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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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A “indesejada das gentes”: o direito de escolha

O debate sobre decidir o momento e a forma de morrer ganha cada vez mais espaço em diversos países

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 12 out 2020, 15h41 - Publicado em 12 out 2020, 13h08

Este 2020, cujo fim se aproxima, foi marcado pela morte. Temida ou evitada, ela permeou todas as rodas de conversa. O surgimento da pandemia fez com que cruzássemos os meses contando a morte aos milhares. Teria o coronavírus o poder de mudar nosso entendimento da morte? Indo além: no ano em que tantos morreram à revelia, como respeitar o direito fundamental daqueles que desejam decidir sobre o seu próprio fim?

Antes de mais nada, convém deixar claro que não tenho a pretensão de sentenciar o que está certo ou errado nessa matéria. Para além de ser uma decisão de foro íntimo, há muitas questões implicadas quando o assunto é colocar um ponto final na própria vida: dilemas éticos, morais, jurídicos, médicos e comerciais. O que interessa-me mais nesse debate é o ponto de vista humanista: o direito (ou não) de escolha sobre o momento e a forma que se deseja morrer.

O homem é o único animal que sabe que vai morrer. A consciência da finitude acarreta sentimentos de impotência e incerteza. Nossa reação natural é falarmos sobre a morte como se este fosse um assunto que não nos tocasse. A morte – natural ou não – é um processo. E é sobre estes momentos que a morte é uma escolha do indivíduo que me interessam neste artigo.

Convém esclarecer três conceitos que orbitam em torno da morte digna: eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia. A eutanásia – cuja origem etimológica é eu (boa) thanatos (morte) – é a antecipação da morte de alguém, provocada por compaixão, com o objetivo de se evitar um fim lento e doloroso fruto de alguma doença incurável. O chamado suicídio assistido, que em geral ocorre em situação similar, é exercido com o auxílio de um médico que pode disponibilizar ao doente não só as informações, mas também os meios para o suicídio, incluindo orientação e fornecimento de doses letais de fármacos. Cabe ressaltar que nesses casos é exigida uma triagem psiquiátrica para confirmar tratar-se de um paciente grave e não de alguém com transtorno mental. Já a ortotanásia consiste em aliviar o sofrimento de um doente terminal através da suspensão de tratamentos que prolongam a vida mas não curam nem melhoram a enfermidade.

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São vários os dilemas éticos levantados. A quem o médico serve: ao paciente ou à Medicina? Até que ponto podemos prolongar a vida de quem não deseja mais viver? Seria ético um médico abreviar a vida de alguém? E seria ético se recusar a fazê-lo? A quem cabe arbitrar sobre a hora certa da morrer?

Independente de polêmicas, este é um tema que todas as sociedades terão que olhar de frente. A eutanásia e o suicídio assistido existem em diversos países. O mais recente a aderir à política foi a Alemanha, em fevereiro deste ano. Portugal, Estados Unidos, Espanha e Itália estão em discussão avançada sobre o tema. Se avançarem, se juntam à Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia e Canadá a disporem de critérios regulatórios para a prática da “morte digna”. Um movimento aparentemente incontornável no mundo. Enquanto isso, no Brasil a eutanásia é entendida como crime de homicídio e ilícito ético frente à regulamentação do Conselho Federal de Medicina. Tal percepção não tende a mudar a curto prazo por causa da religião.

No lindo poema “Consoada”, Manuel Bandeira definiu a morte como “a indesejada das gentes”. Publicado há quase um século, o poeta não supôs que, dependendo do caso, a “indesejada” poderia ser “a desejada”. Seja lá como for, que quando chegue a “iniludível” (ainda na definição do grande Bandeira), que encontre “lavrado o campo, a casa limpa e a mesa posta, com cada coisa em seu lugar”.

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Se você ficou interessado em saber mais, “Morrer ou não morrer: eis a questão” é o tema de uma palestra online que acontecerá na página da Clínica Espaço Clif no Facebook, na próxima 4a feira, 14 de outubro, às 20h, mediada por mim e com a participação da psicóloga Karen Scavacini, do psiquiatra José Manoel Bertolote e da advogada Luciana Dadalto. Mais informações nas páginas da Espaço Clif no Instagram e no Facebook.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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