Crise financeira do estado prejudica atendimento às mulheres
Nos últimos meses, três das quatro unidades dos centros integrados de atendimento à mulher (Ciam) mantidas pelo estado fecharam as portas
Nem sempre basta ligar para a Central de Atendimento a Mulher, o 180, chamar a polícia, ou ir a uma delegacia. A violência doméstica deixa marcas no corpo, memórias de dor e pode significar perda de patrimônio: a casa, os documentos e a conta no banco. Para superar traumas e livrar-se do ciclo de agressão, existem os centros integrados de atendimento à mulher (Ciam). No Rio de Janeiro, estado pioneiro nesse atendimento, no entanto, esses espaços estão deixando de funcionar. Nos últimos meses, três das quatro unidades mantidas pelo estado fecharam as portas.
Os Ciam integram a chamada rede de proteção à mulher e são formados por equipes de várias especialidades, como advogada, psicóloga e assistente social, contratadas por meio de convênio com o governo do estado. Por problemas no pagamento e na estrutura, as equipes deixaram de atender e os centros fecharam nos municípios de Queimados e de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e na favela Manguinhos, na capital. A então subsecretaria da Mulher do estado Duva Lopes foi diretora da unidade de Manguinhos, que encerrou o atendimento no fim de 2016.
A crise financeira é apontada como justificativa para a falta de recursos. No entanto, segundo a ex-subsecretária de Políticas para Mulheres do estado e ex-presidente do Conselho Estadual da Mulher Margarida Pressburger, o fechamento das unidades reflete a pouca importância dada aos direitos da mulher.
Margarida cita a recente fusão da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanas, à qual a subsecretaria da mulher estava subordinada, com a de Ciência e Tecnologia como exemplo do tratamento secundário dado a elas. “A questão da política da mulher envolve a saúde, a justiça, o social, o trabalho, envolve uma série de coisas, mas tem de ter um núcleo próprio para tratar disso”, cobra.
Falta de estrutura
Para atender as mulheres vítimas de violência doméstica, o governo do estado mantém apenas o Ciam Márcia Lyra, a mais antiga unidade fluminense nesse segmento. Em uma pequena casa, no centro da capital, sem ar-condicionado e invadido e assaltado antes do carnaval, recebe mulheres estupradas, espancadas, vítimas do tráfico de pessoas, lésbicas, transsexuais e travestis. Os atendimentos variam de dois a 20 casos por semana e incluem mulheres da capital e do interior, sem distinção.
Um centro de referência para toda a população do estado, no entanto, é pouco, avalia o Ministério Público Estadual. O órgão move uma ação civil pública contra o governo fluminense e a prefeitura da capital, cobrando a reestruturação da rede de atendimento. A Justiça concedeu duas decisões favoráveis ao pedido, mas gestores ainda recorrem da decisão, estendendo o problema.
A falta das unidades atrapalha o combate à violência, segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Violência Doméstica, Lucia Iloizio. Os Ciams, disse, ajudam mulheres a sair da condição de vítima e estão previstos na Lei Maria da Pena. “A lei traz a necessidade de o Estado instituir uma nova política pública. A gente não consegue imaginar essa política sem os Ciams. O sistema de Justiça vai responsabilizar ao agressor, se for o caso, conferir as medidas protetivas, mas e o acolhimento daquela mulher, quem vai fazer?”, questiona.
Rede insuficiente
A Defensoria Pública do Estado também está em alerta e cobra melhorias e ampliações das unidades administradas pelos municípios do estado. A coordenadora do Núcleo Especializado de Atendimento à Mulher Vítima, Arlanza Rabello, afirma que houve descontinuidade após as eleições municipais do ano passado. “Já era uma rede que não atendia à necessidade e que, hoje, está mais precarizada ainda. São milhares de mulheres desatendidas. A violência doméstica não é episódica, ela é um contexto a que essa mulher permanece presa por anos”, diz.
A prefeitura do Rio, que administra uma casa abrigo, um centro de referência e duas casas da mulher – para onde elas vão quando não podem mais voltar para casa por risco de morte – garante que as unidades funcionam normalmente, mas são se comprometeu, porém, a retomar o centro de Manguinhos, nem em parceria com o governo estadual, responsável pela unidade. Os centros de Queimados e de Nova Iguaçu devem voltar a funcionar até o fim do mês.
Somente em janeiro, 53 mulheres no estado do Rio foram mortas em crimes classificados de feminicídio, que é o assassinato de uma mulher por ela ser mulher. O número de vítimas de lesão corporal totaliza 118 por dia, considerando apenas os casos que chegam à Justiça.