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‘Saí de casa rapidinho’: as desculpas de quem vai às ruas sem proteção

A cidade está cheia de gente sem a máscara, de uso obrigatório, em lugares públicos; quase todos argumentam que ela está no bolso — o que não adianta nada

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 18 set 2020, 17h06 - Publicado em 18 set 2020, 07h00

Ao anunciar, no último dia de agosto, a sexta fase de flexibilização das medidas de isolamento e decidir manter a proibição do banho de sol e do bate-papo sob barracas à beira-mar (vastamente ignorada, aliás), o prefeito Marcelo Crivella observou, a título de justificativa: “As pessoas não vão usar máscara para se bronzear, isso é impossível”.

O pior é que a aversão do carioca a cobrir nariz e boca, uma medida comprovadamente eficaz no controle do novo coronavírus e obrigatória por lei, não se restringe à areia. Segundo a Guarda Municipal, desde junho mais de 5 200 pessoas foram multadas em 107 reais por se recusar a usar máscara em locais públicos.

Isso lembrando que a fiscalização é precária e que nem todas as pessoas abordadas são autuadas – os guardas e fiscais têm autonomia total para decidir se a infração tem ou não razão de ser. “As desculpas que as pessoas dão variam muito. Mas ser educado na ponderação facilita a liberação”, admite Roberto Paixão, servidor público que há 28 anos dá expediente na Guarda.

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A abordagem dos guardas que circulam diariamente pela cidade com o propósito de conscientizar a população costuma seguir um padrão. Depois de rápido discurso sobre a necessidade do uso de proteção facial, vem a pergunta: “Onde está a sua máscara?”. Oito em cada dez pessoas flagradas sem o acessório obrigatório em lugares públicos estão com ela no bolso. “Caiu no chão, vou levar para lavar”, tentou explicar um rapaz abordado em Copacabana. Foi liberado.

Jefferson Cardim:
“a saidinha rápida” acabou em multa (Leo Lemos/Veja Rio)

No calçadão do Arpoador, o turista Thiago Assis, de 27 anos, viu os guardas a postos, não se mexeu para cobrir o rosto e levou multa. “Aí não dá. É um desrespeito com o nosso trabalho e com o restante da população que segue as regras”, indignou-se o guarda Vilson Nunes.

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Carteiradas e apelo para o famoso “Sabe com quem está falando” acontecem, como já se viu no Rio e em São Paulo, mas não são frequentes no dia a dia. Mesmo assim, o cotidiano da fiscalização está longe de ser tranquilo. “Tivemos alguns colegas xingados pesadamente”, lembra o guarda José Marcelo, líder do Grupamento Especial de Praia. Até o fim de agosto, 22 pessoas foram levadas à delegacia por desacato, resistência ou desobediência.

Estar sem documento na hora da abordagem também pode resultar numa visita à DP, onde os dados do titular são checados e a multa de 107 reais é aplicada via CPF — em algumas cidades da Itália, primeiro país da Europa atingido pela pandemia, o valor da punição chega a 1 000 euros, mais de 6 000 reais.

Não deu: Sem máscara em Copacabana, Aluisio Andrade pediu desculpas, mas foi multado mesmo assim (Leo Lemos/Veja Rio)

Em operação feita no fim de agosto pela Zona Sul, o estudante Felipe Sobral, aparentemente na casa dos 20 anos, foi flagrado em duas irregularidades: estava sem máscara e sem documento. Para completar, reagiu à abordagem de forma considerada “pouco cordial”: “Não uso porque o presidente Bolsonaro também não usa”, proclamou. Líder operacional da Unidade de Ordem Pública de Copacabana, o guarda Marcos Costa o conduziu à 12ª DP, na Rua Hilário de Gouveia, onde foi autuado. Homens jovens, de até 40 anos, respondem por cerca de 70% das multas aplicadas desde maio, quando o decreto publicado pelo prefeito Marcelo Crivella foi posto em prática e as multas passaram a valer.

OK: rapaz abordado no Arpoador assumiu o erro e foi liberado pelos guardas, que têm autonomia para aceitar (ou não) as justificativas de quem é flagrado sem a proteção obrigatória nas ruas da cidade (Leo Lemos/Veja Rio)

Durante as fiscalizações da guarda o mais comum, no entanto, é a pessoa ficar constrangida e admitir o erro. “Dei mole mesmo, esqueci de botar”, disse o músico Jefferson Cardim, 40 anos, multado no calçadão de Ipanema durante uma saidinha de bicicleta.

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A justificativa dada por ele também foi a mais frequente: estava perto de casa, saiu rapidinho, já ia voltar. Flagrada sem proteção facial na Avenida Atlântica, em Copacabana, uma moça apontou o prédio onde morava, argumentou que havia saído distraída (“Foi muito sem querer que vim sem máscara”) e caiu no choro. Não adiantou – foi autuada.

Na vizinhança: estar perto de casa é um dos argumentos mais frequentes, e foi o que a moça, na Avenida Atlântica, alegou; ela acabou sendo multada e reagiu de forma inesperada – começou a chorar (Leo Lemos/Veja Rio)

Segundo especialistas, o que falta não é informação, é hábito mesmo. “Todo mundo sabe que as máscaras reduzem a probabilidade de contaminação, mas as pessoas estão demorando a se acostumar com o uso, o que é preocupante”, diz José Temporão, médico sanitarista e ex-ministro da Saúde.

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(Redação/Veja Rio)

Uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em agosto de certa forma confirma o problema: nove entre dez entrevistados afirmaram usar a máscara sempre que estão na rua, mas só metade disse ver as pessoas ao seu redor fazendo o mesmo. Nesse jogo de empurra-empurra, todo mundo sai perdendo.

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