De volta ao tête-à-tête para encontrar o par perfeito
O cansaço com as interações digitais abre um mercado para plataformas recém-chegadas ao Rio que promovem encontros presenciais
“Não fale com estranhos” é uma daquelas frases repetidas pela sabedoria popular que foram ganhando tintas antiquadas conforme a internet adentrou a vida em sociedade e mudou tudo. Pois hoje em dia, com as redes sociais a toda, ficou muito comum falar com desconhecidos e ainda sair para encontrá-los, aventura que requer todo o cuidado. Para estimular ainda mais esse tipo de iniciativa frente a frente, que pode ajudar a espantar a solidão e criar bons laços, surgiu uma leva de plataformas virtuais, como Timeleft e Confra, que acabam de desembarcar no Rio. Por meio delas, uma turma de anônimos se reúne regularmente para jantar, seja com o objetivo de selar amizades, seja para achar um novo amor. A busca por relacionamentos no universo digital anda cansando pessoas que já tentaram, tentaram, e nada. Por isso, uma fatia delas quer encurtar o contato on-line e partir para o tête-à-tête. “Na sociedade em que vivemos, o encontro presencial promove algo mais verdadeiro, já que ninguém está editando a própria imagem”, ressalta o filósofo Renato Noguera, à frente de uma pesquisa sobre afeto. Segundo ele, a abundância de opções oferecidas por um aplicativo pode resultar em elos mais superficiais.
A solidão persiste mesmo no cenário de abundância dos aplicativos de namoro, um indicativo de que as pessoas estão precisando furar a bolha virtual. Uma pesquisa feita pelo Instituto Ipsos mostra que os brasileiros são os que se revelam mais sozinhos: metade da população expressa solidão, enquanto a média global é de 33%. “Nosso objetivo é usar a tecnologia para driblar esse mal, assim como a fobia social, que se intensificou no pós-pandemia. Essa é a razão para o nosso foco ser no presencial”, diz Jean Bortoleto, representante do Timeleft no Brasil. Na plataforma, o usuário responde a um questionário sobre gostos e quanto está disposto a gastar, e um algoritmo dá o famoso match com um certo grupo que virá a se conhecer pessoalmente em um restaurante. É preciso comprar ingresso ou fazer uma assinatura (a partir de 59,99 reais), para ir a todos os jantares. Desde o lançamento, em março, já são mais de 15 000 usuários ativos no Rio, com uma média de 40 mesas formadas semanalmente, sempre às quartas, na Zona Sul, na Barra e, a partir do próximo mês, também na Zona Norte.
O roteiro não termina no jantar. Depois, os comensais são convidados a esticar o programa em um bar — que, como o restaurante, treina uma equipe para receber os convidados da plataforma, dispostos em mesas de acordo com as afinidades apontadas pelo algoritmo. Nestes novos tempos, assim se juntam pessoas com os mesmos objetivos, predileções e disponibilidade, o que facilita a conversa. “Amizade, sexo ou relacionamento são possíveis desdobramentos”, afirma o empresário Beto Carioca, de 62 anos, que participou do primeiro jantar e hoje gerencia um grupo virtual com quase 100 participantes do Rio. “Ninguém ali tem tempo a perder, então são organizados diariamente programas. Já houve até viagens entre pessoas do grupo”, conta ele, fazendo referência ao nome da plataforma. Filosofia semelhante é seguida pela Confra, que promoveu o primeiro jantar na cidade em março e cobra 29,90 reais pelo ingresso. “O propósito dos encontros é definido pelo convidado. A plataforma se torna só o meio por onde isso se concretiza”, afirma Guilherme Ovalle, cofundador ao lado de Lucas Tugas. Pesquisas conduzidas pela dupla mapeiam dificuldades em fazer conexões e amizades nos aplicativos convencionais. “A tecnologia vende a narrativa de aproximar, mas ao mesmo tempo ela pode criar barreiras”, avalia Lucas.
Cientes das crescentes necessidades por contato presencial, os tradicionais aplicativos de namoro também estão investindo no nicho off-line. “Temos observado uma tendência dos usuários, que querem experiências mais interativas na vida real”, diz José Rodrigues, diretor de marketing do Tinder na América Latina. E já há reações concretas: toda quinta-feira, quando anoitece, o hotel Jo&Joe, no Cosme Velho, vira palco do Tinder Date Club, aberto aos usuários do aplicativo. Para aliviar a timidez, um drinque é oferecido na entrada e dinâmicas são realizadas, como jogos de carta e o chamado speed dating, em que as pessoas fazem encontros rápidos para descobrir com quem se identificam. “Dessa forma, garantimos que a nossa marca seja uma facilitadora de interações que saem das telas”, arremata Rodrigues. Recém-separada, a administradora Aline Carvalho, de 47 anos, anda frequentando esses eventos à procura de um novo amor. “Fui casada por quinze anos, e a gente acaba perdendo o molejo. No aplicativo, é definida uma régua, enquanto nos encontros presenciais tudo é misturado e aí fica mais interessante”, avalia.
Outro dos grandes no mercado das plataformas de relacionamento, o Inner Circle, fundado há mais de uma década na Holanda, também vem promovendo reuniões em sessões de cinema e festas temáticas. “Não temos medo do off-line, mas justo o contrário: queremos promover elos de qualidade”, afirma o líder de operações no Brasil, Rafael Horta. Essa é uma nova fronteira numa indústria já bem estabelecida. Surgido nos Estados Unidos em 1995, com o pioneiro site Match.com, o segmento de namoro on-line foi se sofisticando e expandindo — está avaliado hoje em mais de 10 bilhões de dólares. O perfil de quem adere aos encontros ao vivo e em cores é mais feminino (as mulheres representam entre 60% e 70%), e a faixa etária oscila entre 30 e 50 anos. “É uma geração que mergulhou no digital e está sofrendo as consequências psicológicas disso, o que ajuda a entender a busca por caminhos de mais equilíbrio”, acredita Tiago Andrade, coordenador do curso de ciências e consumo da ESPM. “Se o produto existe, é porque há a demanda desse nicho, cujo bem mais precioso é mesmo o tempo”, diz. No fim, dentro ou fora das telas, o que vale mesmo é a boa conexão.