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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Saudamos a Penha e Inhaúma por seus aniversários

Os suburbanos se orgulham de contar e cantar suas histórias

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 jul 2021, 22h40 - Publicado em 23 jul 2021, 15h10

Não nos restam dúvidas de que devemos saudar os subúrbios cariocas como um grande celeiro de bambas, reduto de produção incessante de cultura e salvaguarda de patrimônios materiais e imateriais de valores inestimáveis para a nossa identidade e história.

A importância suburbana fica ainda mais evidente nessa penúltima semana do mês, ao relembrarmos do nascimento dos mestres Elton Medeiros, que completaria 91 anos no dia 22, e Nelson Sargento, que comemoraria os seus 97 anos no dia 25. Conjuntamente, temos o aniversário dos bairros da Penha, dia 22, e de Inhaúma, dia 23 de julho.

Relembramos um trecho da música “Onde a dor não tem razão”, composta em 1981 por Elton Medeiros e Paulinho da Viola, para homenagear os aniversariantes. “Venho reabrir as janelas da vida / E cantar como jamais cantei / Esta felicidade ainda.”

Felicidade que provavelmente o mesmo Elton Medeiros, morador da Zona da Leopoldina, teve ao crescer, viver e começar sua carreira musical a partir do bairro de Brás de Pina. Desta região, que faz divisa com a Penha Circular, Vila da Penha, Cordovil, Vista Alegre e Irajá, temos subsídios para contar a história de parte considerável dos subúrbios.

Foi nessa importante área, entre o sopé do maciço da Misericórdia e as praias e mangues da Baía de Guanabara, no entorno dos rios Irajá, Pavuna e Meriti, que uma das tabas mais antigas, uma grande aldeia tupinambá estava situada, muito antes da chegada dos colonizadores europeus.

Não demoraria muito para essa aldeia se transformar, a partir de 1613, na primeira freguesia rural do Rio de Janeiro, a Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá. A origem do nome vem provavelmente do tupi Eiraîá, a etimologia sugere que a expressão é uma junção da palavra eira, que designava para os povos nativos tanto abelha como o próprio mel, e o sufixo que representa cheio ou abundante.

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Partindo dessa aldeia “repleta de mel” e seguindo pelos primeiros caminhos de interligações da cidade, os chamados piaberus indígenas, logo se chegaria a uma área de manguezais e solo pantanoso chamada de Inhaúma. O nome dessa região se deve ao fato de os nativos tamoios encontrarem nas proximidades um pássaro preto, com uma espécie de chifre pontiagudo sobre a cabeça, que chamavam de inhaúma.

Mapa da Zona da Leopoldina em 1911
Mapa do Distrito Federal: cidade do Rio de Janeiro Olavo Freire, 1911 (BNDigital do Brasil/Arquivo pessoal)

Para nos ajudar nessa tarefa de contar a história de Inhaúma e da Penha convidamos o historiador e professor da UNIRIO Joaquim Justino dos Santos, uma das maiores autoridades no estudo dos subúrbios cariocas.

Ele nos conta que “O lugar então ocupado por Inhaúma situava-se na freguesia do mesmo nome, fundada, com sua paróquia de São Tiago, em 1743. Já o bairro da Penha pertencia à freguesia de Irajá, fundada, ao mesmo tempo em que o fora sua paróquia de Nossa Senhora da Apresentação, em 1647.

Eram estas as duas freguesias rurais mais próximas do centro da cidade, do qual dependiam para exportar sua produção de açúcar mascavo, como para o consumo de gêneros agrícolas diversos. E foi para desempenhar essa mesma função em relação ao centro da cidade e ao mesmo tempo se afastar do burburinho nele existente, que dona Carlota Joaquina, em 1810, fundou o Engenho da Rainha, nas terras onde temos hoje o bairro de Inhaúma.

Durante o século XIX, a cidade precisou se adequar às necessidades da crescente e acelerada implantação de negócios e interesses capitalistas. Nesse sentido, a freguesia de Inhaúma foi se adensando, desde os anos 1880 passou a crescer gradativamente e a ser ocupada por uma população predominantemente urbana. Para se ter uma ideia, sua população aumentou em quase quatro vezes, passando de 1 7000 para 6 8000 habitantes, apenas entre os anos de 1890 e 1906. Um novo crescimento populacional, de cerca de 100%, também ocorreu entre esse último ano e o de 1920.

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Com um território continuo ao da freguesia de Inhaúma, ao norte da cidade, a freguesia suburbana de Irajá teve um crescimento populacional de quase 200% entre 1906 e 1920. Formava-se assim, em curto período, uma grande área residencial que no ano de 1920 representava cerca 25% da população do município.

Como exemplo desse crescimento, temos ainda hoje no bairro de Inhaúma, uma reminiscência das primeiras décadas do século XX, quando o último dono do antigo Engenho da Rainha, Antônio José Pereira Botafogo, iniciou o desmembramento de suas terras em loteamentos e ruas, às quais deu o nome de seus familiares e médicos da família, como a rua Dona Emília, a Dona Luíza, a Dr. Nicanor, Dr. Othon Machado, por exemplo, além da rua Engenho da Rainha e outras.

Com relação ao bairro da Penha, ele foi alvo de uma urbanização de grandes proporções promovida, na segunda década do século XX, por uma companhia imobiliária, que pôs em leilão um montante de 1 000 lotes arruados e, segundo ela, com acesso à água e iluminação, em terras da antiga fazenda Grande, a partir das proximidades da Igreja da Penha.”

Foto antiga em preto e branco da Igreja da Penha
Igreja da Penha, Rio de Janeiro, s.d. Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. (Arquivo Nacional/Arquivo pessoal)

Desde 1568, quando temos a primeira sesmaria desta localidade doada a Antônio de França, apenas três anos após a fundação oficial da cidade, até os dias de hoje muitas coisa aconteceu. A expansão se deu desde as praias de Apicu, Ramos, Maria Angu, Penha, e Manguinhos até as terras onde surgiriam as primeiras fazendas, tais como: o Engenho de Nossa Senhora da Ajuda e a Fazenda do Engenho da Pedra, mais conhecida como de Nossa Senhora de Bonsucesso.

Em 1613, o capitão Baltazar Abreu Cardoso receberia 300 braças de terras desta sesmaria e, ao que tudo indica, foi o mesmo capitão que iniciou as obras da igreja da Penha, supostamente por um milagre concedido, em 1635, ao se livrar do ataque de uma serpente. Também alegando uma bênção divina, Dona Maria Barbosa e seu marido – que teriam sido agraciados com um filho-, em 1817, mandaram construir os degraus da escadaria para facilitar o acesso dos devotos.

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Foi somente a partir do XIX que a festa da Penha se popularizou. A devoção à santa teve início devido à forte presença portuguesa na região, assim como da apropriação negra do festejo. Nomes como Tia Ciata, Donga, Noel Rosa, Ismael Silva, Cartola, Clementina de Jesus, Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Beth Carvalho e muitos mais frequentaram e cantaram as delícias da Penha.

Joaquim Justino dos Santos lembra que “Em um tempo que ainda não havia o rádio era ali na Festa da Penha que lançavam, em outubro, as músicas de carnaval. Em geral, impressas em folhetos ou pequenas revistas, com suas letras e partituras, de modo a serem divulgadas interpretadas a partir da própria festa, em outros eventos populares, nos bondes, nos trens, nas ruas etc. Assim quando chegava o Carnaval, aquelas que tivessem sido mais conhecidas, cantadas, tocadas e popularizadas, tornavam-se as vencedoras e seus compositores premiados.”

Em 1919, o bairro da Penha se emancipou de Irajá, através do Decreto 1.376, em 22 de julho de 1919.

A historiadora Rachel Gomes de Lima, autora do livro “Senhores e possuidores: propriedades, famílias e negócios de terra no rural carioca oitocentista”, também tem trazido grandes contribuições para o estudo da região. Ela nos explica que “A freguesia rural de São Tiago de Inhaúma, no ano de 1743, desmembrando-se da de Irajá. Possuía importante litoral, tendo como portos principais o de Inhaúma (Bonsucesso) e Maria Angu (Penha).

Até o ano de 1873 sua extensão territorial abrangeu os bairros de Olaria, Ramos Bonsucesso, Manguinhos, Benfica, Jacaré, Rocha, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Lins, Méier, Cachambi, Maria da Graça, Higienópolis, Del Castilho, Todos os Santos, Engenho de Dentro, Água Santa, Encantado, Piedade, Quintino, Cascadura, Engenho Leal, Cavalcante, Tomás Coelho, Pilares, Abolição, Engenho da Rainha, Inhaúma e parte do Caju, Manguinhos e São Francisco Xavier.

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A freguesia teve uma das primeiras estações ferroviárias da cidade: Venda Grande, atual Engenho Novo, em 1858. Nas terras do entorno pertencentes a membros da família Duque Estrada Meyer, ruas e loteamentos foram abertos. Em 1873, o distrito do Engenho Novo cresceu tanto que se desmembrou de Inhaúma tornando-se uma freguesia urbana de fora.

Os loteamentos e ruas seguiriam na Fazenda Santanna (Pilares e Abolição) e no Capão do Bispo (Cachambi e Del Castilho) que teve lotes aforados. O Engenho de Dentro, de tutoria do Dr. Padilha, teve três leilões de seus lotes. O desenho das ruas abertas permanece atualmente.

Em 1889, foi inaugurada a estação no Meyer, nas terras que Augusto Duque Estrada Meyer herdou de sua mãe D. Jerônima Duque Estrada casada com Miguel Meyer. Nesta época, Inhaúma era uma freguesia rural com maioria de população livre. As décadas seguintes seriam marcadas por um grande aumento demográfico, seguido por mais loteamentos e instauração de fábricas.”

Rachel também destaca que: “Por trás de uma história patriarcal e elitista existe também uma história formada por mulheres proprietárias, indígenas, escravizados e seus descendentes. Ali na divisa das freguesias de Inhaúma e Irajá, entre os bairros da Penha e Bonsucesso, duas irmãs se mantinham solteiras e senhoras do complexo agrário do Engenho da Pedra e Bonsucesso em pleno século XIX, propriedade que ia dos arredores do Porto de Maria Angu aos arredores do Porto de Inhaúma. Dona Mariana e Dona Leonor de Oliveira Mascarenhas se tornaram senhoras dessa propriedade após o falecimento de seus pais e a partilha igualitária entre as quatro filhas do casal. Do Engenho da Pedra saiu o Engenho da Rainha, comprado por Carlota Joaquina de uma outra irmã Mascarenhas.

Mariana e Leonor não casaram e nem tiveram filhos, mas construíram sua rede de parentela a partir do “amadrinhamento” de descendentes alforriados de duas escravizadas: Theresa e a Delfina. Além de alforriarem e serem madrinhas dos descendentes delas, as irmãs Mascarenhas se preocuparam em dar o sobrenome de sua família a eles. Em 1854, D. Leonor era a única senhora daquele complexo agrário do Engenho da Pedra e Bonsucesso e registrou sua última vontade em testamento, deixando todo o patrimônio para seus doze aparentados, excluindo sobrinhos e sobrinhos netos que possuía por vias sanguíneas.

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Infelizmente poucos são os registros que chegam a nós e que nos permite desvendar uma complexa história das mulheres, dos escravizados, dos indígenas e homens livres pobres de Inhaúma.”

Foto noturna de drone feita Victor Carnevale da região da Penha
Penha à noite (Victor Carnevale/Arquivo pessoal)

A Penha e Inhaúma seguem encantando os moradores da região, assim como o fotógrafo Victor Carnevale, nascido e criado em Olaria, que há cinco anos vem registrando, com suas câmeras e drones, imagens maravilhosas da região. Vale conferir parte desse acervo no seu perfil do Instagram @victor.carnevale.

Terminamos o texto lembrando que os subúrbios ainda têm muitas histórias incríveis a serem reveladas, escritas e divulgadas. E também agradecendo ao generoso convite que recebi dos amigos Thiago Gomide e Mônica Bittencourt para apresentar um quadro semanal na Rádio Roqette Pinto, chamado “Rio de Histórias”. Neste espaço, podemos contar, todas as quartas-feiras, um pouco mais das curiosidades e histórias da nossa cidade.

Aproveitamos para lembrar que o próprio Elton Medeiros iniciou sua carreira, aos 17 anos, tocando na Orquestra Juvenil de Estudantes que se apresentava na Rádio Roquette-Pinto. Assim como seu parceiro Nelson Sargento apresentou, junto ao compositor Agenor de Oliveira, o programa “Eles têm história para contar”, na mesma rádio no ano de 2010.

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