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Por Patrícia Lins e Silva, pedagoga
Educação
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A escola virtual e as crianças pequenas

A questão mais desafiadora e urgente é como fazer esse modelo on-line chegar aos miúdos

Por Patricia Lins e Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
25 ago 2020, 18h40

            O confinamento das famílias durante a pandemia lembrou à sociedade que a escola cumpre muitas funções: abriga crianças, alimenta crianças, cuida de crianças, socializa as crianças, apoia a construção moral e cognitiva das crianças, e ainda as prepara para viver com os valores, os hábitos, os comportamentos, os saberes, a cultura da sociedade em que vivem. E também gerou o reconhecimento do trabalho do professor, seu preparo profissional para propor tarefas pertinentes e para lidar com a educação de muitas crianças ao mesmo tempo. Essa descoberta das qualidades da escola e do professor resultou na necessidade de uma ressignificação da função da escola e de seu papel no século 21. Mas, nesse momento, a questão mais desafiadora e urgente, e que está a exigir muita análise e reflexão, é como fazer a escola virtual chegar às crianças pequenas.

            Até março de 2020, toda a teoria sobre o desenvolvimento de crianças pequenas – e sobre a vida de todos em geral – tinha como cenário o que jamais se questionou: o encontro presencial das pessoas. A espécie humana é gregária e precisa de outros humanos. Não está em nossas preocupações a possibilidade de, de repente, não podermos nos aproximar de gente. Sabemos que as crianças precisam conviver com seus pares, precisam ouvir e falar, conversar, precisam de movimento e experiências sensoriais diversas com outras crianças, precisam de um grupo. É a convivência que instiga o encantamento pelos mistérios da realidade e acaba aprofundando a investigação e o questionamento. A presença física sempre foi natural, sempre esteve ali, com importância significativa na aprendizagem das crianças.

            Mas agora a pandemia obriga educadores a imaginarem maneiras de provocar o desenvolvimento das capacidades dos pequenos nas telas digitais. Como não sabemos até quando vai durar o distanciamento social, precisamos buscar soluções para lidar com essa mudança para que não se perca o imenso ganho obtido na constatação de que as crianças pequenas aprendem muito e são muito capazes, com as estruturas mentais próprias de sua faixa de idade.

             Antigamente, as crianças iam para a escola só aos 7 anos de idade para serem alfabetizadas. Lá eram introduzidas ao mundo das letras e dos números, que se acreditava que só com essa idade conseguiriam aprender e só a escola poderia proporcionar. Este cenário mudou. Mudou porque o mundo mudou muito já no século passado e, entre muitas outras coisas, os estudos sobre desenvolvimento infantil, sobre o desenvolvimento da cognição e sobre educação escolar constituíram teorias vigorosas que revelam a importância para a criança de um ambiente estimulante e provocador da inteligência desde o nascimento. A espécie humana nasce inteligente, com capacidade de aprender, uma capacidade que dura toda a vida, que não diminui.

            Os conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil mostram que a criança pequena vai à escola para encontrar um ambiente que reconhece e encoraja sua ação mental, que instiga o raciocínio e a reflexão, o que fará diferença para sempre na sua vida. Além disso, a escola acolhe bem os pequenos, cuida deles e também os educa com as referências culturais da sociedade a que pertencem.

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            Segundo a UNESCO, os primeiros seis anos de vida de uma criança são um período de intenso desenvolvimento e muita aprendizagem: aprende a observar, a conviver, a fazer coisas diversas e a se reconhecer no coletivo. Assim, a UNESCO afirma que, nessa fase da vida, o atendimento educacional de qualidade “tem um impacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo, gerando benefícios educacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento na área social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de reprovação e abandono escolar, bem como maior probabilidade de completar o ensino médio foram observados entre os que tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparados aos que não tiveram essa oportunidade. A frequência a instituições de educação infantil afeta positivamente o itinerário de vida das crianças, contribuindo significativamente para a sua realização pessoal e profissional”.  

            Dada a importância da escolarização para as crianças pequenas, é preciso imaginar formas de continuar a apoiar a ampliação de suas capacidades durante esse período de isolamento. A educação escolar tem objetivos claros e ações intencionais e sistemáticas, com tarefas planejadas para proporcionar experiências interessantes e situações que promovam o desenvolvimento intelectual, moral, social, emocional e criativo. Na escola não se propõem quaisquer “atividades divertidas” para distrair crianças. Isso pode ser feito em casa, no clube, no play, em outros lugares. A escola sempre incentiva o uso da capacidade de pensar e refletir.

             O momento singular por que passamos pode durar e não sabemos quando voltaremos a contar com a escola presencial. Portanto, precisamos criar maneiras de usar a tela digital para promover a comunicação das crianças com o grupo, com o objetivo de poderem investigar o mundo orientados pelo professor. A prudência exige reflexão sobre o vínculo das crianças com a tela, pelo menos, sobre o tempo em que ficam na frente das telas, porque especialistas relatam prejuízo fisiológico, biológico, neurológico, psicológico para os humanos na relação com o dispositivo digital. É um tema que precisa ser revisitado porque quando a realidade colide com nossas teorias somos obrigados a procurar soluções para o problema.

            As crianças, nesse momento, precisam compreender essa escola que chega pela tela dentro de casa. A escola que conhecem não é em casa, é em outro lugar. E é bem diferente. Precisam se adaptar ao novo modelo. O objetivo da escola, nesse primeiro momento, é que a criança entenda o novo ambiente escolar, que é em casa.

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            Se a parceria com a família sempre foi importante, no momento atual é preciso estreitar ainda mais a relação para conseguir a melhor maneira de chegar aos pequenos. A escola precisa explicar suas intenções à família, explicar que o objetivo agora é que a criança compreenda o novo modelo e tentar que ela não dependa tanto da família para realizar tarefas. A família, ou qualquer adulto que cuide da criança, deve saber que o material precisa ficar sempre num mesmo lugar, um lugar fácil, ao alcance da criança. No início, será um material bem simples, como papel e lápis. A mensagem que chega pelo computador é também bem simples, como pedir para pegar o papel e fazer tal tarefa. O objetivo não é nem o processo e nem o produto da tarefa, mas tornar a criança mais autossuficiente para lidar com essa escola na tela. Muitas crianças pequenas já sabem até ligar o dispositivo digital. A conversa com as famílias pode esclarecer qual será o melhor dispositivo para que a criança tente ligar sozinha. À família caberá organizar o cenário da “escola on-line em casa” e lembrar à criança que está na hora de “ligar a escola”.

            É uma nova experiência para todos e bastante complexa para os pequenos, mas confiamos que conseguirão realizar muitas coisas. A confiança dos pais na capacidade dos filhos conseguirem enfrentar desafios é importante para toda a vida deles. É preciso paciência porque levará um tempo para as crianças entenderem o que se espera delas. Não entendem a novidade nem se tornam autossuficientes do dia para a noite. Depois de algum tempo, começarão a ficar mais experientes para poderem agir sem ajuda e, aos poucos, será possível adicionar mais desafios.

             A escola virtual para pequenos começa com essa troca entre os adultos de casa e da escola para se conseguir estruturar uma relação de aprendizagem que atenda às crianças, enquanto não se volta ao convívio presencial, tão essencial para todos os humanos. E isso revela uma falta fundamental: a ausência das outras crianças, os amigos, companheiros importantes de aprendizagens relevantes. Um problema sério, que exige promover encontros ao ar livre, algumas vezes por semana, com amigos, indispensável para a necessidade de socialização dos pequenos. Na escola ou em parques pela cidade, um par de horas com um grupo de amigos ajudam na precisão de estar com gente, de trocar experiências e brincadeiras, de ver o outro. Brincar e correr do lado de fora, com outras crianças, é vital para o desenvolvimento.

            Na situação singular em que vivemos, a colaboração escola/família ajuda a manter o vínculo de aprendizagem com os pequenos. A escola cuidará que toda ação proposta esteja sempre voltada para o desenvolvimento das capacidades das crianças, para que se tornem cada vez mais competentes na relação com o mundo e no enfrentamento de desafios.

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