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Por Vanessa Aragão, pesquisadora e instrutora de meditação
Criadora do projeto Meditante Urbana
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As entrelinhas do luto em tempos de Covid-19

A dor e o silêncio na narrativa do livro " A ridícula ideia de nunca mais te ver", da autora espanhola Rosa Montero

Por Vanessa Aragão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 Maio 2021, 14h52 - Publicado em 18 Maio 2021, 14h20

Há dois meses, ganhei um livro da autora espanhola Rosa Montero sobre o luto. Logo considerei um presente de mau gosto, dado uma série de lutos que venho experimentando.

Mas assim que mergulhei na narrativa de Rosa Monteiro e sua investigação sobre as memórias do luto da cientista Marie Curie, entendi que era o abraço mais aconchegante que poderia receber. Foi um presente corajoso.

Experimentamos vários lutos no decorrer da vida. Somos apegados aos papéis que exercemos, sem falar nos problemas relacionados a eles. É a ex-produtora, a ex-namorada, a filha de uma mãe que se foi, a irmã de quem não acordou, aquela que resistiu ao pitbull, e também ao inventário dos objetos de uma casa que já não é a mesma casa… Poderia ser uma literatura de cordel essa vida vivida em um ano.
Quando alguma coisa muda, o ar fica mais denso. O futuro que não chegou sempre traz as entrelinhas de um luto. O que acontece quando esses lutos se somam aos lutos de todo um país? É uma conta complicada somar o meu luto + o luto de mais de 400 000 famílias.

No livro ” A ridícula ideia de nunca mais te ver”, Rosa Montero escreve que a gente descobre que está brincando de esconde-esconde quando morre alguém próximo de nós que não deveria ter morrido.

“A morte brinca com a gente de esconde-esconde. Entramos, saímos, amamos, brigamos, trabalhamos, dormimos, ou seja, passamos a vida como a criança, entretida, sem pensar que nossa existência tem fim. Mas de vez em quando lembramos que somos mortais e olhamos para trás. E lá está ela, quietinha, como se não tivesse se mexido, só que um pouco mais perto de nós. E assim, toda vez que nos distraímos, e cuidamos de outras coisas, a morte aproveita para dar um salto e se aproximar do pique”.

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Quando as coisas apertam (eu também faço isso em outros contextos) entro em retiro de silêncio. Medito e escrevo em um caderno a lápis. Funciona bastante diminuir o volume das narrativas periféricas da mente para ouvir o sussurro do centro. O que está lá dentro no apagar das luzes? Ou melhor, o que está lá quando você acende a luz? É preciso preparo e orientação para mergulhar nessa experiência interior, porém, conforme você vai perdendo o medo o trajeto fica mais convidativo. É sobre você, sua consciência e sua respiração.

Encarar uma investigação íntima te faz desenhar uma nova cartografia para perambular pelas esquinas do seu mundo de dentro, que pode te levar além, um além que aos poucos volta a ser colorido. Um colorido que vai preenchendo as experiências, ainda que em tons pastéis. Seja em um almoço na livraria, em uma troca de olhares com um desconhecido ao som de Miles Davis, em um sorriso tímido que teima permanecer. E quando você percebe, a paleta de cores aumenta, você encara e acolhe a impermanência dos seus planos e experimenta o tempo de uma outra forma. Você sente na pele o resultado daquela conta complicada: vida é interdependência. É preciso coragem para assumir a responsabilidade de existir, fazer escolhas e amar.

Vanessa Aragão é pesquisadora e instrutora de meditação e sound healing, com estudos no monastério Kopan e no Kathmandu Center of Healing, no Nepal. É criadora do Lab @meditanteurbana e orienta práticas gratuitas em grupo, online, no seu espaço @c.a.s.a.s.e.r

 

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