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Como a ascensão e a queda dos motéis conta a história da Barra da Tijuca

Região guarda memória da urbanização do bairro e da liberdade sexual iniciada nos anos 1960

Por Sophia Marques*
Atualizado em 29 jan 2024, 18h02 - Publicado em 24 jan 2024, 23h30

O Largo da Barra, ou Barrinha, despontou economicamente no final da década de 1960 e triunfou durante os Anos de Chumbo. À época, a  atividade que movimentava economicamente o local era a motelaria, hospedagem voltada para encontros sexuais. Mais de quinze estabelecimentos deram fama ao trecho da Estrada da Barra da Tijuca conhecido como Rua dos Motéis. Hoje, apenas três deles mantêm as portas abertas. 

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Escolas, padarias, casas de festa e concessionárias dominam a área  atualmente. No passado, a região chegou a ser chamada de “Broadway Carioca”. A trajetória de crescimento e decadência dos motéis ajuda a contar a história da urbanização da Barra da Tijuca, formando um retrato da vida jovem entre a revolução sexual e a Ditadura Militar.

O Bar do Oswaldo foi pioneiro na Barrinha, aberto em 1946, aos pés da Pedra da Gávea. A Barra da Tijuca era praticamente desabitada, os únicos acessos eram pela Avenida Niemeyer e pelas estradas de Furnas. O bar tinha como atração principal o coquinho, mistura de água de coco, cachaça e canela. Atual dono, Rommel Cardozo, filho de Oswaldo, conta que alguns clientes bebiam demais e precisavam de um lugar para passar a noite. “A demanda por motéis surgiu assim. Os clientes vinham com parceiras, bebiam e saíam para ‘assistir à corrida de submarinos’ na praia. Alguns pediam para ficar pelo bar, nos quartinhos do andar de cima. Existe um boato de que até o ex-presidente Getúlio Vargas vinha aqui para se encontrar com uma amante, a dançarina e atriz Luz del Fuego”, revela.

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Bar do Oswaldo: aberto desde os anos 1940 (./Arquivo pessoal)
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Nos mesmos moldes, surgiram outros empreendimentos pela área, como o Bar do Garoto, onde hoje passa o túnel do metrô, a churrascaria Orly, que até recentemente era uma franquia do Colégio pH, e o restaurante Serramar, transformado em hotel. Os primeiros estabelecimentos dedicados exclusivamente ao ramo da motelaria surgiram em 1968, quando começou o período de maior repressão da ditadura militar, com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5).

As leis da época buscavam frear o crescimento deste tipo de atividade, já que a norma era exigir certidão de casamento dos hóspedes, proibir estadias mais curtas que 24 horas e impedir os estabelecimentos com garagens privativas de funcionar perto das zonas urbanas. Os casais que fossem pegos podiam ser presos por “ato libidinoso”. Um dos primeiros motéis da Barrinha, o Barra Tourist Hotel utilizava o alvará de “hotel” como estratégia para despistar os militares.

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Em 1971, com a inauguração do Elevado do Joá, veio a concorrência: Elmo, Playboy, Mayflower, XaXaXa, Summertime, Lipstick, Tóquio, Marbella e Garoto da Barra. Moradores antigos da área lembram que a noite começava nos bares da região, depois continuava na boate Gondoleiro, e os visitantes terminavam pelos motéis do bairro. As filas de carro eram longas, e por vezes a polícia aparecia para evitar confusões. Rommel Cardozo, que cresceu nas redondezas do bar do pai, lembra de quando o Playboy Motel colocou um funcionário de biquíni e orelhas de coelho na porta, gerando incômodo na vizinhança.

Em meados dos anos 1980, época da reabertura democrática “lenta, gradual e segura”, o frenesi na Barrinha perdeu o fôlego. A legislação acerca dos motéis foi afrouxada, e surgiram outros mais próximos à Zona Central da cidade. Até 1999, pelo menos dez estabelecimentos do Largo da Barra já tinham falido. Alguns tentaram se converter: Rio Mar e Marbella tentaram atuar como hotéis, e Lipstick e Tóquio se transformaram em condomínios, todos sem sucesso. O Elmo foi substituído por uma oficina.

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Hoje restam apenas o motel Nude, antigo Playboy, o Skorpios, ex-Garoto da Barra, e o Hotel San Francisco, onde funcionou o Barra Tourist Hotel. O Summertime, que sobreviveu até 2023 com o nome de Toy Motel, fechou as portas por causa de dívidas acumuladas. O supervisor do Hotel San Francisco, Ricardo Alonso, conta que as coisas não estão fáceis para os negócios da rua. “Meu avô comprou o motel cerca de 40 anos atrás e chegou a registrar por volta de 150 entradas a cada dia. Agora atendemos por volta de 35 hóspedes em fins de semana, e tivemos que cortar nossa folha de funcionários pela metade. Está muito difícil, principalmente depois da inauguração do metrô na Barra, em 2016. O custo do IPTU é crescente, e foi algo que todos os motéis daqui sentiram”, relata. São os novos tempos na Barra da Tijuca. 

*Sophia Marques, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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