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Sabe com quem está falando?

Numa cidade povoada de artistas e onde meio mundo se acha vip, os promoters cortam um dobrado na hora de elaborar a lista de convidados para festas, shows e pré-estreias. Neste período pré-Carnaval, a dor de cabeça deles torna-se ainda maior, tal o assédio dos que querem entrar de qualquer jeito nos camarotes da Passarela do Samba

Por Carla Knoplech
Atualizado em 5 jun 2017, 14h12 - Publicado em 30 jan 2013, 17h19

A menos de um mês do Carnaval, o celular da promoter Alicinha Ca­valcanti já registra mais de 1?200 mensagens de voz e texto não acessadas. Com a proximidade da festa, certamente esse número vai se multiplicar. A principal atribuição de Alicinha no momento é cuidar da lista de convidados do Camarote da Brahma, que receberá 900 pessoas em cada uma das três noites de seu funcionamento ? as duas do desfile do Grupo Especial e o Sábado das Campeãs. Parece um assédio gigantesco, mas trata-se de uma miudeza para alguém como ela, que tem 37?000 nomes cadastrados em seu mailing. O que não falta são insinuações ou pedidos escancarados de quem quer porque quer ser incluído na seleta relação de convidados. Eles sonham estar em um dos metros quadrados mais disputados da Passarela do Samba e desfrutar a proximidade de famosos, enquanto apreciam o espetáculo em posição privilegiada, esbaldam-se na pista de dança ou repõem a energia no restaurante do camarote, tudo de graça, ou “0800”, para usar uma gíria bem carioca. Quem não gostaria de sair por aí contando que viu o desfile da Beija-Flor ao lado de Ronaldo Fenômeno, brindou com Luiza Brunet ou jantou na mesma mesa que Deborah Secco? Difícil é administrar tantas demandas, que abrangem um amplo arco de pessoas, das celebridades de verdade aos bicões em busca de privilégios. “No Rio, todo mundo se acha vip”, resume a relações-públicas Alicinha Cavalcanti.

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O camarote da cervejaria retrata uma prática que se vê também em outros espaços da Marquês de Sapucaí e em grandes festivais de música, pré-estreias de filmes e semanas de moda realizados na cidade (veja o quadro nas págs. 22 e 23). Em uma metrópole como o Rio, com grande concentração de artistas, produtores de cinema e até algumas celebridades internacionais, torna-se uma missão complicada chamar um tantinho e deixar um tantão de gente de fora nos eventos mais concorridos. Ao agradarem apenas uma minoria, os promotores sabem que estão comprando briga com a maioria. É preciso muita habilidade para dizer não sem melindrar o pedinte, que pode ser uma figura pública ou alguém com potencial na carreira artística. “O ator de Malhação de hoje pode ser o protagonista da novela das 9 de amanhã”, lembra, sabiamente, Carol Sampaio.

Na hierarquia dos convidados vips, há estratos bem demarcados. No topo da pirâmide figuram as personalidades AAA, daquelas que podem tudo. Nesse caso, o movimento se inverte e são os promoters que vão atrás delas e não medem esforços para convencê-las a comparecer à atração. No Carnaval de 2011, a apresentadora Ana Maria Braga desistiu de credenciar-se para um concorrido camarote porque não queria interromper o passeio de barco que fazia com a cantora Simone e a empresária Lucília Diniz. As organizadoras, no entanto, não desistiram e fizeram com que o convite lhe fosse entregue a bordo do iate. Sensibilizada com a força-tarefa e livre da chatice de ter de fazer o crachá, Ana Maria Braga foi ao desfile. Logo abaixo dessa fina flor, na qual se incluem também o empresário Eike Batista, a apresentadora Xuxa Meneghel e o ator Rodrigo Santoro, um segundo escalão de famosos engloba artistas, jogadores de futebol, modelos e empresários. Na lista dos proscritos, figuram os participantes de edições passadas do Big Brother (salvo aqueles que seguem em evidência, como Grazi Massafera e Sabrina Sato), encrenqueiros do naipe de Dado Dolabella e pidões, a exemplo do humorista Amin Khader e da atriz Amanda Pinheiro, de Zorra Total.

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A cultura de ser vip, vivenciada em diversas esferas, não se presta a explicações simplistas. Um dos erros frequentes é atribuí-la tão somente ao desejo de entrar de graça em um lugar. Fosse só por isso, por que tanta gente de alto poder aquisitivo prefere usar uma camisa com o logotipo nada discreto do patrocinador e compartilhar o espaço com centenas de pessoas a comprar seu próprio ingresso e ficar onde e com quem quiser? Ao brigarem por tais lugares, além das mordomias oferecidas, as estrelas e os candidatos ao estrelato querem mostrar que não são simples mortais e merecem ser tratados com distinção. No Rio, essa necessidade atinge mais gente. “Por causa da proximidade com as celebridades é que existe uma supervalorização do conceito de ser vip”, acredita a socióloga Simone Terra, especialista em comportamento. “Estar ao lado delas é um atributo de valor para os cariocas. Trata-se de um exercício de poder, com seus códigos e castas.”

Entrar em um desses recintos, em algumas situações, não basta. Muitas vezes, dentro de um mesmo reservado, existem cômodos destinados aos “vips dos vips”. É como o paraíso retratado por Dante Alighieri em A Divina Comédia: tem sempre alguém em uma esfera mais próxima de Deus. Para identificar essa casta de convidados especiais entraram em cena os “cercadinhos” e as indefectíveis pulseirinhas coloridas, usadas como diferenciação entre o ambiente dos eleitos e o dos demais. O acessório tornou-se um pesadelo na vida dos organizadores. “A pulseira é uma doença que transforma o ser humano”, diagnostica o promoter Evandro Rius, que trabalha com peças e shows de grande porte. “Se você dá uma azul para alguém e ele vê um convidado com uma amarela, pode ter certeza de que ele vai perturbá-lo a noite inteira para conseguir a troca.” Na Sapucaí, outro camarote concorrido é o “Rio, Samba e Carnaval”, onde a nata empresarial carioca vai saudar a passagem das escolas. O menu ali inclui lagostas e a bebida mais consumida é o champanhe francês Veuve Clicquot. São 450 metros quadrados de fartura. Mas que ninguém ouse invadir o cantinho do Boni, o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. Ali, com segurança na porta e um cardápio ainda mais especial, só permanecem o ex-homem forte da televisão brasileira e seus convivas ? poucos, diga-se de passagem.

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A trajetória de Boni é bem conhecida. Se existe alguém na cidade que merece a alcunha de vip, é ele. Mas, nestes tempos de TV a cabo, blogs, YouTube e reality shows, as celebridades instantâneas brotam em uma velocidade difícil de acompanhar. O leitor provavelmente já deparou com alguma notícia na internet, em jornal ou revista sobre uma pessoa famosa que, a rigor, ninguém sabe ao certo como ganhou tal notoriedade. “Sem querer ser saudosista, a base de dados antigamente era menor. Hoje, as pessoas se acham especiais sem necessariamente ser”, dispara o empresário Ricardo Amaral, proprietário de boates nos anos 70, época em que o very important person dava seus primeiros passos nas casas noturnas cariocas. O conceito foi trazido de boates de Paris e Nova York que presenteavam seus clientes especiais com cartões de consumo e lugares reservados no salão, entre outras facilidades.

Se desperta cobiça entre aqueles que têm dinheiro e prestígio, imagine o poder de atração de uma área vip em relação ao resto da humanidade. Até por curiosidade, a maior parte gostaria de ter a chance de conhecer um lugar desses algum dia, mas não dá tanta importância a isso. Existe um grupo, porém, que não se conforma em ficar de fora ? e faz de tudo para ganhar salvo-conduto em shows, peças e pré-estreias. Em busca do objetivo, essa turma pode lançar mão de qualquer artimanha. Tempos atrás, quando organizava a lista de convidados especiais de um espetáculo na Praia de Copacabana, a promoter Liège Monteiro recebeu a ligação de uma certa Patrícia Meneghel, que se dizia sobrinha da apresentadora Xuxa. Sem tempo para checar a identidade da moça, ela liberou a entrada, dando dois convites. Em dezembro, a mesma pessoa telefonou, solicitando convite para a área nobre da apresentação de Stevie Wonder em Copacabana. Desta vez houve tempo para ligar para Xuxa, que negou o parentesco e frustrou os planos da penetra. “Esse tipo de mentira é mais comum do que se imagina”, diz Liège.

foto Alex Carvalho/CGCOM
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Organização, ótimas relações e planejamento são três características fundamentais daqueles que decidem quem entra ou não numa área vip. Mas a principal qualidade dessa turma tem de ser o jogo de cintura. No ano passado, o jogador Neymar chegou ao camarote da Brahma, com a Portela na avenida, acompanhado de mais quatro pessoas. Conversa daqui, ajeita dali, todo o séquito do boleiro entrou. O estilista Carlos Tufvesson lembra que certa vez suou frio ao ver sua supercliente Angélica chegar, sem aviso e em cima da hora, para um desfile de sua coleção durante o Fashion Rio. Nas semanas de moda, o filé-mignon são as duas primeiras fileiras ao longo da passarela, onde celebridades e grandes compradores ganham mimos dos patrocinadores. Como o número de cadeiras disponíveis é sempre reduzido, a solução foi desalojar o arquiteto André Piva, companheiro do estilista, para dar à apresentadora um assento na fila A. No Rio, esse problema é muito sério. Tempos atrás, a atriz Luana Piovani apareceu no Circo Voador para ver a banda Los Hermanos. O show já havia começado e uma multidão do lado de fora protestava em razão dos ingressos esgotados. Depois de muita choradeira com a produção, ela e uma amiga conseguiram entrar. É por isso que todo mundo quer ser vip.

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