Estado do Rio lidera ranking de acessos a fake news por habitante
Os fluminenses clicaram 383 505 vezes em links de notícias mentirosas entre janeiro e março de 2018
Thales Bretas atende pacientes em Belo Horizonte, em Niterói e no Rio. Na rotina dos consultórios espalhados por três cidades, o dermatologista identificou um curioso surto intermunicipal: o das vítimas de notícias falsas. Com frequência, o doutor Bretas se vê obrigado a desmentir supostos benefícios para a saúde oriundos de receitas milagrosas e hábitos alimentares esdrúxulos, entre outras fórmulas mágicas de efeito nulo — ou perigoso. “Já recebi gente convencida de que poderia curar seu câncer com uma dieta específica”, conta. O paciente com ares de especialista, formado em hipocondria na internet, não é um personagem novo, mas ganhou força assustadora em tempos de fake news. Razões para preocupação não faltam entre a população fluminense. O Estado do Rio registrou 383 505 cliques em histórias da carochinha entre janeiro e março de 2018. São 23 visualizações por 1 000 habitantes, o maior índice do país, quase o dobro da média nacional.
Os dados são da PSafe, startup especializada em aplicativos para celular. No levantamento, analistas investigaram acessos bloqueados pelo antivírus da empresa. Endereços de notícias falsas foram visitados e examinados. Em geral, exibem textos confusos, com erros gramaticais e dados inconsistentes, inseridos em páginas de visual que copia o layout de portais jornalísticos. Muita gente cai no truque, apesar dos fartos indícios suspeitos. Falsos alertas médicos são os atuais campeões de público, mas podem vir a perder a hegemonia. “Até o fim do ano passado a política predominava, e deve voltar ao topo com a proximidade das eleições”, afirma Emílio Simoni, coordenador da pesquisa. Há mentiras para todos os gostos. “Quanto mais chocante for o assunto, maior o apelo para os criadores de notícias falsas”, resume Simoni. Aos produtores dessas montanhas de lixo virtual interessa, e muito, causar sensação e faturar alto com a audiência on-line.
Na corrida para tapear o maior número de leitores possível, um recurso comum é o pedido de compartilhamento. “Repasse para pelo menos 10 amigos ou 3 grupos. Logo o Brasil inteiro ficará ciente desta safadeza”, pede o autor de “Pabllo Vittar ganha programa infantil na Globo”, um dos links mais vistos (e falsos) do ano até o momento (veja o quadro). O WhatsApp é o principal canal de divulgação das chamadas fake news. “Hoje, mais de 95% das mentiras virtuais lidas no país chegam pelo aplicativo. Fora do Brasil, esse índice é de cerca de 50%”, informa Simoni. Dito popular pré-internet, o “me engana que eu gosto” funciona às mil maravilhas nas redes. Boa prova disso é uma pesquisa produzida no conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) entre 2006 e 2017. A análise de 126 000 mensagens no Twitter levou à conclusão de que uma manchete falsa tem probabilidade 70% maior de ser compartilhada do que uma reportagem verdadeira. A extensão do fenômeno já se nota em momentos de inegável peso histórico — como a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos. O curioso é que, nos dias de hoje, buscar os fatos, as fontes fidedignas, nem é tão difícil assim. A checagem de dados e a consulta a fontes confiáveis são alguns caminhos. “O maior dano de uma notícia falsa é à imagem de quem a compartilha”, adverte Emílio Simoni.