Bondinho da discórdia
Moradores do Leme rejeitam a ligação por teleférico com o Forte Duque de Caxias sob o argumento de que a atração provocaria transtornos no bairro
Lembra um jogo de cabo de guerra. De um lado, com um discurso de viés preservacionista, está meia dúzia de associações de moradores. Do outro, pensando na força do turismo ? e certamente nos lucros que daí vêm ?, encontra-se a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar. O motivo do embate: um novo trajeto para o bonde, que ligaria o Morro da Urca ao Forte Duque de Caxias, no Leme. Na semana passada, a presidente da empresa, Maria Ercília Leite de Castro, enviou à Câmara dos Vereadores uma espécie de carta de intenções, com detalhes técnicos do projeto.
Bastou Maria Ercília anunciar o novo passo dessa espécie de odisseia pessoal (os planos da ligação remontam a décadas atrás) para que se iniciasse uma nova grita entre os habitantes daquele que é o décimo segundo colocado, entre centenas de bairros cariocas, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Pedacinho de Rio até certo ponto tranquilo, à esquerda da historicamente tumultuada Copacabana, o Leme tem menos de dez ruas e um jeito de interior, onde os moradores se conhecem e penduram a conta na padaria. Eles temem que a chegada do teleférico à região seja sinônimo de estrago, devastação, dor de cabeça.
Em meio à disputa, cada lado puxa a brasa para a sua sardinha. As associações, congregadas no movimento Salvem o Leme, sustentam que a extensão do bondinho certamente degradaria áreas de proteção ambiental (APAs). Em contraposição, a companhia afirma que esse tipo de transporte, o teleférico (antigamente, “camarote carril”), é um dos que menos danificam o meio ambiente, inclusive em termos de barulho: aos ouvidos da empresa, o deslizar pelos cabos beira o silêncio.
Há mais exemplos de discórdia. Os moradores receiam ainda que despenque graxa lá do alto. Maria Ercília diz: “É impossível. O processo de lubrificação é moderno”. Preveem acúmulo de lixo, e ela retruca afirmando que há equipes treinadas para chegar a locais de difícil acesso, na mata, catando qualquer resíduo que tenha sido jogado no entorno. Mas o maior perigo, segundo as associações, seria mesmo a multiplicação de transeuntes pelo Leme. A presidente diz depender do tipo de parceria que no futuro fará com o Exército, quanto à utilização do forte como estação, para dar uma posição sobre se os visitantes poderão ou não embarcar ali. Também não está claro se pessoas que entrarão no sistema pela estação da Praia Vermelha poderão se baldear para o Leme, saltar no forte e descer até o chão, na Praça Júlio de Noronha, o que elevaria exponencialmente o movimento na região.
Inaugurado em outubro de 1912, o bonde do Pão de Açúcar, que hoje atende 1,3 milhão de passageiros por ano, é um dos principais destinos do turista que visita o Rio e um poderoso símbolo da cidade. Fica atrás (nos dois casos) apenas do Cristo Redentor, considerado desde 2007 uma das sete maravilhas do mundo moderno, que recebe 2 milhões de pessoas a cada ano ? número expressivo, mas pequeníssimo se comparado ao de outros pontos turísticos ao redor do planeta, como a Times Square, em Nova York, nos Estados Unidos, com 35 milhões de visitantes anuais. Com essa nova perna chegando ao Leme, o objetivo da Companhia Caminho Aéreo é atrair pelo menos mais 7?000 pagantes por dia, o que compensaria, a médio prazo, o investimento de 107 milhões de reais.
Tecnicamente falando, a viagem seria parecida com a do bonde atual, fora o detalhe, lúdico e bem interessante, de que o novo vagão é capaz de fazer uma volta completa em torno de si mesmo, de 360 graus, portanto, para que todos em seu interior possam ver diversos ângulos da cidade. Dentro dele, caberiam cinquenta pessoas, e não 65, como nas cabines que operam nos trechos principais. A extensão do percurso, 1?300 metros, é menor que os dois segmentos históricos somados, mas maior que cada uma dessas linhas tradicionais consideradas isoladamente. A velocidade seria em torno de 20 quilômetros por hora, algo como um skatista em ladeira leve. Assim, o tempo de travessia chegaria a quatro minutos, e de lá de cima se descortinariam novas paisagens, como a Praia de Copacabana por inteiro, não contemplável dos trechos atuais por estar parcialmente escondida pelas montanhas.
Se as autoridades do município derem parecer favorável, se o Exército aceitar o uso do forte como estação de bondinho (“É cedo para termos uma posição oficial”, diz o coronel Álvaro Roberto Lima, comandante do monumento), as obras começariam já, com término previsto para 2016. “Somos contra o bondinho, pois, com cabos aéreos, saguão e milhares de visitantes, ele descaracterizaria um local histórico”, reclamam em coro Plínio Senna e Patrícia Rocha, do Salvem o Leme.