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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Os subúrbios e suas mobilizações sociais

Historiador fala sobre ações que promovem cada vez mais integração entre as áreas suburbanas e a população carioca

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Atualizado em 16 dez 2020, 04h50 - Publicado em 15 dez 2020, 20h31

Como muito bem dizia Aldir Blanc, em plena ditadura: “O Brazil não conhece o Brasil”. O saudoso poeta suburbano da Tijuca deixa claro na canção Querelas do Brasil a contundência de sua crítica. Um questionamento similar já havia sido feito, quase cem anos antes, por Machado de Assis. Em 1861, a pena do escritor denunciava a coexistência de dois Brasis: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.

Oswald de Andrade, ao escrever o Manifesto Antropófago de 1928, também percebeu a necessidade de questionar a dependência externa da cultura brasileira na época. As novas perspectivas modernistas começaram a se consolidar junto ao contexto do centenário da independência, mas se fortaleceu, realmente, após uma viagem ao interior de Minas Gerais.

Mesmo com a proximidade do bicentenário da independência, percebemos que ainda não evoluímos tanto na nossa autoemancipação. Lembro que no final de 2019, durante uma entrevista no Programa Estação Sabiá, a jornalista Regina Zappa comentava sobre as potencialidades suburbanas e constatava: “Os moradores do Rio deveriam conhecer mais os subúrbios”.

Na suposta cidade maravilhosa, em pelo século XXI, ainda vendemos a imagem de um Rio quase que exclusivamente litorâneo, principalmente, da orla da Zona Sul, retratado no cartão postal e na maioria das novelas e propagandas da televisão. Não estamos de maneira alguma querendo desvalorizar a beleza de atrativos como o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar ou Copacabana, mas discordamos que estes sejam os únicos pontos turísticos e patrimônios que precisam ser conhecidos.

Pessoas esperando o trem em Madureira
Estação Madureira em 1975 (Divulgação/Divulgação)

Essa visão acaba desconsiderando que aproximadamente 80% da população carioca vive nos subúrbios. Logo, temos a maior parte do território do Rio de Janeiro e cerca de 5 milhões de pessoas morando em mais de 130 bairros espalhados pelas zonas Norte, Oeste e chegando até a Baixada Fluminense.

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Existem muitas formas de pensar os subúrbios, muitas fronteiras se tornam possíveis através do campo geográfico, social, administrativo e cultural. Porém, em meio a tanta pluralidade, algo é bastante marcante: a grande capacidade de mobilização dos seus moradores. Existe uma expressão popular que sempre é facilmente compreendida pela grande maioria dos suburbanos: “arregaçar as mangas e colocar a mão na massa”.

Arregaçamos as mangas quando precisamos liberar os braços, usar a força que nos possibilita trabalhar, construir, gerar meios pra sobreviver, tal como canta a banda O Rappa, no início da sua música “Rodo Cotidiano”: “A ideia lá corria solta subia a manga amarrotada social…”

Nessa grande parte, que começa além do Túnel Rebouças, após a Praça da Bandeira e o Maracanã, colocar a mão na massa é fundamental. As mãos que servem para sovar o pão ou misturar um traço do concreto são as mesmas que coletivamente dão vida aos subúrbios. É inegável que construir associações, redes e coletivos foi historicamente uma forte característica da sociabilidade suburbana. Nessa lógica, é natural surgirem uma série de ações de resistência, projetos com o intuito de fazer por conta própria, de viabilizar muitas dessas ideias.

Tenho acompanhado, participado e pesquisado de perto esse movimento e fico feliz em ver um número cada vez maior de pessoas interessadas pela história e cultura suburbanas. Muito em função disso, têm crescido nos subúrbios campanhas de financiamento coletivo. Só nesse último mês de dezembro, felizmente, vimos muitas dessas serem bem sucedidas. Os Matchfundings “O Museu da Maré é Nosso!”, “Loucura Suburbana na Rede” e “Negro Muro” são alguns desses exemplos.

Imagem do projeto Subúrbios: Mobilizações Sociais
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Seguindo essa fórmula, em parceria com os amigos Ana Claudia Souza e Victor Hugo Rodrigues, escrevemos um projeto para criar uma plataforma online. Uma ferramenta que sirva para levantar e armazenar dados qualificados sobre as diversas atividades suburbanas. Desse modo, poderemos produzir um aplicativo de celular, um site e um livro que ajude a reconhecer e divulgar a potencialidade dos movimentos que cada vez mais acontecem nos subúrbios. O projeto foi aprovado pela Benfeitoria, com apoio da Fundação Tide Setúbal, que duplica o valor arrecadado durante três anos.

A campanha está no ar até o dia 20 de dezembro e quanto mais for arrecadado melhores serão as conexões e parcerias desenvolvidas. Esta proposta é inédita e extremamente necessária para ampliar o número de atividades, pesquisas e até mesmo intervenções por parte do poder público.

Uma grande prova da relevância do projeto “Subúrbios: Mobilizações Sociais” foi o interesse da Associação Comercial do Grande Mercado de Madureira em se tornar um patrocinador master da campanha. O Mercadão, como é carinhosamente chamado, é um Patrimônio Cultural Imaterial dos mais relevantes da cidade, também considerado como o maior mercado popular do Brasil. Além de preservar uma tradição que vem desde 1914, essa importante instituição também se preocupa bastante em valorizar a história local. Em 2009, o Mercadão ajudou a produzir a publicação do livro “Mercadão de Madureira: Caminhos de Comércio”, escrito por Ronaldo Luiz Martins, um dos pesquisadores fundadores do Instituto Histórico e Geográfico da Baixada de Irajá.

Quem tiver interesse de conhecer melhor as propostas da campanha “Subúrbios: Mobilizações Sociais” basta entrar no site https://benfeitoria.com/suburbios

Na próxima quinta-feira, às 16h, teremos uma live com a jornalista Regina Zappa, no programa Estação Sabiá, da TV 247, para falarmos um pouco mais sobre as nossas experiências e propostas suburbanas. Todos convidados e bem vindos!

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