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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Vida longa à musicalidade suburbana

Uma boa forma de tentar se manter conectado e tentando resistir a tempos tão difíceis

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 ago 2020, 11h44 - Publicado em 31 jul 2020, 16h43

Não podemos negar que estamos vivendo um ano de muitas incertezas, ainda não temos uma previsão concreta de remédio ou vacina eficaz contra a Covid-19, não sabemos se as aulas presenciais realmente voltam este ano e nem quanto tempo a economia vai demorar para conseguir se recuperar. Várias outras dúvidas surgem, e o sentimento de angústia e insegurança teima em permanecer.

O cenário de instabilidade política, em meio a um processo de impeachment do governador, agrava ainda mais a tensão cotidiana da maioria dos moradores do Rio de Janeiro, tornando impossível observar com normalidade o início da fase 4 da reabertura das atividades na cidade. Muito menos com dados tão alarmantes de mais de 90 mil mortos no país e mais de 160 mil contaminados no Estado do Rio.

A liberação de esportes coletivos, de bares e restaurantes, do uso da praia e da visitação a pontos turísticos, mesmo que com restrições, traz preocupação com uma provável segunda onda de contaminação por coronavírus.

Em meio a tantas incertezas, seguimos tentando saber quando e como tudo isso vai acabar. As dúvidas se acumulam, a vontade de comer de forma compulsiva parece não passar e até a paciência para as lives começa a se esgotar. Mas, no meu caso, o efeito da boa música ainda é reconfortante e proporciona necessários momentos de tranquilidade.

A musicalidade tem me resgatado, trazendo pequenos oásis no meio da pandemia. Junto às notas surgem memórias afetivas em forma de serestas, chorinhos, sambas e muitas histórias familiares de subúrbio. Foi assim que recordei a primeira vez que visitei a nova sede do Centro Cultural Casa do Jongo da Serrinha, onde tive o prazer de ser apresentado ao espaço pela saudosa Luiza Marmelo. Uma verdadeira aula sobre a importância de conhecermos e preservar as histórias do canto, da dança e dos ritmos de origem africana.

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Casa do Jongo da Serrinha (Fabricio Goyannes/Arquivo pessoal)

Durante uma de suas belas falas, Luiza me apresentou os três tambores do Jongo: o caxambu, o candongueiro e o angoma puíta. Ela explicou que os tambores são sagrados, e por isso devemos pedir licença e tomar a benção deles antes de entrar na roda. Isso porque o tambor é produzido pela junção de duas vidas ceifadas – o couro animal e a casca da árvore -, que têm o poder de se transformar em uma nova entidade, trazendo a alegria da vida através do toque ancestral.

Tudo isso se torna ainda mais significativo no mês em que temos o dia estadual do Jongo e que fazem aniversário de nascimento nomes suburbanos, como Elizeth Cardoso, Elton Medeiros, Jovelina Pérola Negra e Luiz Carlos da Vila, que representam lindamente a força dessa nossa ancestralidade.

Conversando com Ivan Lins sobre a importância da nossa musicalidade ele sabiamente me disse:

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“A música brasileira está repleta de heróis, muitos deles sem receber as homenagens à altura de suas estaturas. Suas histórias precisam ser contadas. As novas gerações precisam sentir a poderosa grandeza de nossa música, através dos tempos, que pode ser contada por seus heróis. Um legado que não se pode perder com o passar do tempo. Por meio da música, conta-se a história política, social, cultural, geográfica e antropológica de nosso querido país. Melhor didática do que essa, impossível!”

Na semana em que um dos baluartes da Estação Primeira de Mangueira completou seus 96 anos de vida, tudo isso se tornou ainda mais forte, tal como a música do próprio mestre Nelson Sargento: “Samba agoniza mas não morre.”

Nelson Sargento (Divulgação/Arquivo pessoal)

Nelson Mattos é um desses nomes que exemplificam em vida toda importância musical dos subúrbios, compositor, cantor, escritor, pintor, músico, ator e parceiro de nomes como Cartola, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Carlos Cachaça, Pedro Amorim, Daniel Gonzaga Paulinho da Viola, Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, entre tantos outros.

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Assim como Nelson Sargento, Robertinho Silva é outro importante nome que leva os subúrbios para o mundo através da música. Robertinho me chamou muito a atenção na última semana, principalmente por sua vitalidade ao realizar a live “Tocando e Contando Histórias”. O gigantismo musical e a humildade desses gênios têm efeito avassalador em qualquer alma sensível.

Robertinho Silva acabou de completar seus 79 anos de idade e mais de 60 de carreira com um vigor e uma paixão, tanto pela bateria como pela percussão, que nos encantam. Tive a sorte de entrevistar esse compositor e multi-instrumentista autodidata e descobri que ele teve contato com suas próprias potencialidades musicais e também com a primeira bateria ainda menino, no subúrbio de Realengo. Não demorou muito para conquistar o Brasil e o mundo, inicialmente com o Clube da Esquina, ao lado de Milton Nascimento.

João Nogueira, Milton Nascimento e Robertinho Silva, 1970. (Paulo Ricardo/Arquivo pessoal)

Segundo Ivan Lins, Robertinho “representa o incrível radar suburbano, na captação da essência da verdadeira cultura rítmica carioca e brasileira, e depois, mundial, transportadas para seu instrumento de ofício, a partir da segunda metade da década de 60, começando na melhor escola de formação de grandes músicos: bandas de baile. Foi a principal voz rítmica das periferias cariocas. Solidificou seu nome através de sua persistência, sua paixão, sua curiosidade, e, principalmente, seu nato talento. Daí, se tornou, através de parcerias com os maiores nomes da boa música brasileira, uma referência mundial”.

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Achei muito simbólico o fato de Robertinho ter nascido na rua Princesa Imperial, na casa de fundos n°37, que até hoje pertence à família e foi construída pelo próprio pai, mestre de obras pernambucano casado com uma paulistana.

Desse lugar ele saiu para tocar a primeira vez no Grêmio Monte Alegre, em Magalhães Bastos e em seguida no Cassino Bangu e no Bangu Atlético Clube. “Logo ficamos conhecidos em Bangu, Santa Cruz e Campo Grande”, lembra Robertinho Silva.

Dos bailes nos subúrbios para a banda de Cauby Peixoto, na boate Drink, em Copacabana. Ali Robertinho conheceu o pianista Wagner Tiso, que lhe apresentou a Milton Nascimento, em 1965. Nesse período era conhecido como Bob Silva e estava morando em Inhaúma.

Com o “Clube da Esquina”, ao lado de nomes como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes e Wagner Tiso, além de Marcio Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos, conquistou o Brasil e o mundo, indo morar em Los Angeles no ano de 1975.

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(Divulgação/Arquivo pessoal)

Depois de mais de seis décadas de muitos shows, gravações, palestras e aulas, Robertinho Silva tem realizado trabalhos com “A Família Silva”, grupo musical composto em conjunto com seus filhos Ronaldo, Vanderlei, Pablo e Thiago. Além disso, desenvolve projetos com companhias de dança e teatro. Também tem divulgado seus livros “A força do tambor” e “Se Minha Bateria Falasse”, onde conta sua trajetória de vida na música popular brasileira e seu encontro com artistas nacionais e internacionais.

Para terminar,  indico que todos vejam uma  arrebatadora homenagem a Luiz Carlos da Vila, apresentada pela filha da grande Suburbanista Dorina, Bia aparecida. Uma verdadeira aula de amizade, muita emoção e suburbanidade.

Homenagem a Luiz Carlos da Vila (Bia Aparecida/Divulgação)

Este texto foi feito pelo historiador Rafael Mattoso em parceria com a jornalista Sandra Crespo.

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