Manual de Sobrevivência no século XXI Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman Psiquiatria
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“A Força do Querer”: quando a saúde mental está “em jogo”

Jogos de azar, mesas de pôquer online, games e pandemia aumentam o número de dependentes de jogos no Brasil

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 20 out 2020, 12h28 - Publicado em 20 out 2020, 10h51
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  • Acaba de estrear na TV Globo a reprise da novela “A força do querer”. Como todas as tramas escritas por Gloria Perez, a trama é farta em questões sociais: a autodescoberta da transsexualidade por Ivana (Carol Duarte), a ascensão de Bibi Perigosa (Juliana Paes) no mundo do crime e a psicopatia destruidora de Irene (Debora Falabella) são alguns exemplos. Embora exibida há pouco tempo, em 2017, é normal que algumas tramas de folhetim percam a força, enquanto outras ficam ainda mais relevantes. É o caso da Silvana, interpretada por Lilia Cabral. Viciada em partidas de pôquer, a personagem não se dá conta que a cada nova rodada de carteado o que está em jogo, na verdade, é sua vida pessoal, profissional, familiar e financeira.

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    Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou o Transtorno de Jogo no Código Internacional de Doenças, ao lado da dependência do álcool, cocaína e de outras drogas. Segundo levantamento feito à época pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), a compulsão por jogos atinge cerca de 1% da população brasileira, totalizando mais de 2 milhões de viciados.

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    Viciados em jogos de azar apresentam sinais de descontrole sobre o impulso de apostar. Estudos indicam, inclusive, que o desejo compulsivo para jogar chega a ser significativamente maior do que a de alcoolistas para consumir álcool. Geralmente são pessoas que afirmam que nunca mais vão jogar e no dia seguinte já estão jogando. Outro traço é o descontrole financeiro: dizem que vão apostar pouco, mas são capazes de gastar o salário de um mês em uma única noite. O dependente tem um vínculo nefasto: ele frequentemente retorna à casa de jogo para tentar recuperar o que perdeu no dia anterior. Ele passa a mentir para conseguir jogar, perde compromissos e oportunidades de trabalho. O jogador compulsivo desenvolve uma dependência comportamental grave, que cursa com alto risco de suicídio – pesquisas indicam que até 24% dos indivíduos com transtorno de jogo já tentaram tirar a própria vida. “Silvanas” cujos dramas reais extrapolam a tela da televisão.

    A pandemia que trancou-nos a todos em casa por meses trouxe um dado novo. Se antes era preciso que o jogador saísse de casa para apostar em cassinos clandestinos ou em corridas de cavalo, agora é possível girar a roleta dentro de casa, na tela do computador. Isolados e entediados, muitas pessoas aderiram ao vício das apostas online. Conectados em rede, milhares de pessoas sentam-se à mesa virtual de pôquer, onde se aposta dinheiro alto debitando do cartão de crédito. Até mesmo os jogos “oficiais”, como Quina e Mega Sena, podem ser apostados online. A tentação da aposta ao alcance de um clique. Se abordarmos o mundo dos aparentemente inocentes games, o que vemos é dezenas de milhares de adolescentes absolutamente dependentes, emendando horas a fio diante da tela, muitas vezes pulando refeições e higiene pessoal.

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    Mesmo com tudo que se sabe dos malefícios do jogo, o Governo Federal alimenta o projeto de liberar o jogo no Brasil, proibido em 1946, pelo presidente Dutra. O apetite sobre os jogos de azar se justifica pelos números. Segundo o Instituto Brasileiro Jogo Legal, jogo do bicho, caça-níqueis, bingos e apostas na internet alcançariam a assombrosa receita de 20 bilhões de reais ao ano.

    O que precisa ser considerado é que quanto mais disponível o jogo estiver, maior será o número de pessoas vulneráveis aos seus danos. A liberação do jogo vai estimular o crescimento do número de jogadores patológicos, o que terá um efeito dominó na dinâmica das famílias. Se proibir o jogo não resolve o drama da dependência, ao menos reduz a exposição ao perigo. Pesquisas afirmam que, se os jogos de azar fossem liberados, o número de dependentes dobraria. Portanto, colocar todas as fichas no retorno financeiro dos jogos de azar é um blefe, uma péssima aposta na saúde da sociedade brasileira.

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    Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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