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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Que nunca falte loucura no Carnaval suburbano

Com quase duas décadas de história o Loucura Suburbana representa bem a mobilização popular que luta para o bloco da democracia tomar as ruas

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26 fev 2020, 13h03

Na semana que antecedeu o 20° desfile do Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana (na última quinta, 20/02), comecei a pensar qual seria a real contribuição suburbana para a realização do carnaval carioca.

Lendo o texto do amigo Vitor Almeida, sobre o carnaval suburbano seu resgate e resistência, e durante uma conversa com o professor Luiz Antônio Simas, tratando do livro “Novos Diálogos Suburbanos”, algumas respostas começaram a surgir. Simas afirmou que: “O carnaval é um momento emblemático da construção social dos subúrbios, produz constante invenção, forma redes de sociabilidades e cria elos identitários”. Alertou para o fato de o próprio Lima Barreto, mesmo detestando carnaval, ser capaz de identificar a importância de suas práticas para o território.

No início dos 80 oitenta uma escola tipicamente suburbana, dos morros tijucanos, homenageou o escritor Lima Barreto. O desfile da Unidos da Tijuca retratou a vida do ilustre morador dos subúrbios de Todos os Santos e da Ilha do Governador. Entretanto, a relação do autor com o carnaval foi marcada por opiniões polêmicas e contraditórias.

Mesmo sendo um crítico declarado da desmedida euforia carnavalesca, esse intelectual negro reconhecia elementos potentes no carnaval. Um exemplo pode ser visto na crônica “O Morcego”, publicada no jornal Correio da Noite de 1915. Ele escreve que: O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoa-nos e nos enche de prazer.”

(Arquivo Nacional/Arquivo pessoal)

A literatura de Afonso Henriques de Lima Barreto reflete a dureza de sua vida, a incompreensão da pobreza, dos preconceitos, do alcoolismo e da depressão que sentiu na pele. Constatar que ele foi discriminado e visto como louco impressiona tanto como a leitura do “Diário do Hospício o Cemitério dos Vivos”, resultado dos meses que passou internado no Hospício Nacional dos Alienados, entre dezembro de 1919 e fevereiro de 1920.

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Enquanto Lima oferecia suas primeiras contribuições para revistas e jornais, em pleno carnaval de 1905, nascia Nise da Silveira. Nordestina revolucionária que entrou com apenas 16 anos na Faculdade de Medicina da Bahia e veio para o Rio de Janeiro, em 1927. Trabalhando no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, do Engenho de Dentro, a doutora recusava aplicar eletrochoques nos seus pacientes e fundou, no ano de 1946, a “Seção de Terapêutica Ocupacional”. A partir de então, usou as artes como uma de suas principais aliadas o que permitiu fundar, seis anos depois, o referencial Museu de Imagens do Inconsciente.

O legado deixado pela Dra. Nise serve de inspiração para o Loucura Suburbana continuar lutando e rompendo com os convencionalismos do campo da saúde mental.

(Rafael Mattoso/Arquivo pessoal)

Para Marcelo Gonçalves Moura Valle, coordenador do Núcleo de Cultura e Ciência – Espaço Travessia – do Instituto Municipal Nise da Silveira, entender o simbolismo do bloco também é compreender que: “Aquele era um local de isolamento das pessoas, de muito sofrimento. Praticamente uma cidade atrás dos muros. O Loucura Suburbana marca bem a abertura dos portões, embora seja relativamente recente. É um momento em que pacientes, funcionários e moradores de outros bairros e lugares da cidade se misturam”.

Existe uma extensa lista de blocos, associações, clubes e escolas de samba suburbanos que ajudam a manter essa cultura de resistência. Portela, Mangueira, Unidos da Tijuca, Império Serrano, Caprichoso de Pilares, entre outras, começaram a tornam o carnaval suburbano uma marca registrada da cidade.

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Atualmente, das 13 escolas do grupo especial, a maioria tem origem suburbana. Nilópolis, Padre Miguel, Tijuca, Vila Isabel, Oswaldo Cruz, Ilha do Governador, São Cristóvão, Andaraí, Mangueira e todo carnaval da Intendente Magalhães seguem a mesma tradição.

Desde os ranchos, coretos e bailes, passando pelo Cacique de Ramos e pelo banho de mar à fantasia, seja no bloco do Chave de Ouro ou junto às turmas de bate bolas, os subúrbios continuam seguido o exemplo da Vai Como Pode – tentar fazer com que “O samba dominando o mundo” – siga firme, tal como esse enredo levou a Portela ao seu primeiro título de campeã, em 1935.

(Fabricio Goyannes/Arquivo pessoal)

Rafael Mattoso historiador formado pela UFRJ, mesma instituição onde deu seguimento aos seus estudos, concluindo o mestrado em História Comparada e atualmente terminando o doutorado pesquisando a História da Cidade e do Urbanismo no Proub, Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura. É também organizador e autor do livro “Diálogos Suburbanos: identidades e lugares na construção da cidade”.

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