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Por William Reis, coordenador-executivo do AfroReggae
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Coalizão Negra: Movimentos sociais se unem por João Pedro

7 dias após a morte de João Pedro no Complexo do Salgueiro em São Gonçalo movimentos sociais se unem e pedem o fim da morte de jovens negros e de favela.

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Atualizado em 26 Maio 2020, 16h41 - Publicado em 26 Maio 2020, 16h17

Tenho falado aqui nesta coluna sobre o que vem acontecendo nas favelas do Rio durante a pandemia. Escrevi sobre os riscos do Coronavírus chegar às favelas e sobre suas consequências e mostrei dados do Observatório de Violência do Rio sobre o impacto da redução de ações policiais durante a pandemia.

Um dos graves problemas que o Brasil tem hoje é o genocídio de jovens negros. A Anistia Internacional alerta que a cada 23 minutos um jovem negro morre em nosso país. No Rio, as mortes durante ações policiais têm mostrado que os jovens atingidos têm cor e classe social. Fazem hoje sete dias que João Pedro, um adolescente de 14 anos que seguia o protocolo do ‘’fique em casa’’, tornou-se personagem de mais um capítulo triste dessa história que marca o cenário carioca.

Você que está lendo agora esse texto pode se perguntar: “Essas pessoas morrem porque são negras?’’ A resposta é sim. Elas morrem porque são negras e pobres. E ser negro e pobre no Brasil está associado ao nosso passado escravocrata. O Brasil foi o país que trouxe o maior número de africanos para serem escravizados. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. E no Brasil não houve política alguma de reparação à população negra. Isso fez com que essas pessoas fossem condenadas à pobreza e consequentemente empurradas para marginalidade.

O corpo negro passou e continua passando por um processo de criminalização. A morte de um negro é vista com naturalidade. Afinal, um jovem negro morre a cada 23 minutos e não se faz nada. O racismo contribui para que a sociedade naturalize essas mortes e faz com que o corpo negro seja desumanizado. Quantas famílias são dilaceradas com essas mortes? O pai de João Pedro disse: ‘’Não mataram só o João, mataram o pai, a mãe, uma irmãzinha de 5 anos.’’

Em meio a essa triste página da nossa história, surge uma iniciativa da Coalizão Negra por Direitos, uma reunião de entidades do movimento negro de todo o país, que até hoje, sétimo dia após a morte de João Pedro, já recolheu mais de 800 assinaturas junto a movimentos sociais, coletivos, projetos sociais e ONGs, além de 2.200 assinaturas individuais,  para pressionar os estados do Brasil a acabarem com esse extermínio.

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A iniciativa pretende atuar na defesa desses jovens, não só no Rio, mas em todo território nacional. Entretanto, reconhece que nesse momento é necessário que o foco seja o Rio, onde na última semana, apesar da pandemia que já atinge as favelas cariocas, as ações policiais intensificaram-se e com elas tivemos vítimas como João Pedro.

O AfroReggae precisou reprogramar o horário de sua última ação na favela de São Carlos devido a uma ação policial. A Frente CDD, que distribui cestas básicas, também teve que interromper suas iniciativas por conta de uma ação policial. Ações também foram prejudicadas na Providência e em diversas outras favelas.

Douglas Belchior, um dos pensadores da Coalizão Negra por Direitos, é paulista e fundador do UNEAFRO, que tem como foco a educação de pessoas pobres e negras. Conheci Douglas em São José do Rio Preto, em uma palestra sobre os 90 anos de Malcolm X e o racismo no Brasil. Sua luta em prol de um país mais digno para jovens de favela e negros é diária. Seus esforços são de quem denuncia, mas também acredita em um país mais justo e menos racista. Douglas  reconhece a importância da educação, mas sabe que o mais importante é manter esses jovens vivos e impedir que seus direitos sejam violados.

Ativista Douglas Belchior (Diogo Tatu/Reprodução)

O advogado Bruno Candido Sankofá também se dedica a esse tema sob o ponto de vista jurídico. Bruno ressalta a importância de pessoas de favela e negras entenderem seus direitos: ‘’Quando falamos em operações policiais nas periferias, percebemos uma inversão ideológica do que deve ser protegido pelo estado através da polícia. A Constituição tem como seu pilar fundante a preservação da cidadania e, ao mesmo tempo, o repúdio severo à discriminação de qualquer natureza. Com objetividade, dispõe que a segurança pública é exercida para preservar a ordem pública e as pessoas. Quando se trata das favelas, o que deveria ser protegido, é violado.’’ Ainda segundo ele, fica muito claro que cor e origem interferem nessas ações, o que demonstra o racismo. ‘’Cor e origem são um fator para essa inversão ideológica de segurança pública, denunciando o racismo institucional vedado pela constituição e pela lei antirracismo, que em sua razão de existir dispõe o objetivo de proteger a dignidade população negra,’’ diz o advogado, que recentemente relatou ter sofrido racismo em uma abordagem policial.

Advogado Bruno Cândido Sankofá (Bruno Candido/Reprodução)

A família de João Pedro, assim como tantas outras, além de ter sua dignidade violada, terá que conviver com a dor e com o trauma da perda que sofreu, o que pode comprometer até sua saúde mental. E se fosse seu filho? Até quando a morte de jovens de favela, negros e pobres, que convivem com a desigualdade, será considerada normal? Até quando as pessoas vão tentar justificar ou criminalizar essas mortes?

O Brasil e o Rio precisam urgentemente encarar esses problemas de frente. Precisamos repensar estratégias e ações. Há quanto tempo essa política de enfrentamento é adotada? Que números comprovam a redução da violência no Rio por conta dessas ações? Quantas famílias precisarão ser dilaceradas? Até quando vamos tentar esconder que essas mortes têm a ver com o racismo? Com a desigualdade? Quantos sonhos ainda serão destruídos?

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João Pedro sonhava em ser advogado. A casa onde ele estava foi alvejada com mais de 70 tiros. Seu sonho foi destruído e seu futuro interrompido. João Pedro era o futuro do Brasil, mas o Brasil não cuida do seu futuro. O país que não cuida do seu futuro está fadado ao fracasso. ACORDEM!

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