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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Onde há fumaça…

A indústria do cigarro dá sinais contraditórios em plena pandemia

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 29 Maio 2020, 19h00 - Publicado em 29 Maio 2020, 16h23

A esta altura dos acontecimentos, uma das poucas certezas sobre o coronavírus é a sua letalidade entre fumantes e portadores de doenças respiratórias. Estudos e pesquisas confiáveis são apresentados em sequência, mostrando a extensão do dano que o cigarro pode causar. Às vésperas deste 31 de maio, Dia Mundial sem Tabaco, fica evidente que se fumar já era uma atitude pouco inteligente antes da pandemia, agora é ainda mais.

Curiosamente, a British American Tobacco (BAT), controladora da Souza Cruz e fabricante dos cigarros Dunhill e Lucky Strike, anunciou que está desenvolvendo uma vacina contra o coronavírus usando proteínas extraídas das folhas de tabaco. É exatamente isso que você leu: o tabaco mata mas, segundo a indústria, talvez possa começar a salvar milhões de vidas. As empresas, claro, já estão trabalhando junto aos governos americano e inglês em busca de apoio às pesquisas. Outras aproximações com as autoridades também estão sendo ensaiadas por meio de doações e parcerias sob o que chamam de “responsabilidade social”. Essa relação é delicada, para não dizer promiscua, pois não há clareza sobre quais facilidades ou concessões as empresas vão desejar em troca assim que esta crise passar, atraindo mais dependentes ao vício. Não é de hoje que o lobby dos fabricantes de cigarro frequenta os corredores do poder e as atuais “parcerias” apenas atestam tal fato.

Empresa de biotecnologia responsável por desenvolver a vacina contra o coronavírus, a Kentucky BioProcessing (KBP) declarou que a pesquisa não visa lucros. É dificil acreditar na boa fé da bilionária indústria que se dedicou, nas últimas décadas, a explorar um vício que causa câncer, enfisema e infarto, apesar das recorrentes provas apresentadas pela ciência de que fumar mata, todas contestadas pelos players do mercado. É esta mesma indústria que agora se diz embuída dos melhores sentimentos para salvar a Humanidade? Será que o coronavírus conseguiu tamanha mudança de comportamento de empresas que só apostam para ganhar?

Em abril, em plena escalada dos casos de Covid-19 no Brasil, a empresa japonesa Japan Tabacco International (JTA) anunciou a retomada de suas operações de compra, processamento e embarque de tabaco no Brasil, contrariando a orientação do Ministério da Saúde de isolamento social, mantendo apenas o funcionamento de atividades essenciais. Desde quando a fabricação de cigarro é primordial em tempos de pandemia? É mais um questionamento de quanto os poderosos fabricantes pensam no bem-comum, de fato.

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Um artigo francês de intenção questionável cruzou dados aleatórios e afirmou que o tabaco teria um efeito protetor contra a contaminação pelo coronavirus. Essa (des)informação foi publicada em uma plataforma na internet sem precisão técnica e sem a mesma credibilidade de uma publicação científica. Ainda que tenha sido contestado, foi o suficiente para a informação se espalhar rapidamente. O incrível é que este artigo foi muito mais divulgado que os estudos que mostram os efeitos nocivos do fumo. Detalhe: a agência responsável pela divulgação do material trabalha para a Philip Morris.

São muitos os movimentos em curso na indústria do tabaco neste momento, apontando para diferentes caminhos. Nos resta esperar e ver se as empresas de cigarro vão reescrever os princípios e os propósitos que regem sua história ou apenas fazer mais uma jogada de marketing.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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