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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Por que as doenças mentais foram parar no Enem?

Estigma que cerca os transtornos mentais foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 18 jan 2021, 16h27 - Publicado em 18 jan 2021, 15h42

O tema da redação do Enem causa um certo burburinho sempre que é divulgado. E não é para menos. De certa forma, ele é um indicador de assuntos que mobilizam a sociedade brasileira na atualidade. Daí a relevância do tópico escolhido para este 2021 ser “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”.

Antes de mais nada, vale destacar que as provas do Enem são feitas, majoritariamente, por jovens entre 17 e 20 anos. Portanto, ao dar relevância ao assunto entre esta faixa etária o INEP, autarquia vinculada ao Ministério da Educação responsável pela organização da prova, marca um golaço. É fundamental colocar os jovens para pensar sobre preconceitos. E as doenças mentais estão cercadas deles: transtorno depressivo é preguiça, transtorno ansioso é frescura, transtorno bipolar é loucura; transtorno de personalidade borderline é chatice; transtorno por uso de substâncias é falta de caráter; transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é burrice; síndrome do pânico é bobagem, esquizofrenia é maluquice… A lista de estigmas pode ser extensa.

No entanto, ninguém acha que diabetes é frescura ou hepatite é corpo mole. Por que? As doenças mentais são as doenças do cérebro. Assim como a hepatite é doença do fígado e o diabetes é a doença do pâncreas. Os estigmas criam uma tola cortina de fumaça que não servem a ninguém. Ao contrário, o preconceito apenas dificulta as pessoas a procurarem ajuda especializada.

Hoje a ciência já sabe que o diagnóstico precoce salva vidas e muda o futuro dos pacientes. Um transtorno bipolar não tratado, por exemplo, pode evoluir para quadros neurodegenerativos, que se apresentam como demências. Um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) sem acompanhamento médico pode levar ao uso de substâncias e, possivelmente, a um péssimo desfecho.

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Portanto, qual a razão lógica para se expor a estes riscos? Não há. Várias medicações são comprovadamente eficazes no tratamento das doenças psiquiátricas. Antidepressivos funcionam, reguladores de humor funcionam, antipsicóticos funcionam, para citar apenas os mais conhecidos do público leigo. A psicoterapia, na maioria das vezes, potencializa a eficácia do tratamento com medicamentos. Já em quadros graves, a internação pode ser fundamental. Todas estas alternativas estão à disposição dos doentes, contanto que o estigma não se torne uma barreira impeditiva.

É interessante pensar que os jovens discorreram textos no Enem sobre o estigma que cerca as doenças mentais, tendo em vista que muitos de seus ídolos tem vindo à público revelar que enfrentam alguns dos transtornos. De forma corajosa, Justin Bieber, Selena Gomez e Demi Lovato já falaram abertamente sobre a luta que travam contra a depressão, a ansiedade e distúrbios alimentares colaborando para a redução do estigma. Por aqui, Whindersson Nunes, Bruna Marquezine, Anitta e Gusttavo Lima acompanharam o movimento e expuseram o enfrentamento aos seus transtornos mentais. Fico curiosa por saber como isso se traduziu nas redações dos jovens. Será que as novas gerações estão conseguindo lidar com estas questões de forma mais honesta?

Com alguma frequência, pacientes relatam que quando conversam sobre seus tratamento com outras pessoas, abrem caminho para o interlocutor se sentir à vontade e contar que também está em tratamento de alguma doença mental. E não há porque ser diferente: só para citar um exemplo, 16,3 milhões de brasileiros com mais de 18 anos sofrem de depressão, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019, do IBGE. É um índice preocupante, ainda mais se pensarmos que ele é anterior à pandemia, trauma coletivo que aumentou significativamente o número de pessoas com algum transtorno mental.

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Portanto, respondendo à pergunta-título desta coluna, talvez as doenças mentais tenham ido parar no Enem por que é fundamental falarmos sobre o tema e agora mais ainda. Todos os preconceitos são letais: homofobia, racismo, xenofobia. Mas é hora, finalmente, de falarmos abertamente também do preconceito às doenças mentais. Que os jovens – e a sociedade brasileira com um todo – tenham maturidade para encarar o assunto com a relevância que ele exige.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

 

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