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Sudbrack esclarece ação da Vigilância no Rock in Rio 2017

Eleita a melhor chef da América Latina escreve sobre a ação que recolheu 160 kg de alimentos

Por Roberta Sudbrack
Atualizado em 26 set 2017, 14h34 - Publicado em 21 set 2017, 16h31
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  • O maior evento de música na cidade que é o cartão-postal do Brasil. A energia: a alegria. A música que, como diz o anúncio, une as pessoas. Tão bonito de ver um mundo possível, diverso, respeitoso, tolerante. Os festivais de rock têm no seu DNA um compromisso com as utopias. E talvez tudo isso tenha me conectado ao Rock in Rio. Recusei os tantos e insistentes convites que vieram anteriormente. Apesar do prestígio, éramos pequenos demais para algo tão grande. ‘Sou artesanal’, disse nas minhas recusas. ‘Além disso, estou no meio do meu novo projeto: o Centro de Estudos sobre Ingredientes Brasileiros.’ Este sim, o pilar que sustenta todo o meu trabalho, toda a minha vida.

    O último convite veio no fim de junho e coincidiu com um artigo do Roberto Medina que eu havia lido. Era uma convocação à coragem, à persistência e à obstinação para tentarmos tirar o Rio — e o Brasil — dessa agonia, desse baixo-astral, dessa mediocridade. Ele propunha um desafio, um espaço novo, voltado para a gastronomia e para a qualidade dos produtos. A proposta era mostrar um Brasil diferente ao próprio Brasil e ao mundo: o Gourmet Square. Para isso, queria um cozinheiro que simbolizasse esse propósito. Não resisti e lá fui eu me juntar ao exército dos sonhadores, afinal tudo que mais gosto de fazer é sonhar. Tivemos menos de sessenta dias para nos estruturar. Mas a alegria move montanhas e no dia marcado estávamos lá, limpos, arrumados, sorridentes e organizados como uma bela festa requer.

    De repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto. Pego emprestado a poesia de Vinicius — de Moraes, de todos nós. Com a chegada da inspeção da Vigilância Sanitária, quase quinze pessoas tomaram um espaço de 30 metros quadrados. Por certo que a minha indignação não é contra a função relevante e importante da fiscalização sanitária, pois, ao contrário do que querem fazer parecer, nunca me achei acima de nada e muito menos do cumprimento das normas. Nem tive a intenção de desafiá-las.

    Construí meu trabalho e minha reputação com seriedade, e não fiz isso desrespeitando as leis. Sou cidadã, gero empregos e pago impostos. Minha insurgência foi com a brutalidade expressa na falta de bom senso, razoabilidade e proporcionalidade do ato fiscalizatório. Com a injustiça que se apossa do trabalho de uma vida inteira, em nome de um processo burocrático. Para o caso, havia soluções também legítimas que preservavam a autoridade e a sensatez, mas que não passaram pelo juízo de consideração do órgão — especialmente no que se refere ao descarte no lixo de alimentos válidos e em perfeitas condições, de forma desnecessária e também em descumprimento à própria lei. Entendo que as normas sanitárias devem procurar um equilíbrio entre a saúde, a segurança dos alimentos e a valorização de práticas locais e tradicionais relevantes à biodiversidade e à diversidade sociocultural.

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    Essa exigência de forma absoluta de SIF é descabida para produtos artesanais que passam pela inspeção sanitária estadual e, entendo, fere a proteção constitucional do patrimônio cultural (justamente o caso desses produtos e produtores). A verdade é que, há alguns anos, pequenos produtores, queijarias e charcutarias artesanais vêm lutando para que a legislação sobre o assunto seja mais objetiva e clara e não favoreça somente a grande indústria. Isso precisa mudar. Não somos bandidos. Mantemos a economia real funcionando. O órgão sanitário do maior estado brasileiro, São Paulo, vem construindo algo positivo nesse sentido. Trata-se do Sisp, selo que existe nas duas marcas usadas por nós na operação em discussão e que segue os mesmos requisitos do SIF. Outros estados estão também caminhando nesse sentido. Afirmo, com segurança, que todos os ingredientes do meu estande no Rock in Rio tinham origem notória e selo de inspeção sanitária estadual controlada. São marcas conhecidas e consumidas no seu estado de origem. Portanto, a questão não diz respeito a nenhum risco para a saúde, do contrário teríamos de imaginar que as pessoas naqueles estados também estariam expostas aos mesmos riscos. Eles foram escolhidos para que, combinados, trouxessem um sabor brasileiro, um ingrediente a mais, a toda essa experiência que seria vivida no Rock in Rio. Uma homenagem à alegria que voltava à cidade.

    A discussão envolvendo a necessidade do SIF é administrativa e se refere a quem expede o certificado. E, sem deixar de reconhecer sua utilidade para certos casos, nada justifica jogar comida fora. Isso, segundo a própria legislação sanitária, só poderia acontecer em caso flagrante de situação de deterioração, temperatura e contaminação. Tais condições, sim, oferecem risco. A essência de toda essa controvérsia não se simplifica em cumprir ou não a lei, porque isso não se discute em um país democrático, onde todos devem obedecer a ela. Assim como não se discute o valor que é a proteção da saúde das pessoas. Mas falo de sua aplicação equilibrada e sem argumentos catastróficos. Havia muitas outras possibilidades para resolver a situação. Poderiam, por exemplo, suspender temporariamente o uso do produto e pedir um laudo laboratorial para constatar se trazia ou não risco à saúde. Também poderiam solicitar que fosse trocado e devolvido ao produtor. E em uma terceira interpretação poderiam considerar que por se tratar de um espaço gourmet e de um produto com origem conhecida, data de validade, nota fiscal e selo dos órgãos sanitários estaduais era cabível tolerância, pois não trazia risco e era servido em um espaço diferenciado e conceitualmente próprio a outras experiências para além do fast-food (esse, sim, um modelo que exige selo SIF).

    Entretanto, preferiu-se a brutalidade, o abuso e a tentativa de aterrorizar a opinião pública sobre riscos que, no caso, não existiam. Preferiu-se ignorar a realidade e o desenvolvimento da gastronomia brasileira, tão rica, tão múltipla e diversa, na qual eu e tantos outros cozinheiros, produtores, agricultores e inúmeras outras pessoas temos trabalhado com muito custo e às vezes solitariamente, para que nós brasileiros a conheçamos e tenhamos orgulho dela. Optou-se por transformar parte da alegria da maior (e talvez a última por algum tempo) festa sediada no Rio de Janeiro em uma “festa da insignificância” (tomo emprestado o título da obra de Milan Kundera). De repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto. Nós ali, vestidos para a festa, esperando a hora de dançar a primeira música. Ao longe, atônitos, nós ouvíamos os Pet Shop Boys: ‘Together we will fly so high, together we will start life new, together this is what we’ll do…’. Será?”

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