O caçador de antiguidades
Com espírito de aventureiro e muita disposição, Arnaldo Danemberg assume o volante de um caminhão e percorre estradas da Europa atrás de relíquias do passado
Pense em um antiquário e talvez venham à mente imagens de um ambiente empoeirado, todo amontoado e, não raro, de visual sombrio. Pois no térreo do Edifício Chopin, na Avenida Atlântica, funciona uma loja especializada em mobiliário e objetos de época que foge completamente ao padrão. Não só pela disposição do acervo, bem-arrumado e em ótimo estado, mas também por sua procedência e pela forma como é amealhado. Cerca de 90% das peças expostas, datadas dos séculos XVIII e XIX e do início do XX, são fruto de um trabalho inusitado de garimpagem. Cinco vezes por ano, o antiquário carioca Arnaldo Danemberg, 55 anos, assume o volante de um caminhão alugado e percorre cidades de França, Bélgica, Inglaterra, Espanha e Portugal em busca de preciosidades (veja o quadro na pág. 19). Batizados por ele de le grand tour, os giros têm como base Bordeaux, no sul da França, onde Danemberg mantém dois depósitos. Assim que enche o bagageiro com suas aquisições, ele retorna à cidade para descarregar. “É preciso ter disposição, olhar de águia e sangue-frio para não demonstrar nunca muito interesse”, receita.
Ao completar três décadas de carreira, Danemberg contabiliza mais de noventa viagens como aventureiro que caça antiguidades, com centenas de milhares de quilômetros percorridos. Seus trajetos não são rígidos como um pacote de agência de turismo. Ele procura sempre contemplar pelo caminho residências, fazendas e fábricas que lhe são indicadas, mas pode mudar o percurso de supetão, em função do comentário de alguém ou em busca de um endereço de que ouviu falar. Também inclui no percurso leilões e feiras de antiguidades, que são montadas às 5 da manhã. Para adquirir grandes achados, é recomendável chegar antes do nascer do sol, de lanterna em punho. “O glamour fica no Rio. Nas viagens, eu me sinto tal qual um cão farejador”, diz.
A rotina pode ser canina, mas essas temporadas na estrada, que duram em média 100 dias por ano, são proveitosas. Com 200 metros quadrados, a loja de Arnaldo Danemberg exibe sempre velhas novidades. São raridades como uma espreguiçadeira antiga de navio comprada em Paris, um baú de madeira adquirido em Lisboa ou uma mesa do princípio do século XVIII vinda de Sussex, no sul da Inglaterra. Uma velha bandeja de forneria, por exemplo, pode virar uma mesa de centro, e um garrafão de vinho do início do século XX se transforma num abajur. Todos os itens vêm de navio com destino a um depósito em São Cristóvão. Dependendo de seu estado de conservação, passam por restauração. Tanto esmero tem um preço ? e alto. As cadeiras custam a partir de 1?400 reais e as mesas começam em 4?000 reais. “Nem na própria Europa há um antiquário com uma seleção tão boa”, opina o arquiteto Maurício Nóbrega.
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Além de relíquias, Danemberg coleciona muitas histórias dessas andanças. Certa vez, na região francesa da Aquitânia, entrou com o tal caminhão pelas vielas de uma cidade medieval em direção a um lugar onde imaginava poder encontrar preciosidades. Na empolgação, não se deu conta de que a estrada era sem saída. Resultado: levou mais de uma hora para conseguir descer de ré um trecho sinuoso. Casos de disputas acirradas são frequentes. Numa feira em Limoges, ainda no interior francês, encantou-se com uma cômoda Luís XVI, mas resolveu dar uma volta antes de fechar o negócio. Ao retornar, ela tinha sido vendida. Não se conformou e correu atrás do comprador, que, depois de enorme insistência, aceitou revendê-la.
Com cerca de 300 antiquários em funcionamento, o Rio tem tradição nesse comércio. A exemplo de diversos colegas de ofício, Danemberg deu continuidade aos negócios da família. Filho de um profissional da área, já falecido, ele chegou a se formar em direito e a trabalhar por cinco anos num escritório. Decidiu largar tudo para se associar ao pai numa loja na Rua do Lavradio. Há dezoito anos, instalou-se no ponto atual. Habituado ao bem-bom de um amplo apartamento no Leblon, onde mora com a mulher, psicanalista, e dois filhos, ele se vê obrigado a abrir mão de toda comodidade durante sua vida de “carga pesada”. Lá fora, costuma dormir em hotéis simples e fazer as refeições em postos de beira de estrada. Procura escolher aquele que tem mais caminhões estacionados no pátio. “É sinal de que ali a comida é gostosa”, conta. Seu único conforto na estrada é ter sempre um ajudante na carona, que se incumbe do serviço braçal. Pode ser alguém de lá ou mesmo seu filho ou um amigo convidado. Afinal, é trabalho, sim, mas em um cenário muitas vezes deslumbrante.