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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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Vin des Glaciers, dinossauro do vinho

Por Marcelo Copello, de Grimentz   Estive nos Alpes suíços e provei o raríssimo vinho de 1888, que só pode ser provado lá Todo enófilo tem um quê de explorador e arqueólogo à la Indiana Jones. Em vez de procurar sarcófagos e fósseis em tumbas e cavernas, exploramos lojas, feiras, leilões e caves em busca de raridades, […]

Por marcelo
Atualizado em 25 fev 2017, 17h20 - Publicado em 26 out 2016, 16h00

Por Marcelo Copello, de Grimentz

 

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Estive nos Alpes suíços e provei o raríssimo vinho de 1888, que só pode ser provado lá

Todo enófilo tem um quê de explorador e arqueólogo à la Indiana Jones. Em vez de procurar sarcófagos e fósseis em tumbas e cavernas, exploramos lojas, feiras, leilões e caves em busca de raridades, espécies extintas e elos perdidos na história do paladar.

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O Vin des Glaciers é um destes fósseis líquidos, com origens que remontam ao século IV a.C, quando os primeiros habitantes chegaram ao Val d’Anniviers, na região do Valais (Suíça). Este vale está a 1.600 metros de altitude na margem esquerda do rio Ródano (Rhône). Seus habitantes, que moravam (e ainda moram) em vilas nas montanhas, desciam ao vale a cada ano para as colheitas de diversas culturas, incluindo a vinha.

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A fermentação era feita no vale e, ao subirem de volta às montanhas, o vinho era jogado em tonéis. Seu nome não se deve a nenhum processo de congelamento, apenas, por ser estocado nas montanhas, próximo aos glaciares, este vinho branco ficou conhecido como Vin des Glaciers.

 

 

La Bourgeoisie de Grimentz

Geração após geração, a população do vale criou o hábito de a cada ano jogar o vinho novo nos mesmos tonéis, misturando-o com os vinhos velhos antes de bebê-los, hábito que persiste.

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O mais famoso e talvez mais antigo dos Vin des Glaciers não está à venda, jamais é engarrafado, e repousa na vila de Grimentz. No ano de 1243, os habitantes desta vila decidiram criar uma associação de moradores, La Bourgeoisie de Grimentz (https://bourgeoisiedegrimentz.ch/historique.php), que se reunia para realizar trabalhos comunitários, debater decisões políticas e apreciar seu vinho.

Entre 1480 e 1550, a Bourgeoisie de Grimentz ergueu sua sede, em cujo porão estão hoje guardados os mais raros vinhos da Suíça.  A bourgeoisie ainda se reúne anualmente, única ocasião em que o Vin des Glaciers é consumido.

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Solera

 

O sistema de envelhecimento usado no Vin de Glaciers, de misturar vinhos novos com velhos, é chamado de solera. Este sistema não é tão raro, pois é usado na produção de alguns vinhos mais tradicionais e outras bebidas como brandy. O caso mais notório de solera é dos vinhos de Jerez de la Frontera, na Espanha.

O que torna o Vin des Glaciers de Grimentz tão especial é que, enquanto em Jerez, por exemplo, a cada ano retiram 50% do volume das barricas repondo o vinho velho com o novo, em Grimentz retiram apenas 25 litros de cada barrica de cerca de mil litros, representando cerca de 2,5% do total. Ou seja, uma garrafa de Jerez “solera 1900” conterá uma microgota da safra de 1900, duas microgotas da safra de 1901, e assim por diante. O Vin de Glaciers de Grimentz contém cerca de 50 vezes mais vinhos velhos que um solera normal.

 

A reunião anual e os tonéis 

A cada segundo sábado de janeiro os membros da bourgeoisie promovem um ritual que começa na adega. Medem a quantidade de vinho nos tonéis, retiram 25 litros de vinho velho e o repõem com vinho do ano. Ao fim desta cerimônia apreciam o Vin des Glaciers harmonizado com uma tradicional raclete.

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Restam apenas quatro tonéis na cave, com capacidade de 900 a 1.300 litros cada um, todos feitos de madeiras da região, em que domina o lariço (espécie de pinheiro). O mais velho foi feito junto com a casa, em 1550.

O vinho mais antigo estocado nesses tonéis é o chamado “barril do bispo”, cuja solera foi iniciada em 1885. Os demais tonéis contêm soleras de 1888, 1934 e 1969 – este último é o que se completa a cada ano com o vinho do ano.

 

O vinho

O Vin des Glaciers, ao contrário do Jerez, não é fortificado (não recebe adição de aguardente vínica). Ele precisa ter ao menos 20 anos de idade para ser declarado Vin des Glaciers. Possui uma camada de leveduras, como uma “flor” de quatro a cinco centímetros de espessura, que dentro da barrica protege o vinho contra oxidação.

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Outro aspecto que adiciona raridade ao Vin des Glaciers é sua compisição de uvas. Este néctar é elaborado com a uva Rèze, hoje quase totalmente extinta (menos de um hectare sobrevive) e que proporciona uma espetacular acidez. Pela escassez de Rèze, hoje se adicionam também vinhos das uvas Heida (também chamada de Païen) e Ermitage (ou Marsanne).

 

 

A prova 

Fui recebido no casarão de 1550 da Bourgeoisie de Grimentz por seu ex-presidente e figura folclórica da região, Jean Vauardaux. O guardião oficial e embaixador do Vin de Glacier me serviu um pequeno copo do tonel de 1888, enquanto contava com entusiasmo suas histórias, como se as tivesse vivido todas, desde1550.

O vinho lembra algo entre um velho Madeira (Portugal) seco e um vin jaune do Jura (França).

Sua cor é de ouro velho muito brilhante e os aromas muito intensos que lembram nozes, avelãs, flores secas, com notas etéreas de oxidação e de iodo (como em um Porto Tawny muito velho), além de um toque característico de resina de pinho. No paladar a acidez é fenomenal, quase mastigável, tornando a persistência gustativa muito, muito longa. O álcool se faz sentir no paladar, mas não se sabe ao certo o teor alcoólico que, segundo Vauardaux, deve ser da casa dos 15%.

Para um “fóssil líquido”, este é um vinho de impressionante frescor e vivacidade. Inesquecível!

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