Janeiro Branco: um pacto pela saúde mental e emocional da Humanidade
A dor de existir nunca esteve tão latente entre pessoas de qualquer idade, gênero, cor ou credo
Em um país tão desigual e que se presta a ser terreno fértil para as fake news, as campanhas de conscientização ganham relevância ainda maior. É como se elas servissem para suprir uma lacuna de educação e conhecimento que os canais tradicionais (igreja, escolas, mídia) não dão conta. Aos poucos, os brasileiros estão se acostumando a ouvir falar em campanhas que associam um mês do ano a uma cor, como o “Outubro Rosa” (câncer de mama) e o “Dezembro Laranja” (câncer de pele).
Seguindo tal lógica, o mês que abre o ano é dedicado à saúde mental. A campanha “Janeiro Branco”, criada em 2014, traz alertas importantes de conscientização sobre qualidade de vida e saúde, de modo geral. Os números atestam que se trata de uma campanha fundamental: a ansiedade já atinge 18,6 milhões de brasileiros e a depressão foi diagnosticada em 16,3 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE, em todo Brasil. Os números são impressionantes, se considerarmos que eles foram apurados em 2019, portanto em período anterior à atual pandemia.
Pesquisa realizada em 130 países, entre junho e agosto deste ano, mostrou que a pandemia atingiu ou interrompeu o atendimento em saúde mental em até 93% dos países, 67% confirmou o impacto no atendimento psicoterapêutico e mais de 60% reportou interrupção nos serviços de atendimento à saúde mental à população mais vulnerável, incluindo crianças e adolescentes (72%) e idosos (70%).
A escolha de janeiro como o mês para a campanha não é aleatória. No primeiro mês do ano, tradicionalmente, as pessoas estão mais propensas a repensarem suas vidas, suas relações, emoções e no sentido de suas existências. É como se tivéssemos zerado um cronômetro e o novo ano fosse uma folha em branco, com todas as possibilidades de (re)começos.
Sempre foi importante cuidar da saúde mental. Ela é o fio condutor de todas as áreas da vida. Mas neste ano, em especial, não adianta tentar passar como um trator sobre as emoções vividas durante e pós pandemia. O eventual esforço de esconder de si próprio os desconfortos emocionais será em vão pois, querendo ou não, a mente vai gritar por socorro em forma de ansiedade, depressão, compulsão ou outras manifestações de sofrimento. A palavra Réveillon tem origem no verbo francês réveiller, que significa despertar, acordar. O Réveillon de 2021, como poucos, teve precisamente o anseio de despertar para um novo tempo.
Já os aprendizados de 2020 são resultado de um verdadeiro estado psíquico de colapso. A dor de existir nunca esteve tão latente entre pessoas de qualquer idade, gênero, cor ou credo. Neste contexto, a Campanha “Janeiro Branco” passa a ter mais importância do que já tinha a fim de que possamos enxergar que essa pandemia deixará literalmente mortos e feridos: alguns feridos no corpo e quase todos feridos na alma.
A Humanidade há muito tempo não vive tantos eventos traumáticos concomitantes que atingem a todos, como a perda de entes queridos, as angustiantes estadias em hospitais sem contato com o mundo externo, a difícil recuperação da Covid-19, o desemprego, o pavor constante de se contaminar ou ser contaminado. A forma como a sociedade lidará com “cada sequela” da doença poderá impactar todas a vidas. Para fazer algum sentido existencial e psíquico toda essa profusão de frustrações, é necessário relembrarmos que a palavra crise carrega consigo uma grande oportunidade de aprendizado.
Pessoalmente, venho tentando cuidar da minha saúde mental cultivando algumas ideias: estar vivo – algo que tomamos como óbvio e já conquistado – é um presente que requer cuidar zelosamente; vida e morte são duas realidades que parecem antagônicas mas se integram numa fração de dias; é preciso ser e agir no mundo “como se só te restasse esse dia” como dizia a música de Paulinho Moska, porque amanhã pode não existir de fato.
Tenho feito declarações de amor, reparações pendentes, observado a parte de vida abundante que me cerca ao invés de focar no que há de escasso; e, o principal, tenho cultivado as conexões humanas. Essas sim, são o maior sentido da caminhada. Saúde mental não é apenas ausência de doença psíquica, mas também o exercício da gratidão, da compaixão, do perdão, da generosidade.
Olhe pra dentro de si, se examine e não deixe de procurar ajuda especializada, caso seu estado emocional esteja te trazendo sofrimento ou consequências negativas.
Que janeiro seja sempre um mês dedicado a nos lembrarmos que somos merecedores de um autocuidado e autocompaixão.
Elizabeth Carneiro é psicóloga supervisora do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa do Rio, especialista em Psicoterapia Breve e Terapia Familiar Sistêmica, diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química e treinadora oficial pela Universidade do Novo México em Entrevista Motivacional.