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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Pixinguinha e São Jorge: divindades suburbanas

Saudações ao Dia Nacional do Choro, um patrimônio da sociabilidade carioca

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Atualizado em 24 abr 2021, 13h44 - Publicado em 23 abr 2021, 19h36

No dia 23 de abril de 1897, muitos estavam festejando enquanto Dona Raimunda da Rocha Vianna começava a sentir as dores do parto. Na mesma data em que chegava ao mundo Alfredo da Rocha Vianna Filho, tambores e procissões reverenciavam o Santo Guerreiro dos católicos, São Jorge, ou Ogum para os cultos afro-brasileiras.

Foi no subúrbio de Piedade, para alguns na rua Alfredo Reis, mas para outros a rua certa é a Gomes Serpa, que nasceu o futuro gênio Pixinguinha. É curioso perceber que ele viveu os primeiros anos da sua vida muito próximo de onde surgiria a igreja em devoção a São Jorge, no vizinho bairro de Quintino Bocaiuva. Nessa fronteira, recortada pela rua Clarimundo de Melo, eu sempre costumava ouvir, da minha casa no Encantado, os fogos da Alvorada de São Jorge.

São tantas histórias suburbanas que poderíamos citar, tendo em conta somente esta parte restrita dos subúrbios. Porém, hoje o foco é falar um pouco mais de Pixinguinha, que além de Piedade também morou nos bairros do Catumbi, Jacarepaguá, Olaria e Ramos. Sua relação com o Choro é indissociável, seu pai era flautista, e costumava promover rodas de choro em casa, assim influenciando diretamente Pixinguinha e seus irmãos.

Segundo um depoimento do próprio Pixinguinha para o Museu da Imagem e do Som, sua iniciação musical começou muito cedo: “Com onze anos de idade eu já tocava meu cavaquinho. Fazia um Dó maior e um Sol maior, ensinados pelo meu irmão Henrique. Lá em casa, uns tocavam violão, outros cavaquinho. Gostavam muito de mim porque era garoto e tinha um ouvido muito bom. Ainda tenho, graças a Deus”.

Pouco tempo depois, ainda menino, Alfredo Filho decide trocar o cavaquinho por uma flauta de folha de flandres. Aos 14 anos começa a tocar profissionalmente e, em 1912, passa a integrar o chamado Trio Suburbano, junto ao pianista Pedro Sá e o violinista Francisco de Assis. Cinco anos depois, Pixinguinha entraria na orquestra do Cine Palais, da Av. Rio Branco, onde atuou até outubro de 1919, quando o cinema foi fechado devido ao surto de gripe espanhola.

Foto em preto e branco dos musicos conhecidos como Oito Batutas
Oito Batutas (IMS/Divulgação)

Foi para tocar na reabertura do cinema Palais que os Oito Batutas se reuniram pela primeira vez. E, logo em seguida a uma excursão pelo país, os batutas partem de navio para Paris, em janeiro de 1922.

No retorno ao Brasil, Pixinguinha traz na bagagem um saxofone que usará na apresentação da Exposição do Centenário da Independência.

A partir de então, o sucesso e a extrema qualidade da obra de Alfredo da Rocha Vianna Filho seriam cada vez mais reconhecidos. O músico e pesquisador Barão do Pandeiro afirma que Pixinguinha é um baluarte, pilar fundamental da consagração do Choro no campo musical, assim como expoente singular da cultura brasileira.

Diz o compositor, arranjador, diretor musical e multi-instrumentista Abel Luiz: “Com a comemoração do Dia nacional do Choro, na mesma – e, não por acaso – data das comemorações de São Jorge, na cidade do Rio, eis que um novo Santo emerge – Pixinguinha. Esse que, pra mim, além de acumular as características dos santos, traz consigo a humanidade e o cotidiano de quem vive e resiste através da cultura, seja cultuando e reverenciando seus ancestrais, seja inovando e compartilhando sua vida e obra como lição de generosidade.”

Abel também nos conta como o Choro chegou na sua vida dentro do seio familiar: “Como cotidiano, o hábito de se ouvir e viver música, em minha família, até onde sei, iniciou-se por conta de meu bisavô, Sr. Joaquim. Este, pai de meu avô por parte de mãe, o popular e – em alguns casos – lendário Seu Luiz. Com ele, meu avô, a partir dos cinco anos, além de aprender a tocar cavaquinho, desenvolveu o apreço pelo Choro nas rodas realizadas na sua e em outras casas de família. Hábito que, modestamente, tento preservar até os dias atuais. Assim, quase que naturalmente, meu primeiro contato com a obra de Pixinguinha foi em casa, com meu avô e, logo depois, na Roda que acontecia na Rua Felício, entre Cascadura e Cavalcanti. Lá, dentro de um barraco de tábuas pintadas de azul, três irmãos – Miro (cavaquinho), Olavo (Bandolim) e Rodrigues (Violão de 7 cordas) – eram os músicos/anfitriões que acolhiam, com sua amizade e música, eu, meu avô e mais uma galera que se espremia dentro daquele barraco, todo domingo de manhã, para tocar e ouvir Choro. Não é por acaso que tal roda, iniciada em 1948, entre seus altos e baixos, conseguiu adentrar os primeiros anos do século XXI.”

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Música Luciana Rabello segurando seu cavaquinho
Luciana Rabello (Casa do Choro/Divulgação)

Em uma generosa entrevista, Luciana Rabello, cavaquinista, compositora e produtora, ressalta a importância do choro como primeira música urbana tipicamente brasileira. Fundadora da gravadora Acari Records e da Escola Portátil de Música, ela nos conta que o contato com o choro também começou dentro de casa. “[Isso ocorreu] pelas mãos do meu avô José de Queiroz Batista. Paraibano natural de Serra do Teixeira, ele era violonista, chorão, regente de coral e arranjador de conjuntos vocais. Depois tive grande aprendizagem em núcleos como o Sovaco de Cobra, da Penha, a casa de Afonso Machado e o núcleo de Niterói, com Jonas Pereira da Silva, Ronaldo e o pessoal da Velha Guarda de Jacarepaguá, reduto esse frequentado por Jacó do Bandolim. Essa foi a minha escola.”

Luciana também nos contou como vê a ligação entre o choro e as sociabilidades suburbanas. “Essa relação é simbiótica, o choro é uma expressão popular, uma criação da sabedoria popular. Ao mesmo tempo em que ele é fruto da sabedoria popular, também é um fator de educação social. Toda essa ancestralidade produziu tradições gerando um código que é brasileiro, que foi criado aqui pela junção de todas essas informações – frutos de uma sabedoria muito profunda. E, da mesma forma que o choro é uma criação do povo, ele também cria o povo”.
A artista carioca ressalta a importância do Dia Nacional do Choro. “É uma forma de expressar respeito e reconhecimento dessa cultura importantíssima.”
Este ano, a Escola Portátil de Música idealizada por Luciana Rabello completa 21 anos de existência, e segue agregando pessoas. Para comemorar data tão significativa, o III Festival da Casa do Choro terá workshops e shows de Luciana Rabello, Cristóvão Bastos, Mauricio Carrilho, Jayme Vignoli, Rui Alvim, Pedro Aragão e Paulo Aragão, entre outros grandes nomes da música instrumental.
Ainda dentro das comemorações do Aniversário de Pixinguinha e do Dia Nacional do Choro, indicamos outras atividades bem interessantes. Neste sábado, dia 24 de abril, organizamos uma roda online, no canal Diálogos Suburbanos do Youtube, para falar da centenária história do Choro e sua relação intrínseca com a cidade do Rio de Janeiro. A fim de debater sobre esse autêntico gênero musical e patrimônio imaterial carioca, convidamos Abel Luiz, coordenador musical do bloco Loucura Suburbana, do Engenho de Dentro; Ana Caetano, criadora da roda de choro Arruma o Coreto, na praça São Salvador, em Laranjeiras; e Luiz Carlos Nunuka, diretor do Instituto Cultural 100% Suburbano, na praça Ramos Figueira.

Arte de divulgação do encontro em homenagem ai Dia Nacional do Choro
Diálogos Suburbanos (Divulgação/Arquivo pessoal)

Para terminar a semana, também convocamos músicos de todos os subúrbios brasileiros para apresentarem choros de sua escolha, e juntamos tudo no canal Papo de Subúrbio. Vale muito conferir as histórias e apresentações dos grupos Sexteto Suburbano, Mercado do Choro e Choro Porque Gosto, o Duo Maíra e Moema Macêdo. E dos músicos Rocino Crispim, Marcos Tannuri, Rafael Marques, Toni Costa, Beto do Bandolim, João Victor, Leandro Montovani, João Paulo Albertim, Felipe Pedro, Abel Luiz e Naara Santos, entre outros, que contribuíram para disponibilizarmos esta playlist:

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