A arquiteta do Senhor
Católica não praticante e devota de Nossa Senhora de Fátima, a carioca Cristina Côrtes especializou-se em projetar megatemplos evangélicos
Faltam à vista no ambiente o papel de parede cravejado de cristais Swarovski e uma grande pintura que revela, quando se olha mais detidamente, a figura de um homem nu. A arte um tanto profana e o estilo rococó dos enfeites nada insinuam acerca do trabalho que é feito ali ? ao contrário até, dão uma pista falsa. Na sala, situada no 2º andar de um shopping da Barra, são concebidos alguns dos maiores templos evangélicos do país. À frente do escritório e de uma equipe de cinco mulheres ? os homens contratados nunca duraram muito tempo ? está a arquiteta carioca Cristina Côrtes, 43 anos. Nos últimos tempos, ela vem se especializando em desenvolver projetos de igrejas pentecostais de grande porte. Agora, está entregue de corpo e alma à construção do maior templo na cidade da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na Penha. “É um desafio gigantesco pensar na questão cênica, no fluxo de pessoas e nos acessos para tanta gente”, conta ela, que se diz católica não praticante e devota de Nossa Senhora de Fátima. “Passei a entender o porquê da expressão ?obra de igreja?. Todo o processo dá muito trabalho.”
O ambicioso imóvel que ganha corpo no subúrbio carioca impressiona pelas dimensões. Ao custo de 15 milhões de reais e com previsão de inauguração até o fim do ano, ele tem 4 000 metros quadrados de área e capacidade para acolher 4?700 fiéis. Tendo em vista o caráter midiático dos pastores e seus cultos inflamados, Cristina já assimilou a principal regra na hora de desenhar um desses templos: deve ser como uma casa de espetáculos. Assim, antes de dar traços finais ao projeto, ela mergulhou numa pesquisa sobre sistema de iluminação, apetrecho fundamental para rituais que serão transmitidos pela TV. Está prevista ainda a instalação de dois telões de LED ao lado do palco e de um monitor embutido logo à frente do púlpito, para que o pastor possa acompanhar sua própria performance. Nesse verdadeiro teatro da fé há ainda uma grandiosa pia batismal, um berçário, uma cantina e uma sala com brinquedos para as crianças. Ao contrário do que ocorre com as igrejas católicas mais antigas, que primam por seus vitrais figurativos, sua decoração repleta de imagens e seus retábulos esculpidos, essa nova matriz replica o padrão imponente e anódino dos templos pentecostais, erguidos em galpões, cinemas ou em algum outro endereço bem espaçoso. “Os templos evangélicos seguem a linguagem de arquitetura imposta pela Igreja Católica na década de 60, com traços modernistas mais limpos. Além disso, por vetarem o uso de imagens, eles sempre tiveram o interior mais simplificado”, diz Cêça Guimaraens, diretora cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Cristina descobriu que tinha pendor para projetos e obras após se formar em um curso técnico de edificações e começar a atuar como estagiária em um escritório do ramo. Decidiu, então, dar continuidade aos estudos e graduou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Silva e Souza, em Jacarepaguá. Em seguida, trabalhou na área de planejamento de uma construtora até partir para o voo-solo, há quinze anos, quando abriu sua empresa. Só em 2009, porém, a carreira ganhou impulso. O ponto de inflexão foi a encomenda de uma guarita para a sede da editora gospel pertencente ao pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, famoso pela intolerância com relação a temas como a homossexualidade e pelo dinheiro que amealhou em mais de trinta anos de pregação. De acordo com o ranking da revista Forbes, ele é o terceiro pastor mais rico do país, com fortuna estimada em 150 milhões de dólares. Cristina bolou um pórtico monumental, bem de acordo com as ambições megalomaníacas do missionário. Logo veio o convite para reformar todo o prédio e as igrejas. Hoje ela já assina uma dezena de templos, de um total de 120 centros que Malafaia tem espalhados pelo país.
Religião à parte, a arquiteta exibe um ponto marcante em seu currículo profissional. Em 2004, ela participou da reforma do Palácio da Alvorada. Casada com o engenheiro civil João Carlos da Silva Lopes, um dos responsáveis pela obra na residência presidencial, ela se ofereceu, sem nenhum tipo de inibição, para colaborar. Entre suas atribuições estavam as reuniões com Oscar Niemeyer e membros do Iphan em busca de autorização para cada etapa do restauro. Cristina conta que dona Marisa, mulher do ex-presidente Lula, teve um pedido negado. Ela queria criar um corredor de pingos-d?ouro, planta ornamental de origem mexicana, da porta do palácio até o portão principal. “Niemeyer não deixou, por achar que descaracterizaria o projeto”, recorda a arquiteta. Mãe de Ana Júlia, de 7 anos, e workaholic assumida, ela chega a encarar jornadas de até dez horas por dia. E se prepara para trabalhar ainda mais no futuro. Afinal de contas, o rebanho evangélico tem crescido em ritmo acelerado nos últimos anos.