A magia do Natal
Convidadas por VEJA RIO, dez personalidades atendem aos pedidos de crianças que enviaram suas cartas ao Papai Noel
Entre os dias 5 de novembro e 6 de dezembro, as agências dos Correios do Estado do Rio receberam exatamente 15?356 cartas endereçadas ao Papai Noel. Todas fazem parte de um programa conduzido em parceria com a rede pública de ensino e foram escritas por crianças carentes, que contam com a possibilidade de ter seu pedido atendido por pessoas dispostas a realizá-lo. O capricho e o carinho dispensados às correspondências começam pelo envelope, a maioria decorada com desenhos coloridos. Uma vez abertas, revelam-se histórias comoventes do dia a dia em alguns dos bairros mais pobres da cidade, de famílias que vivem com orçamento apertado e para as quais brinquedos ou mesmo uma roupa nova são luxo raro. Mesmo assim, a dureza da vida não impede esses pequenos sonhadores de imaginar o dia em que terão nas mãos câmeras digitais, tablets, bonecas vistosas, skates, bicicletas ou o uniforme completo do time do coração.
Das cartas enviadas às agências postais, aproximadamente 14?000 são adotadas por cidadãos interessados em fazer o Natal de seus remetentes mais feliz ? os presentes são encaminhados gratuitamente para o endereço que consta dos envelopes. A reportagem de VEJA RIO teve acesso a parte dessa correspondência e selecionou dez delas. Em seguida, convidou dez personalidades para que encarnassem o bom velhinho e transformassem em realidade o desejo dessas crianças. O resultado desses encontros emocionantes para ambos os lados está nas próximas páginas.
Emoção paralisante
Até recentemente, Juliana Alves da Silva, 11 anos, moradora da Rocinha, não tinha a menor ideia do que é uma rabanada. Quando viu o doce pela primeira vez, confundiu-o com outra novidade que havia conhecido, o bife à milanesa. Nascida no interior do Ceará, veio para o Rio com os pais e três irmãos em 2011. Ao chegar, não sabia o que é praia nem celular, e se espantou com os engarrafamentos. Mas Juliana aprende rápido, tanto que em sua carta ao Papai Noel pediu logo um tablet. Se dependesse dos pais, dificilmente teria o aparelho, pois nem mesmo o salário somado de ambos conseguiria comprar um ? ele é ajudante de cozinha e ela, empregada doméstica. Confiante, escreveu com letra caprichada em meio a desenhos de renas, pinheiros enfeitados e bonecos de neve: “O Natal é muito especial para mim e significa muita coisa na minha vida. Eu adoro o Natal”. O pedido foi levado por VEJA RIO ao apresentador Luciano Huck, que atendeu a ele prontamente. Quando os dois se encontraram, ela não conseguia falar nada e ficou paralisada de tanta emoção. Mas sabia muito bem como usar o aparelho assim que desembrulhou o presente. “Estou até com medo de acordar amanhã e perceber que isso não aconteceu, que tudo foi um sonho”, dizia o pai, Raimundo Alves da Silva, ao assistir à sessão de fotos de sua filha ao lado do apresentador.
Uma arena para batalhas
Faltava uma hora para o encontro marcado na Praia do Leblon, mas Fabrício Santos da Silva, 11 anos, já estava a postos no local combinado. A seu lado, a mãe, Maria Rosilene da Silva, divertia-se com o pânico do menino de chegar atrasado. “Ele não conseguiu pregar o olho à noite”, contou ela. Os dois moram em uma casa de um cômodo em Jacarepaguá ? Fabrício dorme em uma cama ao lado do fogão. Em sua carta, ele pediu um Beyblade, uma espécie de pião japonês, e estranhou o pacote enorme que a apresentadora Patrícia Poeta carregava ao chegar. Na verdade, ele não apenas ganhou um conjunto completo dos piõezinhos como também uma arena para realizar disputas entre eles. “Ninguém tem nada parecido lá onde a gente mora”, disse a mãe. Entre lágrimas e risadas, ela revelou que escolheu um vestido especial para conhecer Patrícia. “Adoro os que você usa na televisão”, explicou.
Ceia com presentes
Toda vez que Maria Rita dos Reis, 6 anos, precisa sair de casa, ela pede que a mãe a carregue no colo. Portadora de uma má-formação congênita da coluna vertebral, não gosta quando as pessoas ficam reparando no seu jeito peculiar de caminhar. Empregada doméstica que trabalha como diarista, Adriana dos Reis Bernardo abdicou de tudo para cuidar da filha e mantém a família de quatro filhos graças às doações que consegue da ONG Refazer. Quando viu o humorista Fábio Porchat se aproximando, na Praça São Salvador, em Laranjeiras, Maria Rita o reconheceu imediatamente de um antigo comercial de biscoitos em que ele aprontava das suas. Mal recuperada da emoção de ter ganhado de Porchat a boneca que havia pedido, ficou eufórica mesmo com um segundo presente, este inesperado: uma câmera digital. “Todo ano explico que ou é ceia de Natal ou presente. Desta vez, graças ao Fábio, vamos ter os dois”, disse a mãe, que era só alegria.
E veio com a recompensa
Assim que viu Malvino Salvador, Brenda dos Santos Freitas, 9 anos, disparou: “Eu acho que o Bruno é um bom pai para a Paulinha”. Moradora do morro Pavão-Pavãozinho, a menina provocou gargalhadas com a referência ao personagem de Amor à Vida. Em um texto bem escrito, ela pediu ao Papai Noel uma casa de bonecas e se disse “uma aluna nota dez”. Na ONG Meninos de Luz, onde ela estuda, a informação foi confirmada. A carta era encerrada com a frase: “Tenho uma família muito focada naquilo que quer e muito preocupada com minha educação”. O ator, encantado com Brenda, recordou os Natais de sua infância. “Certa vez passei três meses olhando um Forte Apache embrulhado embaixo da cama, sem poder abrir. Quando ganhei, brinquei a noite inteira”, rememorou.
Sonho de ser modelo
Mesmo com uma rotina de privações e o fato de ter perdido o pai em uma briga entre torcidas de futebol há seis anos, Beatriz da Silva Monteiro de Almeida, 11 anos, escreveu em sua carta que não tinha uma história triste para contar. Com letra redondinha, pediu um estojo de maquiagem e desejou Feliz Natal. Tímida, mora na Taquara, sonha ser modelo e quase não falou quando encontrou Lenny Niemeyer na Lagoa Rodrigo de Freitas. Mas os olhos brilharam quando a estilista mostrou a caixa repleta de cosméticos que havia trazido para ela. “Você tem futuro, bonita já é”, elogiou Lenny. “Ela não sai de casa sem batom”, contou a mãe, Cristiane Monteiro, copeira na Santa Casa. Ao fim das fotos, Beatriz fez questão de guardar todos os itens do estojo no exato lugar onde estavam. “É para ficar organizado e não bagunçar”, disse, baixinho.
A Barbie vai para o Recife
Luiza Nobre tem 3 anos, diz ao pai como pentear seus cabelos e escolhe o próprio vestido. Vendedor de camisetas na feirinha de Copacabana, Cícero Amâncio da Silva cuida da filha desde que se separou da mulher, no início do ano. A menina é assistida pela ONG Casa da Criança e vive no Tabajara com o pai. Juntos, os dois costumam passar as noites conversando enquanto ele trabalha em uma obra na casa. “Faço tudo por ela”, diz Cícero. Luiza pediu para o Papai Noel uma Barbie que pudesse ter o cabelo penteado. Ganhou da cantora Roberta Sá exatamente o modelo que queria. “Essa também era a minha boneca preferida”, disse Roberta. Feliz da vida, Luiza agora vai levar a Barbie para passar o Natal no Recife, onde vivem seus avós.
O skate e a mamãe
Neste Natal será a primeira vez em cinco anos que Ruan Gomes da Silva passará a virada do dia 24 de dezembro com sua mãe. Como os patrões de Girleni da Silva resolveram viajar, ela vai aproveitar a festa com o filho, que só encontra tarde da noite, quando retorna do trabalho. A presença da mãe por si só já seria motivo suficiente para uma comemoração especial, mas a atriz Regiane Alves deu o empurrão para que se tornasse inesquecível. Ela atendeu ao pedido que Ruan fez ao Papai Noel e deu-lhe um skate modelo profissional, acompanhado de um kit com equipamentos de segurança para a prática do esporte. Bastante emocionado ao receber o presente na escola onde estuda, o menino foi às lágrimas com a chegada inesperada da mãe, que conseguiu uma folga para vê-lo. “Eu não podia perder isso por nada. Queria ver a carinha dele”, explicou Girleni, que deu um forte abraço no filho e na atriz.
Pés de campeão
Assim como boa parte das crianças de sua idade, Raphael da Silva Hecth, 11 anos, sonha ser jogador de futebol. Morador de Senador Camará, ele já conseguiu algumas vitórias, como treinar na categoria de base do Botafogo. No entanto, a família nem sempre consegue juntar dinheiro para pagar a condução até o clube. Para receber o par de chuteiras que ganhou de presente da socialite e catequista Gloria Severiano Ribeiro no Parque Lage, Raphael fez um esforço especial para que os pais, Maria Aparecida e Daniel Hecth, o acompanhassem. Ele vendeu seu passarinho de estimação por 20 reais a um vizinho para conseguir o dinheiro e todos poderem ir. “Desde que escreveu a carta ele rezava todos os dias para que alguém lhe desse o presente”, revelou a mãe.
Os patins do doutor
Por dois anos Thiago Batista de Souza, 8, pediu à mãe um par de patins, mas a dona de casa Gidalva Batista dos Santos nunca teve dinheiro para comprar o presente. Na carta de Natal enviada aos Correios, ele escolheu um modelo com o personagem Ben 10,
seu favorito. O cirurgião Ivo Pitanguy não conseguiu encontrar os patins que o garoto queria. Comprou um convencional, mas, em contrapartida, deu-lhe um boneco gigante de seu herói, praticamente do seu tamanho. Convidado a receber os presentes na clínica do professor em Botafogo, Thiago comentava com quem encontrasse pelo caminho sua expectativa. “Desde que soube que ia ganhar, ele não parava mais quieto”, contou Gidalva.
O sentimento não pode parar
Foi uma amiga da mãe de Diogo Barros da Silva, 4 anos, quem deu a ideia quando o menino pediu um uniforme completo do Vasco: “Por que não escrever para o Papai Noel e colocar a carta no correio?”. Quando a correspondência foi selecionada por VEJA RIO entre as centenas enviadas todos os dias às agências, nem a amiga nem a mãe, Anselma Oliveira, poderiam imaginar que o presente viria e, ainda por cima, seria dado pelo jogador Juninho Pernambucano, ídolo da torcida vascaína. Na data marcada, Diogo, Anselma e o pai, Djalma Barros da Silva, foram recebidos na casa do jogador com um bolo de chocolate. Ao craque, os pais contaram que são vascaínos doentes, que o sentimento não arrefeceu com o rebaixamento e recordaram a primeira palavra dita pelo menino, há dois anos. “Foi Vasco”, disse Anselma, com as mãos tremendo. “Sou católico e dou va- lor ao Natal. Fico feliz por ter propiciado felicidade a uma família”, afirmou Juninho.