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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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Sustentabilidade no vinho: o planeta agradece

Tema não cobre apenas o aspecto ambiental, mas também o econômico e o social, passando por todas as fases da produção

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Atualizado em 22 nov 2021, 16h17 - Publicado em 22 nov 2021, 16h02

Sustentabilidade. Esta é a palavra de ordem. É o que realmente pode fazer a diferença para o planeta.

Mas o que é sustentabilidade no vinho? Tem algo a ver vinhos orgânicos, biodinâmicos ou naturais? Tem a ver com economia e comunidade? Tudo isso e mais um pouco.

Para entender melhor o assunto e o que está sendo feito a respeito no mundo do vinho, fui conversar com representantes de quatro empresas, referências em sustentabilidade, de quatro países: Elena Carretero, Gerente de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade da Viña Santa Rita (Chile, www.santarita.com ), Sergio Zingarelli, proprietário da Rocca delle Macìe (Itália, www.roccadellemacie.com ), Christian Wylie, Gerente Geral da Bodega Garzon (Uruguai, bodegagarzon.com) e Valter José Pötter proprietário da Estância Guatambu (Brasil, estanciaguatambu.com.br). Em Portugal, conversei ainda com Frederico Falcão, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho – IVV (www.ivv.gov.pt).

CONCEITO

O que é sustentabilidade no vinho? Sustentabilidade não cobre apenas o aspecto ambiental, mas também o econômico e o social, atuando em todas as fases do processo, desde a produção de um vinho (na viticultura, enologia), até seu engarrafamento, comercialização, marketing, recursos humanos e toda a relação da empresa com a economia e a sociedade.

É bom enfatizar que orgânicos/biodinâmicos/naturais (OBN) nem sempre são sustentáveis. Embora os OBN sejam claramente uma tendência e altamente positivos, este métodos devem permanecer sempre em produtores pequenos e de alta qualidade/valor agregado. Com a tecnologia existente hoje, na minha opinião, não vejo no horizonte a possibilidade de que um percentual substancial da produção de vinhos do planeta se converta a OBN. Ou seja, o impacto ambiental positivo desta forma de produção não é relevante. Sei que os militantes dos OBN não vão gostar de ouvir isso, mas ainda falta escala a esta categoria de vinhos para que realmente façam a diferença.

Os OBN estão atualmente no cetro das atenções, mas muito mais relevante e importante para o planeta – para produtores, consumidores, para nossa saúde e para a natureza – é a produção SUSTENTÁVEL.

A SUSTENTABILIDADE – que é mais economicamente viável, está trazendo um impacto positivo REAL, pois é viável de ser adotada em massa, por empresas grandes e pequenas.

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PRÁTICAS e EXEMPLOS

O conceito de sustentabilidade é muito amplo e abrange inúmeras fases em todo o processo de um vinho, do vinhedo ao consumidor.

NOS VINHEDOS

Sustentabilidade nos vinhedos não engloba apenas o aspecto de manter a qualidade do solo e um controle de pragas amigável ao meio ambiente (não uso de agrotóxicos – que é a bandeira dos orgânicos). Engloba também o uso eficiente de energia e redução da emissão de gazes, além do controle biológico de pragas (em caso de pestes introdução de seus inimigos naturais, sejam seus predadores ou doenças que os atacam) e redução do uso de água e sua reutilização.

Sergio Zingarelli, da Rocca delle Macìe, contou que usa uma técnica muito empregada hoje, e que ilustra bem a a abordagem sustentável ao controle de pragas. Trata-se a “Confusão Sexual”, que consiste em borrifar feromônios nos vinhedos de modo a confundir os insetos (pragas) machos, que assim não conseguem achar suas fêmeas e se reproduzir.

NA VINÍCOLA

Uma vinícola consome muita água e energia elétrica, além de insumos usados diretamente nos vinhos (foco dos vinhos naturais), como conservantes, leveduras etc. A utilização de energias renováveis, redução, reciclagem e reutilização dos resíduos são práticas fundamentais para a sustentabilidade.

No Brasil a vinícola pioneira em energia limpa é a Estância Guatambu. “Somos uma empresa nova, e já construída com os preceitos da sustentabilidade, desde os vinhedos até sua arquitetura, decoração e a parte industrial”, afirma Valter José Pötter, o proprietário. A Guatambu desde 2016 tem 100% de sua energia de origem solar. A empresa, depois de muita pesquisa e dois anos de testes, implantou 600 placas solares para gerar 185 mil Kilowatts/ano.

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O projeto, que consumiu cerca de 3 anos e investimento de R$ 1,5 milhão, hoje gera receita, já que há um excedente de 20% na produção de energia. A Guatambu não para por aí, a refrigeração (item importante e custoso em uma vinícola), foi resolvida também de forma sustentável. “Tentamos energia eólica. Estudamos com a PUC-RS a possibilidade de instalar aerogeradores (moinhos de vento), mas concluímos que o vento aqui não era suficiente e a solução acabou sendo simples”, conta Pötter.

“Construímos a vinícola em “L” de forma a receber o vento sul, que é frio, aliado ao telhado de EcoTelha, conseguimos um isolamento térmico natural”. Além disso a Guatambú tem água e resíduos tratados e reciclados, e iluminação natural em boa parte do prédio.

NO MARKETING, NO TRANSPORTE E NA EMBALAGEM

O marketing e principalmente o transporte, os elos esquecidos da cadeia do vinho quando se fala ambiente, são talvez sejam os maiores agressores. A emissão de carbono, que não é foco dos produtores OBN, é de fato um vilão neste enredo, já que aviões, caminhões e navios são grandes emissores de CO2.

Para o transporte do vinho, das vias mais comuns a mais amiga é a marítima, 5 vezes menos agressora que a terrestre e 11 vezes melhor que a aérea. É menos antiecológico comprar no Brasil um vinho que veio de navio da Austrália (15 mil km) do que um que veio de avião da vizinha Argentina (3 mil km).

A mesma fórmula se aplica ao marketing, embora em bem menor escala. As viagens aéreas para promoção, divulgação, eventos etc, precisam ser racionais.

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Outro agressor importante está na embalagem do vinho, na qual o vidro tem a parte do leão. Do carbono emitido para fabricação de uma garrafa de vinho 85% vem do vidro, 9% da caixa de papelão da caixa, 4% da rolha de cortiça 1% do papel do rótulo e 1% do plástico da cápsula. Uma clara tendência no mundo são garrafas cada vez mais leves, embora no Brasil as pesadas ainda chamem positivamente à atenção do consumidor. Obs: uma garrafa tradicional pesa cerca de 500gr, as mais pesadas podem beirar 1kg e as inovadoras e amigas do ambiente podem descer até perto de 300gr de vidro.

NOS RECURSOS HUMANOS

Faz parte do chapéu da sustentabilidade a implantação de programas de segurança, saúde, bem estar, educação e capacitação; fomentar cultura organizacional inclusiva, aberta ao diálogo, com padrões de conduta ética e que comprometa os colaboradores com a filosofia e o sucesso da empresa, além de fortalecer a família e seus vínculos com a empresa.

NA COMUNIDADE

Programas colaborativos empresa-comunidade; desenvolvimento do negócio junto com a comunidade, que também prospera; identificar sinergias entre a cadeia de valores da empresa e as necessidades da comunidade – são todas prática sustentáveis.

A chilena Viña Santa Rita, que está na vanguarda da sustentabilidade, vai além de inúmeras ações ambientais e industriais, chegando até as crianças da comunidade aonde estão inseridos. “Desenvolvemos projetos culturais com a comunidade, com crianças de escolas na área, ensinando biodiversidade da área onde vivem”, conta Elena Carretero.

NO ENTORNO:

Não basta preservar o solo dos vinhedos, mas também se preocupar com o em torno, com a conservação da biodiversidade e a preservação dos recursos naturais.

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As vezes alguns benefícios da sustentabilidade vem de onde menos se espera. A Guatambu reutiliza resíduos do vinho (cascas e sementes de uva) na alimentação de gado (principal negócio da família). Com 20% de uva na dieta, os animais emitem 25% menos metano na natureza, que é tido como uma das principais gases de “efeito estufa”.

Leia também:  Brett, defeito ou qualidade?

CERTIDICAÇÕES
A sustentabilidade vai muito além da proposta dos orgânicos/biodinâmicos/naturais, com uma visão e impacto bem mais amplo, o que torna também mais difícil definir e certificar este trabalho. A sustentabilidade, certificada, com bases cientificas pode assumir diversos nomes como IPM = Integrated pest Manegement ou Lutte Raisonée (luta racional) ou Viticulture raisonée. Existe um grande número de programas de certificação para a sustentabilidade, alguns deles são (os link sugeridos à seguir vão direto às páginas de sustentabilidade):

ISO 14001/14004, Certified Sustainable Wine of Chile (www.sustentavid.org) , Sustainable Winegrowing New Zealand (www.nzwine.com), Integrity & Sustainability Certified, da África do Sul (www.wosa.co.za), Sustainable Australia Winegrowing (www.sustainableaustralia.info), Bodegas de Argentina Sustainability Protocol, Certified California Sustainable Vineyard and Winery (CCSW, www.sustainablewinegrowing.org), Sustainability in Practice SIP – Califórnia (www.sipcertified.org).

Talvez a certificação mais importante de sustentabilidade seja a Leadership in Energy and Environmental Design – LEED (download PDF), ligada mais a arquitetura que ao vinho. A Bodega Garzon no Uruguai é uma LEED. “Somos a primeira bodega fora dos EUA certificada com LEED”, orgulha-se Christian Wylie, CEO da empresa.

“Nosso edifício de 20 mil m2 sobre a rocha de granito, se fosse vertical equivaleria a um prédio de 60 andares. Com LEED temos que ter um percentual majoritário de materiais locais e de teto verde – temos 7 mil m2 de teto verde, com plantas locais amenizam a paisagem e esfriam o edifício, diminuindo a necessidade de refrigeração. Há também um máximo uso da luz natural em todos os ambientes, a bodega é por gravidade e a energia será toda eólica”, complementa Wylie, que conclui: “a obra custou o dobro do que custaria se não fosse sustentável, ao invés de US$ 40 milhões, gastamos 80, mas foi um investimento a longo prazo. O edifício usa a metade da energia de um edifício normal e em 50 anos estará pago”.

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A Garzon também sustentável em todos os demais aspectos do projeto. Os vinhedo, por exemplo, foi implantados sem mudar em nada a topografia do lugar. É curioso olhar a foto, pois parece um mosaico.

Infelizmente no Brasil ainda não temos nenhuma certificação específica neste sentido. Em outros países, como Portugal, também não há protocolos de sustentabilidade, embora hajam muitas regras ambientais na produção de vinhos.

“Não temos nenhum protocolo ou orientação específica sobre sustentabilidade, mas temos muita regulamentação ambiental (do Ministério do Ambiente), no que diz respeito por exemplo ao tratamento das aguas e resíduos, como borras a bagaços. Há muitas regras a cumprir e regras para se obter uma licença para produzir vinho”, atesta Frederico Falcão, presidente do Instituto da Vinha e do Vinho – IVV (Portugal). “Nosso trabalho é valorizar a marca Portugal, para que a atividade vitivinícola seja mais sustentável”

Por fim, por tudo que expliquei acima, acho que vale dar preferência ao consumo de vinhos de empresas sustentáveis. O planeta agradece. E, não custa lembrar, quem não quer agredir ao planeta deve começar por não agredir a si mesmo: beba com moderação.

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