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Espetáculos, personagens, bastidores e tudo mais sobre o que acontece na cena teatral carioca, pelo olhar do crítico da Veja Rio
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Um texto exclusivo de Bianca Ramoneda sobre Inutilezas, espetáculo que ela encena sobre o poeta Manoel de Barros

Rosto conhecido do telejornalismo brasileiro, notadamente na área de cultura, a carioca Bianca Ramoneda também esteve sempre ligadas às artes cênicas – com formação de atriz, ela já transformou um livro de sua autoria em peça, e acumula ainda outras experiências como autora e diretora. Em 2002, ela escreveu o roteiro do espetáculo Inutilezas, a partir […]

Por rafaelteixeira
Atualizado em 25 fev 2017, 17h44 - Publicado em 4 dez 2015, 17h36

Bianca Ramoneda e Gabriel Braga Nunes em Inutilezas (crédito: Marco Terranova)

Rosto conhecido do telejornalismo brasileiro, notadamente na área de cultura, a carioca Bianca Ramoneda também esteve sempre ligadas às artes cênicas – com formação de atriz, ela já transformou um livro de sua autoria em peça, e acumula ainda outras experiências como autora e diretora. Em 2002, ela escreveu o roteiro do espetáculo Inutilezas, a partir da obra do poeta Manoel de Barros (1916-2014). Com direção de Moacir Chaves e tendo no elenco a própria Bianca e o ator Gabriel Braga Nunes (ambos na foto acima), a montagem percorreu o Brasil por três anos. De volta ao circuito, a peça cumpre uma curta temporada no Espaço Sesc, até domingo (13).

A convite do blog, Bianca escreveu um texto sobre o trabalho e sobre o poeta. Confira:

LEGADO

Ele tinha 80 anos e eu 25. Ele já era reconhecido como autor consagrado e eu estava apenas começando a capinar com as palavras. Ele já era o Manoel de Barros e eu mal conseguia pronunciar meu próprio nome.

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Com essas distâncias entre nós começamos a nos corresponder. Lembro-me bem do meu nervosismo ao escolher as palavras que iriam compor as cartas para um destinatário tão ilustre. Eu escrevia e apagava, escrevia e apagava. Depois passava a limpo. Era preciso não decepcionar.

Enquanto nos correspondíamos, eu mergulhava cada vez mais em sua obra. Lia e relia, descobria o quão atrasada estava em relação a tudo aquilo. Manoel batia continência para a transgressão e era isso o que eu, menina, precisava aprender. A cada poema ele demolia as estruturas com as quais eu havia aprendido a me expressar. Criava palavras, invertia frases, trocava pronomes de lugar e alimentava o meu espanto ao tornar protagonistas as coisas ditas “sem importância”. E a mais sem importância de todas elas era, sem dúvida, o próprio trabalho dos artistas em seus ofícios de capinar com enxada cega.

Aos poucos senti que entre seus livros havia uma conversa, um jogo que poderia montar uma rede de sentidos, como aquela brincadeira de ligar os pontos que fazemos quando crianças para formar um desenho. Esse desenho me parecia ser uma peça de teatro.

Expliquei minha ideia pra ele em mais uma carta escrita, apagada, reescrita. E a resposta que recebi do poeta foi: “ Entendi bem o seu sonho”.

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Com esse aval comecei o bordado recolhendo e aproximando o que estava aparentemente distante, formando com essa aproximação o roteiro de alguma coisa ainda sem nome. Prometi jamais cortar ou substituir palavras nem desmontar estruturas que comprometessem o sentido de seus textos.

Lembro que, a partir de então, Manoel passou a me perguntar com frequência quando a peça iria ficar de pé. E eu respondia: “estou fazendo, estou fazendo!”. Acho que ele entendeu o meu sonho antes mesmo de mim. E também porque depois dos 80 se tem um pouco mais de urgência.

Eu tinha muito receio de estragar a obra com a proposta desses diálogos levados ao palco. Tinha receio de que a interpretação dos atores contaminasse o silêncio da leitura e poluísse a mediação entre o autor e os poemas. E o que mais me apavorava era a possibilidade de sermos didáticos e chatos.

A poesia se levantou do livro e se fez humana – frase que pego emprestada de outro poeta, o Lorca. Manoel assistiu a estreia da nossa peça e abençoou a temporada. Recomendou o espetáculo para vários estados do Brasil, escreveu um poema inédito para a palavra “inutilezas”, que ele tanto gostou.

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Hoje, 13 anos depois da primeira apresentação, retomo junto à equipe original, a necessidade e o sentido de dizer tudo o que dizemos em cena. O mar está cheio de lama – real e simbólica. E nesse mar, palavras como “ética”, “pudor”, “caráter”, “compaixão” precisam ser promovidas a protagonistas antes de morrerem por completo em praça pública. É para isso que entro em cena todos os dias com o coração e a boca transbordando as palavras que aprendi com Manoel. Para tentar “refazer o mundo, por imagens, por eflúvios, por afeto.”

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