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Cadeia Pública de Benfica é retrato do complicado ano 2017 no Rio

Lotada de empresários, políticos e poderosos, a Cadeia Pública José Frederico Marques resume bem o ano que se passou na cidade

Por Rafael Sento Sé
Atualizado em 29 dez 2017, 18h01 - Publicado em 29 dez 2017, 18h00
Cadeia Pública de Benfica
 (Fernando Lemos/Agência O Globo)
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Não há palácio, repartição, museu nem qualquer outro endereço do Rio que simbolize o que foi 2017 para a cidade de maneira mais exemplar do que a Cadeia Pública José Frederico Marques, popularmente conhecida como presídio de Benfica. Localizado no bairro de mesmo nome da Zona Norte, o lugar ganhou o noticiário em fevereiro, quando se anunciou uma reforma a toque de caixa da unidade carcerária, para abrigar os presos dos escândalos de corrupção no estado, em particular o ex-governador Sérgio Cabral. Desde então, o prédio tosco, junto à Avenida Brasil, não saiu mais dos holofotes. Assim como recebia personagens que eram alvo de raiva e indignação de cariocas e fluminenses, o local também passou a representar, para muita gente, a esperança de que um dia talvez seja possível coibir, de alguma forma, a roubalheira endêmica no estado e na cidade.

Em meio às histórias pitorescas que começaram a brotar em Benfica estão curiosidades como o encontro do ex-secretário Régis Fichtner, herdeiro de uma poderosa dinastia de advogados, com o seu ex-professor da PUC-Rio Carlos Davis, que se tornou padre da Pastoral Carcerária. Os dois se viram em 27 de novembro durante o banho de sol no pátio do presídio. “Conheço a família do Régis há muito tempo e o pai dele foi meu colega de magistratura. Ele me pareceu muito sereno e confiante”, disse o padre, que evitou fazer qualquer juízo de valor sobre o detento. Preso na mesma semana que Fichtner, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani, já chegou reclamando das instalações, tinindo de novas. O alvo foi o vaso sanitário. “Mas isso é muito pequeno”, disparou o político, que tem 1,90 metro e acumula muitos quilos além do recomendável para a relação entre seu peso e altura.

números da Cadeira Pública de Benfica
(VEJA RIO/Veja Rio)

FEVEREIRO: obra a jato

Fechado desde outubro de 2015, quando ainda pertencia à Polícia Militar, o presídio de Benfica foi escolhido pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) para receber presos de nível superior alocados em Bangu 8. Na época, o Ministério Público denunciou a decisão como uma manobra para favorecer o ex-governador Sérgio Cabral. “Vai virar mansão para o pessoal da Lava-Jato. A falta de fiscalização e a vulnerabilidade do local vão propiciar o ingresso de mordomias e vantagens, algo que hoje não está acontecendo em Bangu”, previu na ocasião a promotora Valéria Videira. Em resposta, o secretário de Administração Penitenciária, Erir Ribeiro Filho, garantiu que não haveria regalias e ainda se gabou de ter conseguido abrir vagas no sistema penitenciário fluminense investindo 26 000 reais.

Cadeia Pública de Benfica antes e depois
Cela antes da intervenção (à esq.) e já reformada (à dir.): mais conforto e privacidade para os presos (Márcia Foletto (antes da reforma) e Fernando Lemos (depois)/Agência O Globo)

MAIO: a chegada

Na reforma, as celas mantiveram o tamanho-padrão, de 16 metros quadrados, de Bangu 8, mas os vasos sanitários ficaram em uma espécie de cabine privativa e há chuveiros. Os colchões vieram da Vila dos Atletas e são os mesmos usados pelas delegações que disputaram os Jogos Olímpicos em 2016. Ao chegar ao presídio, o ex-governador é alojado em uma cela no 2º andar da ala C, que divide com um ex-policial e o ex-secretário de Governo Wilson Carlos, seu amigo desde os tempos em que cursava o Colégio Bennet.

filhos de Cabral na Cadeia Pública de Benfica
Filhos do ex-governador Cabral chegam com sacolas: padrão mais alto que em Bangu 8 (Guilherme Pinto/Agência O Globo)
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JUNHO: Riba em Benfica

O empresário Marco Antônio de Luca, sócio da Comercial Milano e da Masan Serviços Especializados, é preso na Operação Ratatouille. Nos oito anos da gestão Cabral, as empresas do ramo alimentício fecharam contratos que totalizam 8 bilhões de reais, que incluem até mesmo o fornecimento de quentinhas aos presídios. Desse montante, 12,5 milhões teriam sido pagos em propinas a Cabral. A prisão de Luca ocorreu em meio à expansão da rede Riba, pertencente a ele. Enquanto os bares da cidade viam a clientela minguar com a crise, o Riba crescia, com cardápios que ofereciam sanduíche de lagosta e champanhe Dom Pérignon. Ao todo, foram inauguradas quatro filiais ao longo de cinco meses em pontos nobres da cidade. O empresário, detido em seu apartamento na Vieira Souto, foi para a cela de Cabral.

Riba e o empresário Marco Antônio de Luca
O bar Riba, no Leblon: expansão enquanto o setor vivia a maior crise da história (Felipe Fittipaldi (Riba) e Márcia Foletto/Veja Rio/Agência O Globo)

JULHO: realeza do ônibus

Controladores da poderosa Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira são presos na Operação Ponto Final. Também são admitidos em Benfica Rogério Onofre, ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Detro) e ex-prefeito de Paraíba do Sul, acusado de receber 44 milhões de reais em propina, sua mulher, Dayse Déborah Alexandra Neves, e outras oito pessoas, entre conselheiros da Fetranspor e funcionários de sindicato.

realeza do ônibus
Barata (à esq.), Lélis (no centro) e Onofre: corrupção no setor de transportes (Fábio Guimarães (Agência O Globo) e Tânia Rêgo (Agência Brasil)/Agência O Globo)

AGOSTO: affair de propinas

Um escândalo de corrupção que veio à tona em meio à Operação Asfalto Sujo 2 acabou expondo um relacionamento que não seria da conta de ninguém não fosse o teor das conversas gravadas na investigação. Nas ligações, o ex-secretário de Habitação e Urbanismo de Magé André Vinicius Gomes da Silva, levado para Benfica como chefe de um esquema de fraudes no posto do Detran da cidade da região metropolitana, valia-se de sua intimidade, que ia muito além da amizade com o conselheiro Aloysio Neves Guedes, presidente licenciado do Tribunal de Contas do Estado, para concluir maracutaias que envolviam a prefeitura onde dava expediente. Além de exporem o namoro de ambos, os telefonemas implicavam autoridades do governo Pezão e o próprio TCE.

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affair de propinas
Aloysio Neves Guedes e André Vinicius Gomes da Silva: romance e maracutaia (TCE (Divulgação) e Jorge Luiz / Guapi Magé Notícias/Divulgação)

SETEMBRO: baixa estação

A ocupação de Benfica diminui. O juiz Bretas liberta três acusados de participar do esquema de Cabral (Luiz Carlos Bezerra, José Orlando Rabelo e Wagner Jordão Garcia). Também deixa a prisão o ex-secretário de Magé André Vinicius Gomes da Silva.

OUTUBRO

Jogada desleal

Catorze meses depois de se exibir para mais de 1 bilhão de espectadores na abertura da Olimpíada de 2016, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Nuzman, voltou a entrar no foco das câmeras de TV. Desta vez, ao ser levado de sua mansão no aristocrático enclave do Jardim Pernambuco, no Leblon, para a detenção na Zona Norte. A estada na prisão durou quinze dias, período em que o cartola teve a companhia do ex-diretor do COB Leonardo Gryner, com quem dividiu cela. Em Benfica, a dupla pôde testar a qualidade dos colchões que comprou para os atletas que visitaram o Rio.

Carlos Arthur Nuzman
Nuzman vai para a cadeia: teste dos colchões que ele mesmo comprou (Onofre Veras/Folhapress)

A grande família

Depois de Marco Antônio de Luca, outros membros do clã de origem italiana e vastos negócios no setor de alimentos foram alvo da polícia e detidos no presídio. O pai de Marco, Francisco, e quatro primos, José, Carmelo, Ercolino Jorge e Francisco Paulo, amargaram cinco dias de cadeia acusados de irregularidades no fornecimento de merenda à prefeitura na gestão de Eduardo Paes. O ator Bruno de Luca é um dos herdeiros da mais famosa das empresas do grupo, a Frescatto, patrocinadora do Fluminense.

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Bruno De Luca
Bruno de Luca: depois do empresário Marco Antônio de Luca, outros membros da família foram detidos no presídio (Ivan Pacheco/Veja.com)

As bijuterias do juiz

Um comentário debochado de Sérgio Cabral quase acabou com sua temporada de curtição no presídio da Zona Norte. Em uma audiência na Justiça Federal, o ex-governador fez menções à loja de bijuterias de propriedade da família do juiz Bretas, que determinou sua transferência para a capital de Mato Grosso do Sul, Campo Grande. O ex-governador apelou para o Tribunal Regional Federal e para o Superior Tribunal de Justiça — e perdeu. Por fim, apelou para o STF de Gilmar Mendes. E Cabral ficou no Rio.

Sala premium

Mesmo na cadeia, Cabral não perdeu o gosto pela boa vida. Chegou até a armar um esquema para ter um home theater com TV de 65 polegadas avaliada em 8 500 reais e uma coleção de 150 filmes, para usufruir com os companheiros de cana. Para isso, forjou uma doação em nome de uma igreja evangélica do Méier. Tudo dentro da lei para a Secretaria de Administração Penitenciária, que depois voltou atrás e doou os equipamentos a um orfanato. Os detentos tiveram de se conformar com TVs de 14 polegadas nas celas.

cinemateca do presídio de Benfica
Cinemateca: mimo à disposição do ex-governador Cabral no presídio (Reprodução/GloboNews)

NOVEMBRO

Lotação esgotada

No pico da ocupação de suas dependências, a Cadeia Pública José Frederico Marques chegou a abrigar três ex-governadores, o presidente da Assembleia Legislativa e de sua Comissão de Constituição e Justiça, três ex-primeiras-­damas (duas do estado e uma de um município do interior) e quatro ex-secretários, além de empresários influentes. E o desespero para escapar das grades gerou pelo menos um episódio patético, quando Anthony Garotinho alegou ter sido agredido por um homem que, munido de um taco, teria visitado sua cela, na ala A. As autoridades que administram a penitenciária garantem que as câmeras não flagraram nenhuma movimentação suspeita. Alvo de acusações contundentes no blog do ex-governador, o ex-secretário de Saúde Sergio Cortês até foi acordado de madrugada para examinar as supostas agressões e fazer curativos. O episódio ainda está sob investigação da polícia, mas o ex-governador acabou transferido para Bangu 8.

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retrospectiva-quadro-2
(VEJA RIO/Veja Rio)

Manobras no plenário

A detenção dos deputados estaduais Jorge Picciani, presidente da Alerj, Paulo Melo e Edson Albertassi, no dia 14, desencadeou uma série de manobras políticas para libertá-los. O clímax ocorreu quando seus pares se reuniram na sede da Assembleia Legislativa e se valeram da argumentação de que apenas o Poder Legislativo poderia determinar o afastamento e a punição dos deputados — portanto, a prisão não valia. A decisão, que levou à liberação dos políticos, enfureceu os cariocas, que foram à rua para manifestar sua indignação. Os três voltaram para a cadeia dias depois.

Manifestantes protestam em frente à Alerj
Protesto contra a decisão da Alerj: indignação (André Melo/Folhapress)

DEZEMBRO: ele tem a chave

Com boa parte de seus leitos ocupada pelos recém-chegados de novembro, a cadeia pública de Benfica começou a se esvaziar conforme o fim de ano se aproximava, graças à celeridade do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Pouco antes do recesso, o magistrado concedeu seis habeas-corpus, entre eles o terceiro a seu compadre Jacob Barata Filho. A turma de indultados natalinos incluiu Antonio Carlos Rodrigues, ex-­ministro dos Transportes e presidente do Partido Republicano, seu companheiro de legenda Anthony Garotinho, a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo e o empresário Marco Antônio de Luca, que voltou para seu apartamento na Vieira Souto em regime de liberdade restrita. Às vésperas do Natal, até mesmo o ocupante mais ilustre, Sérgio Cabral, tinha a possibilidade de deixar o presídio, mas, nesse caso, não por decisão de Gilmar Mendes. Diante das evidências de privilégios, o Ministério Público do Rio apresentou denúncia à Justiça solicitando o retorno do ex-governador para Bangu. Segundo o MP, Cabral “tem controle total da Cadeia José Frederico Marques” — o órgão cita a entrada de queijos, frios e conservas importados e outras regalias. Se a dolce vita continua em 2018, cabe aos juízes decidir.

Gilmar Mendes
Gilmar Mendes: libertação de presos às vésperas do Natal (Pedro Ladeira/Folhapress)
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