Racismo existe
Os alunos brancos sabem das desvantagens dos negros mas não têm consciência das regalias do “privilégio branco”
Escola é lugar de aprender e refletir sobre os fenômenos que acontecem à nossa volta. Na escola, as crianças e jovens podem e devem debater questões que afetam a sociedade. No momento, a indignação causada pelo assassinato brutal de um cidadão negro, desvelou, mais uma vez, a dimensão e a complexidade do racismo na vida do país.
Discutir o racismo com os alunos não é apenas contar a deplorável história da escravidão, sua abolição malfeita, a libertação dos escravizados sem amparo e sem preparo. A escola tem que trazer a questão do racismo infiltrado nos sistemas sociais, econômicos e políticos em que vivemos. Os alunos precisam saber que racismo não é questão de opção ou escolha porque é parte de nós sem que tenhamos decidido ser racistas.
Não é fácil perceber que as políticas públicas, as práticas institucionais, representações culturais e outras normas sociais perpetuam a desigualdade racial. Nossa história e cultura têm feito perdurar privilégios para “brancos” e desvantagens para “negros”. Os brancos sabem que as pessoas negras tem mais probabilidade de viver na pobreza, ser presas, abandonar o ensino médio, ficar desempregadas e ter problemas de saúde. Mas não se dão conta do privilégio branco historicamente acumulado, que sempre garantiu, e continua garantindo, vantagens aos brancos, como o acesso à educação de qualidade, empregos, salários dignos, propriedade de casa, aposentadoria, riqueza.
Justiça, tratamento igual, responsabilidade individual e meritocracia, valores importantes para a sociedade, não existem para os negros porque o racismo permeia a sociedade e está instalado nas nossas estruturas. A meritocracia não existe num sistema que privilegia um grupo.
Não é difícil perceber a enorme diferença que existe entre quem nasce e cresce em zonas privilegiadas e quem nasce e cresce numa comunidade. Tudo é desvantagem para quem nasce na comunidade e essa desvantagem ainda é maior se, além de nascer na comunidade, nasce negro.
Racismo não se limita a atos individuais de mesquinhez e ignorância; é principalmente um sistema invisível que beneficia o grupo branco. Os alunos brancos sabem que o racismo deixa os negros em desvantagem, mas é raro saberem do “privilégio branco” que lhes dá vantagens desde seu nascimento. A escritora, professora e feminista Peggy Macintosh compara o “privilégio branco” a uma mochila de provisões especiais, que não precisa ser solicitada e nem é conquistada. A mochila chega com todas as vantagens dos brancos, que costumam não ter consciência dessa regalia; nem a percebem.
O racismo individual é declarado e, mesmo velado, expressa intencionalmente preconceito com base na raça. O racismo institucional é mais difícil de perceber e reconhecer, mesmo com os exemplos dramáticos diários que lemos nos jornais sobre o tratamento discriminatório dado aos negros nas políticas de segurança, no sistema de justiça criminal, nos setores de trabalho, nas atividades da sociedade em geral.
Ao compreender o racismo estrutural entranhado em nossa realidade, as novas gerações podem repudiar e romper essas práticas facciosas para que se possa construir uma sociedade racialmente justa. A discussão na escola pode trazer à consciência diversos fatos pouco explicitados, embora óbvios, como a quase inexistência de alunos negros nas escolas particulares, como a raridade de crianças brancas terem amigos negros; as famílias brancas não costumam ter amigos negros. Na escola, pode-se iniciar a criação de uma nova mentalidade, uma nova maneira de pensar e agir, o que não será fácil e levará um tempo maior do que uma geração para se instalar. Mas é preciso insistir e persistir, não apenas para reparar uma dívida histórica e uma injustiça imperdoável, mas também para deixar de desperdiçar talentos em todas as áreas do conhecimento – das artes às ciências – o que é uma perda incomensurável para o país.