gentileza, na região portuária, e à Central do Brasil. As demais linhas unem a Praça XV ao Terminal Gentileza e ao Santo Cristo.
BRT
A via exclusiva de ônibus, construída para os Jogos, opera em diversos bairros. Quatro corredores funcionam com capacidade total e frota renovada
Parque Rita Lee
Batizado em homenagem à rainha do rock, o espaço no Parque Olímpico acaba de ganhar quadras esportivas, parques infantis, esplanada para eventos e academia da terceira idade.
Duplicação do Elevado do Joá
Uma das principais obras de mobilidade, facilitou o trajeto entre Zona Sul e Barra, com aumento de 30% da capacidade da via, que ganhou duas faixas e dois túneis em seus 5 quilômetros de extensão.
Parque Radical de Deodoro
Na área, que oferece variadas atividades esportivas, a piscina, onde foi disputada a canoagem slalom, é aberta ao público, mas a pista de BMX continua abandonada.
Ginásio Educacional Olímpico Isabel Salgado
O espaço substitui a Arena Carioca 3, no Parque Rita Lee, e virou a maior escola da rede municipal e o principal marco da retomada do Plano de Legado Esportivo de 2016.