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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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O silêncio que puxa o gatilho

Setembro Amarelo nos lembra a importância social de falarmos sobre suicídio

Por Sabrina Presman
Atualizado em 21 set 2020, 12h01 - Publicado em 18 set 2020, 21h56

Setembro chegou. E esse ano a gente nem percebeu. Piscou os olhos e lá estava ele. Setembro amarelo, o mês da prevenção ao suicídio. Se a cor vermelha representa que é tarde demais, o amarelo alerta que ainda há esperança, que algo pode ser feito. Segundo a Organização Mundial de Saúde, nove em cada dez casos de suicídio poderiam ser evitados, mas apesar disso uma pessoa põe fim à própria vida a cada 40 segundos no mundo. É uma realidade chocante. E não para por aí: para cada pessoa que concretiza um suicídio, em média existem outras vinte que tentaram. E a tendência, em tempos de pandemia e todo esse caos que estamos vivendo, é que a situação fique ainda pior.

Não dá mais para tapar o sol com a peneira e acreditar que essa é uma realidade distante, que não acontece com famílias, amigos ou colegas de trabalho próximos. Mas será que você está olhando com atenção ao seu redor ou pra você mesmo?

A visão estereotipada e caricata do suicida traz é a de um deprimido largado na cama, com autocuidado precário, escondido no escuro e que mal se alimenta. Esta imagem é, muitas vezes, uma barreira para enxergar que por trás do retrato da família do comercial de margarina – ou mesmo da imagem de felicidade vendida nas redes sociais – pode existir uma pessoa que carrega um sorriso no rosto para quem vê de fora, mas internamente sente-se pessimista e sem esperança.

É muito mais comum do que se imagina a sombra do desejo de parar de viver. Segundo um estudo realizado pela Unicamp, 17% dos brasileiros, em algum momento, pensaram seriamente em dar cabo da própria existência.

Sem o peso de um ato suicida, quantos de nós já nos deparamos com o pensamento: “Não é que eu queira me matar, mas não seria de todo ruim fechar os olhos e desaparecer. Não suporto mais essa dor, esse sofrimento. Só quero encontrar paz”. E acho que esse é um ponto importante: o suicida muitas vezes não quer tirar a vida, ele simplesmente quer matar a dor.

São muitos os possíveis fatores de risco para o suicídio, como os transtornos mentais, por exemplo (depressão, alcoolismo e dependência de outras drogas). Mas vale a pena fazer uma reflexão sobre como a cultura do silêncio é uma das principais responsáveis por estatísticas tão alarmantes.

Mesmo com todo avanço na área, falar de suicídio ainda é um tabu. Se alguém tenta conversar sobre como tem se sentindo triste ou relata falta de motivação, não é raro ouvir como resposta: “Levanta e sacode a poeira! A sua vida é ótima! Você tem tanta coisa boa! Não tem motivo pra você se sentir assim!”. Essa frase recorrente muitas vezes tem a intenção de dar uma força para a pessoa. Mas é interessante pensar se o tema em questão fosse outra doença se teríamos a mesma resposta. Convenhamos, você já disse para algum asmático no meio de uma crise: “Puxa! Como assim tem tanto ar à sua volta, como você não consegue respirar?”

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E aí entra a cultura do silêncio e o estigma. Vivemos em um mundo onde se você quebrar o braço, todos correm para assinar e desenhar no gesso, mas se você tentou tirar a própria vida quase ninguém encontra espaço para falar sobre isso. Metade das pessoas que de fato cometem suicídio já haviam tentado pelo menos uma vez. Ou seja: se falarmos e abraçarmos a questão, talvez o desfecho possa ser diferente.

No entanto, assistimos calados ao fechamento de leitos psiquiátricos num país em que menos de 2% do gasto orçamentário é destinado à saúde mental. É impensável ter alguém próximo que esteja com uma dor aguda por ter quebrado um osso, por exemplo, e se mantenha sem o tratamento adequado, mas ir a um psiquiatra e um psicólogo ainda é visto muitas vezes como supérfluo. “Basta aguentar que passa”.

“Passa” se conseguirmos ser rede de apoio para quem precisa. “Puxa, não pensa assim, a vida é tão bela”, falamos automaticamente. E a pessoa que já está por vezes se sentindo inadequada, egoísta e culpada engole a frase no meio, sentindo-se ainda mais pesada com o medo do julgamento. Muitas vezes não nos damos conta como, ao exaltar o lado bom da vida, sem querer, invalidamos e julgamos o outro, sem realmente saber o que ela está sentindo.

Não me entendam mal. Sim, devemos adotar uma fala positiva e de ajuda. Porém, antes de qualquer coisa, devemos simplesmente ouvir. Artigo raro nos dias que correm: ser escuta. Na intenção de ajudar, interrompemos a fala do outro para oferecer uma serie de pseudo soluções para todos os problemas, empurrando nossas próprias ideias sobre como a pessoa deve estar se sentindo. Troque o “olhe que dia lindo lá fora” por “imagino como está sendo difícil para você estar se sentindo assim”. Substitua o “pense positivo” por “estou aqui pra te ouvir”. Empatia é a palavra-chave.

“A noite é sempre mais escura antes do amanhecer”, já dizia Batman no filme “Cavaleiro das Trevas”. É um exemplo simples de dizer: “está pesado, eu sei, mas não é para sempre”. É justamente a sensação de que a dor e a tristeza não vão passar nunca que levam muitas vezes a ato tão extremo como o suicídio.

A vergonha de falar que pensa em tirar a própria vida e a solidão de não conseguir espaço para dividi-la matam tanto quanto os métodos de suicídio. Muitas vezes é o silêncio que puxa o gatilho.

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Temos medo de perguntar a uma amigo que está em sofrimento se ele está pensando em se matar. E achamos que perguntar abertamente vai colocar ideias na sua cabeça. Ora bolas, se alguém chega com uma dor aguda no pé rapidamente damos um palpite: “Gente, será que não quebrou? Vamos cuidar disso! Te levo no médico!”. Então saibam que não é simples a coragem de dividir esses pensamentos e fazer perguntas de tal teor. “Com esse sofrimento todo que você está relatando, fiquei pensando se você já pensou que talvez morrer fosse uma solução. Quer falar sobre isso?”. Simples assim. Naturalizar que o outro pode estar se sentindo assim pode ser libertador e o apoio que ele precisa para falar abertamente sobre o tema, sem sentir que está enlouquecendo.

Eu já via de perto o aumento das tentativas de suicídio nos últimos anos. Com a pandemia, o número de pedidos de internação na clínica psiquiátrica por tentativa de suicídio aumentou assustadoramente. Semana passada, quando despretensiosamente compartilhei no WhatsApp e nas redes sociais uma campanha de conscientização sobre o tema, cinco amigos me pediram ajuda em menos de 24 horas. Foi aí que me dei conta, realmente, que mesmo sendo um tema tão pesado e complexo, o gesto de estender a mão para alguém pode ser mais fácil do que se imagina. Eu convido a você, leitor, para refletir como pode ajudar também.

Você não está sozinho. Sua vida vale muito para mim.

Sabrina Presman é psicóloga, mãe de dois filhos, especialista em Psicoterapia Breve. Divide seu tempo entre o cuidado com paciente, a gestão de saúde e desenvolvimento de liderança e educação dos filhos através da Psicologia Positiva. É diretora da Espaço Clif e vice-presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas).

 

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