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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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No aniversário de 135 anos da Leopoldina, recordamos Luiz Carlos da Vila

A devoção a Nossa Senhora da Penha, padroeira dos subúrbios da Leopoldina, completa 386 anos na cidade do Rio

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Atualizado em 23 out 2021, 00h30 - Publicado em 22 out 2021, 20h31

Costumo afirmar que o mês de outubro é particularmente especial para os suburbanos. Como exemplo temos em outubro o Dia dos Compositores, dos Professores e dos Poetas, assim como é o mês da festa da Penha e nesse ano de 2021 aniversário de 135 anos da região da Leopoldina. Também comemorarmos em outubro aniversário de nomes fundamentais para nossa cultura musical e suburbana: Cartola, Joel Nascimento, Mauro Diniz e a amiga Dorina, ótimas referências. Os dois últimos citados formaram, juntos com Luiz Carlos da Vila, o grupo Suburbanistas que deixou registrado uma espécie de hino suburbano, a bela música que já começa com “a gente é do subúrbio com muito orgulho, e vive feliz…”

Infelizmente foi em um 20 de outubro, logo no Dia do Poeta, há treze anos atrás que nos despedíamos do genial Luiz Carlos da Vila. Nascido em Ramos, onde cresceria para o mundo do samba abençoado pela sombra da famosa Tamarineira do Cacique de Ramos, e que viveu majoritariamente na Vila da Penha, na casa simples da Travessa da Amizade.

O compositor suburbano eternizado em sambas como Kizomba, A festa da Raça, que deu o primeiro título para a Vila Isabel em 1988, Além da Razão, Por um Dia de Graça, Doce Refúgio e O Show Tem que Continuar, faleceu depois de um longo tempo de internação no Hospital do Andaraí. Aos 59 anos, lutava contra um câncer no intestino que já havia sido operado em 2002.

O musico Cláudio Jorge, amigo e parceiro de Luiz Carlos da Vila, tem um texto lindo onde conta como foi a despedida do poeta do samba, com o título “Infelizmente, o choro tem que continuar.” Aproveitamos para citar um pequeno trecho do texto que pode ser lido integralmente no link do blog abaixo:

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https://blogdoclaudiojorge.blogspot.com/2008/10/infelizmente-o-choro-tem-que-continuar.html?zx=a4375f9113770a52

“Foi aí que o telefone tocou pela manhã da segunda feira, 20 de outubro, dia do poeta, e confirmou aquilo que eu já esperava para qualquer momento. Meu parceiro Luiz Carlos da Vila faleceu. Na realidade, como dizem os mais antigos, descansou. Descansou mesmo. Nos vários itens da negociação com Deus, este de ficar aqui pela terra por mais um tempo, o Da Vila perdeu, e nós ganhamos essa saudade que nunca mais vai sair do coração daqueles que conviveram com ele.
Minha mulher costumava dizer para o Luiz que ele era um Erê. Aquele Orixá criança que fica fazendo arte quando baixa nos terreiros.

É isso mesmo. Luiz Carlos às vezes criança fazia todo mundo rir de suas brincadeiras. Luiz Carlos às vezes brigão encarava desafetos sem desferir um golpe físico sequer, mas descarregava um batalhão de palavras que deixava malandro no sufoco. Luiz Carlos às vezes triste. Esse eu nunca vi. Já o vi sério, concentrado, pensativo e na maioria das vezes, desligado. Triste, nunca.
Luiz Carlos sempre artista, poeta, compositor, pensador, boêmio, um intelectual no melhor significado que essa palavra tem.”

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Foto em preto e branco do compositor Luiz Carlos da Vila
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Dorina também deu um relato emocionante sobre a despedida: “Recebi o telefonema na rádio, estava terminando o programa, dois dias antes tinha ido visitá-lo no Andaraí, seus olhos eram de dor, senti que não mais iria vê-lo. Meu irmão que trabalhava lá me adiantou que ele não estava bem. Várias vezes o telefone e seu fio conduziram até mim notícias tristes.

Naquele dia não chorei, parti depressa para o Andaraí, chegando lá encontrei com Fernanda Gama e Jane que estavam vendo onde seria o velório, decidimos pela quadra da Vila Isabel, enquanto os outros tratavam do trâmite da liberação do corpo, parti com Mauro para a quadra da Vila iniciando a organização de tudo para a chegada do corpo. A diretoria da Vila nos ajudou a arrumar as coisas.

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O primeiro a chegar foi Zeca, já indagando onde seriam compradas as cervejas. Legal era comprar um pouco de cada lugar, não sei se foi isso que aconteceu, mas só me dei conta que o poeta, amigo, parceiro, irmão não me desejaria mais feliz Natal, quando o carro chegou com seu corpo e nós o colocamos a frente da Bandeira da Vila e do Botafogo, depois a do Cacique. Não preciso dizer que foi um dos melhores gurufins que já fui. O samba correu livre e solto, todos estavam lá Beth Carvalho emocionada puxou muitos sambas, Zeca contou causos, enfim a altura do poeta que graças a Deus nos deu sua poesia!”

O amigo Flávio Lima nos concedeu mais um belo depoimento: “Luiz Carlos da Vila foi uma das primeiras pessoas a visitar o Casarti, Casa do Artista Independente, ainda na sede da rua Ponta Porã em Vista Alegre. Já o conhecíamos da rádio Bicuda FM, onde tínhamos um programa semanal, o Linha Verde, que ele fez questão de apadrinhar. Luiz Carlos das Vilas, como o Mestre Martinho o chamava sempre que requisitado por nós corria em nosso socorro. Nosso padrinho tem seu nome eternizado em um dos cômodos do Casarti. Obrigado por tudo poeta!”

Igreja da Penha o início de um Quilombo que mais tarde se tornaria a Vila Cruzeiro
Igreja da Penha vista de Manguinhos (Internet/Arquivo pessoal)

Aproveitamos essa humilde homenagem para igualmente saudar o aniversário da Leopoldina e da festa da Penha, celebrados no dia 23 de outubro, e parafraseando Luiz Carlos da Vila:

“É uma festa brilhante
Um lindo brilhante mais fácil de achar
É perto de tudo, ali no subúrbio
Um doce refúgio pra quem quer cantar …”

Também nesse ano a Av. Brasil, considerada uma das mais importantes vias do município, completa seus 75 anos de inauguração. Porta de entrada para parte significativa dos subúrbios, com seus cinquenta e oito quilômetros de extensão a avenida divide com o ramal ferroviário da Leopoldina, aberto em 1886, além do moderno BRT os principais modais de transporte da região que no passado era, principalmente, conectada pelos barcos, portos e trapiches da Baia da Guanabara.

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A avenida que  remonta um tempo onde o Rio era a capital federal do Brasil corta dezenas de bairros da zona Norte e Oeste da cidade passando por São Cristóvão, Caju, Benfica, Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Penha Circular, Cordovil, Brás de Pina, Parada de Lucas, Vigário Geral, Irajá, Acari, Coelho Neto, Barros Filho, Guadalupe, Deodoro, Vila Militar, Magalhães Bastos, Realengo, Padre Miguel, Bangu, Vila Kennedy, Santíssimo, Campo Grande, Paciência até Santa Cruz.

Para contar um pouco mais sobre a região leopoldinense convidamos o amigo Hugo Costa, geógrafo pela UFF e suburbano de coração, ele nos traz às reflexões abaixo.

“More a poucos minutos da praia, com qualidade de vida, cconforto e modernidade”. Esta frase poderia facilmente estar descrevendo mais um empreendimento na Barra da Tijuca nos dias de hoje, ou nos anos 60 para ilustrar algum empreendimento na Zona Sul, mas a frase em questão eram os anúncios na Zona da Leopoldina nos anos 30 e 40, onde grandes loteamentos eram oferecidos com atrativos de mobilidade e modernidade, além claro do melhor litoral que existia no Rio de Janeiro: as calmas e quentes aguas da Baia da Guanabara.

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Foto da venda de Loteamentos na Penha em 1916
Venda de lotes na Penha em 1916 (Revista Fon-Fon/Arquivo pessoal)

Na semana do dia 23 de outubro comemora-se pelo calendário oficial do município do Rio de Janeiro a Semana de Ramos, bairro homenageado pela sua enorme relevância cultural, social e econômica para a cidade. Nesta mesma semana comemora-se o aniversário de 386 anos da Igreja da Penha, no bairro vizinho a Ramos. Somadas as datas, temos uma extensa comemoração para a Zona da Leopoldina, tradicional região da zona norte do Rio. Modernidades como o trem, bondes, iluminação elétrica, conciliado aos principais ativos do Rio de Janeiro: praia e turismo, colocaram a Zona da Leopoldina como uma importante expansão para a cidade. Este eixo de desenvolvimento urbano atraia cada vez um público maior de moradores e ao mesmo tempo um grande número de projetos de investimentos. Os maiores aterros para a construção do mais importante eixo rodoviário do pais foram feitos na região, com a construção da Av. Brasil. Originalmente imaginada com parques ao seu redor, o Parque Urucumirim seria maior que o aterro do Flamengo, e serviria para receber exposições junto ao maior ícone do turismo no Rio de Janeiro em três séculos: a Festa da Igreja da Penha. É difícil imaginar que antes da construção do Cristo Redentor e da própria Zona Sul como a conhecemos, praias, pontos turísticos e modernidade se faziam presentes na zona da Leopoldina, mas os mais de três séculos da Igreja ao alto de uma montanha acumulam um número enorme de visitantes, principalmente durante o mês de outubro, de seu aniversário. O esvaziamento se deu com a abertura de novas fronteiras na cidade na direção do mar aberto, do Leme ao Pontal como cita a música.

A famosa Praia de Ramos coletou o resultado de um crescimento sem esgotamento sanitário adequado, o projeto do Parque Urucumirim foi substituído por áreas industriais e bairros populares foram construídos nas margens da Baia da Guanabara, com cariocas removidos daquela nova região da cidade que deveria se tornar o novo cartão postal do Rio de Janeiro: zona Sul. Quem não se lembra da famosa história da Praia do Pinto e como seus moradores vieram para Cordovil?

A Zona da Leopoldina mantém seus orgulhosos moradores que lembram dos banhos de mar, mas que percebem que a qualidade ambiental da região tanto da agua com a Baia da Guanabara, quanto com o ar com a sempre engarrafada e outrora vista como moderna Av. Brasil. Mas a fé de que suas demandas voltarão a ser reincorporadas as prioridades do poder público nos mantém lutando pela região que muito bem representou o crescimento da cidade do Rio de Janeiro em sua Belle Époque.

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