Frases provocativas e motivacionais fazem sucesso pelos muros do Rio
Artistas se valem da linguagem do grafite e espalham bordões em diversos pontos da cidade
Em meio ao tráfego pesado da Avenida Brasil, estende-se um conjunto de painéis pintados nas pilastras do elevado que corta o local, repletos de textos escritos em uma caligrafia toda peculiar pelo místico José Datrino (1917-1996), mais conhecido como Profeta Gentileza. São expressões de grande impacto visual, das quais a mais famosa é “Gentileza gera gentileza”, e servem de inspiração para um novo movimento que tem tomado os muros da cidade. Trata-se de um desdobramento dos grafites, composto basicamente de frases de efeito, pintadas em uma configuração gráfica que lhes confere identidade visual e espalhadas por diversos pontos do Rio. As mais populares vão além das paredes e também estampam fotos e postagens compartilhadas pelas redes sociais. Quase todas apostam no bom humor e no teor positivo. “Vivemos um momento de otimismo escasso. Decidi fazer esse trabalho ao ver que as pessoas estão muito carentes de ler coisas que levantem a autoestima, que deem alegria ao dia a dia”, explica o designer Felipe Guga, que acaba de pintar um painel com a expressão “Olhe tudo como se fosse a primeira vez” na empena de um prédio antigo em Botafogo. “Minha ideia é chamar a atenção daquela pessoa que passa correndo, saindo do trabalho, e dar um clique no cérebro dela para que olhe a realidade de um jeito diferente”, afirma.
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O movimento do qual Felipe Guga participa no Rio não é um fenômeno isolado. Artistas estrangeiros fizeram fama internacional atuando nessa seara que combina frases e ilustrações — é o caso do britânico Banksy, que, apesar de ter seu nome conhecido em todo o mundo, mantém em mistério sua real identidade. Por aqui também há assinaturas já famosas pelas ruas da cidade, mas cujos autores preferem manter-se no anonimato. É o caso do Oraculoproject, conhecido por espalhar pinturas com os dizeres “Pare aqui, aprecie a vida por um minuto e sorria”. O artista de rua conta que a proposta surgiu de uma vontade de expressar sua própria gratidão por poder apreciar as coisas belas da vida. “Queria fazer uma comparação com o Banco Imobiliário. Você para naquela casa e, em vez de ganhar dinheiro ou um hotel, ganha um minuto de apreciação, de graça”, explica o autor, que ainda se dedica a outro tipo de intervenção, de cunho mais combativo, ao pintar de vermelho troncos de árvores cortadas pela cidade. “A tinta remete ao sangue e lembra que elas são seres vivos que estão sendo assassinados”, propagandeia. No último ano, 263 troncos receberam a pintura.
Pode não ficar explícito para quem lê as frases pela rua, mas cada manifestação tem um objetivo definido. A enigmática frase “Não fui eu” espalhada por diversos locais da cidade, por exemplo, é uma forma irônica de dialogar com a própria cultura da pichação. Com experiência em pintura a óleo em tela e outras instalações nas ruas, o artista responsável por elas também prefere manter o anonimato (até para que a brincadeira não perca a graça). “Se a pichação funciona como uma assinatura que reivindica a autoria, meu trabalho é uma assinatura que nega a própria autoria. Comecei a me interessar pela potência poética que surgia disso e pelas diferentes leituras que a frase poderia ter na rua”, teoriza o artista, que vê as paredes como um espaço privilegiado de troca de informações.
A prefeitura do Rio reconhece o grafite como manifestação artística e, desde fevereiro de 2014, autoriza esse tipo de pintura em espaços públicos como tapumes de obra, pistas de skate, postes, colunas, empenas e muros, desde que não sejam considerados patrimônio histórico. O secretário de Conservação e Serviços Públicos, Marcus Belchior, no entanto, faz algumas ressalvas: “Toda manifestação cultural que acontece na cidade tem nosso apoio, e os agentes públicos são orientados a preservar esses símbolos, evitando apagá-los ou cobri-los. Contudo, devemos destacar que em propriedades particulares deve haver entendimento com o dono do imóvel”. Ou seja, desde que no lugar certo, pode-se escrever à vontade nos muros cariocas.