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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Como o Big Brother Brasil ajuda a educar os filhos?

BBB dá lições sobre consumo de álcool, convivência em grupo, bullying e feminismo

Por Sabrina Presman
18 fev 2020, 10h40

Minha filha de 13 anos chegou em casa e decretou que queria ficar acordada para assistir ao Big Brother Brasil. Eu gelei. Em segundos, todos os meus neurônios entraram em colapso com mil pensamentos de como evitar o inevitável. Pensei: “Fica calma, basta proibir”. Ingenuidade. Então comecei argumentando que o horário era tarde, ela precisava acordar cedo. A resposta veio em segundos: “Mãe, eu não vou ver na TV (aliás, ela fez uma careta como se ver TV ao vivo fosse coisa de extraterrestre). Eu vejo no aplicativo, em qualquer horário”. Argumento vencido, fui para o próximo.

Posso decretar que não é um conteúdo adequado, certo? Errado. Ela vai ter acesso a esse conteúdo independente da minha autorização ou não. Quantas vezes nossos filhos soltam uma informação que a gente não sabe, numa conversa no almoço ou num simples bate papo? Aí me deu o estalo: se não puder lutar contra o inimigo, junte-se a ele.

Então vamos à aventura: minha filha quer ver BBB eu não tenho controle. Me resta assistir também, para pelo menos ver o que ela está aprendendo e como lidar com todas essas informações. Vou dizer pra vocês: têm sido uma experiência e uma oportunidade incrível ver com a minha pré-adolescente está entendendo a vida. E, de quebra, ajudá-la a ajustar as perspectivas sobre o mundo. Descobri, sem querer, que assistir BBB com minha filha seria uma oportunidade de trabalhar com ela o conceito de prevenção e a prática de valores de vida.

Um dia, liguei a TV e estava passando uma festa temática na casa. Gritei por ela, para avisar que estava perdendo as cenas. Ela veio no meu quarto e deu de ombro desinteressada, eu me admirei e perguntei se ela havia desistido do programa. “Claro que não, mãe, mas a festa a essa hora não tem graça. Bom mesmo é só de madrugada, depois que o povo bebe bastante e começam as tretas”, ela me respondeu. Ali caiu a minha ficha.

Às vezes, é tão difícil introduzir assuntos sérios e importantes na formação do adolescente sem parecer moralista. Preciso confessar que perdi a conta das inúmeras vezes que minha filha interrompeu uma conversa comigo: “Mãe, para de falar que nem psicóloga!”. Então, chamá-la para uma conversa sobre álcool, por exemplo, acaba sendo um tédio. Parece sermão. No fundo, acho que ela só escuta um monte de blá-blá-blá e depois fala: “Acabou, mãe? Posso ir?”. Só que agora, ela não quer ir. Porque os nossos papos são sobre personagens e histórias que ela curte e com as quais está envolvida. Não é “papo-careta-de-mãe-psicóloga”. A partir daí, pude ajudá-la a desenvolver discernimento sobre a pessoa que ela quer ser e o quão isso é incompatível com cair de bêbado e não lembrar de nada do que aconteceu.

Mais do que lição de moral, realmente fez sentido minha filha perceber a diferença do comportamento – sóbrio ou bêbado – da pessoa que ela espia no dia a dia, do escovar os dentes quando acorda até dormir. E eu não precisei dizer nada: quem chegou a conclusão que alguns moradores da casa passaram do limite foi ela. Quer melhor estratégia de prevenção ao consumo excessivo de álcool do que essa?

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Tem dias que, propositalmente, eu não assisto o programa, só para pedir que ela me conte e eu possa perceber como ela entendeu os acontecimentos. É quando ela me conta que determinada pessoa perdeu a linha, se exaltou e fez coisas que não tem coragem sóbria. Consegue ver como as pessoas ficam vulneráveis quando passam do ponto. No BBB, minha filha não viu só o que mostram os comerciais: pessoas bonitas e felizes em torno de ambientes com bebidas. E se nas primeiras percepções, a observação dela era relacionada a como muitas vezes homens se aproveitavam para se aproximar das mulheres, agora ela já comenta como os homens também podem ficar vulneráveis quando o teor alcoólico passa do limite.

Não foi só a oportunidade de entender melhor os aspectos negativos do álcool que o BBB trouxe para dentro da minha casa. Minha filha entendeu sobre a divisão da casa em grupos, tendo participantes que são isolados e rejeitados por diversas vezes no jogo, e o impacto na vida do que fica só, mas também daquele que oprime. Quer oportunidade mais legal do que essa para falar sobre empatia? Sobre os danos de se rejeitar um amigo da escola? Sobre como a pessoa que fica de fora se sente? Ou até mesmo ajudar seu filho a te contar quando é ele que se sente fora do grupo de amigos?

Lá em casa também se discutiu, pelos exemplos do BBB, sobre machismo e feminismo, sobre a mulher ser tratada como objeto e, mais do que isso, sobre descobrir que mulheres também podem ser machistas – o que a minha pequena nomeou de “machismo ao contrário”. Minha filha descobriu que no jogo não vale tudo e que muitas vezes as estratégias usadas machucam os outros e isso não vale a pena. Não perdi a oportunidade de, sutilmente, mostrar como ela, às vezes, também faz isso para ter o que quer e pode acabar passando por cima dos outros, sem se importar se vai magoa-los. Se ela conseguir repensar seu comportamento através da compreensão que teve ao olhar de fora os personagens do BBB, sem dúvida fortalecerá seus valores pessoais e me faz ter certeza que assistir qualquer programa com ela é uma decisão acertada.

Outras lições que vivemos juntas foi que os personagens do BBB se dão mal quando falam muitas coisas sem pensar antes (quantos de nós, adultos, ainda não aprendemos esse conceito?), que os “brothers” que se acham melhores que os outros  e tem o ego insuflado se perdem nas relações e o absurdo de julgar o outro apressadamente, sem saber a história toda. Quantas verdades absolutas nossos filhos adolescentes tem e cismam em teimar conosco que estão certos? Como espectadora, ela tem todas as informações e percebe que cada integrante só sabe um pedaço da história, mas tem certeza que sabe tudo. Isso me dá a chance de educá-la para entender que cada pessoa percebe de um jeito e conta a história através da sua percepção. O certo ou errado podem ser relativos.

Quando comecei a escrever esse texto mandei um áudio para ela, perguntando se queria me ajudar. Surpresa, disse que sim e me respondeu com o áudio mais longo que já recebi dela. Em tempos de respostas resumidas, palavras abreviadas e muitos “mãe, não quero falar, sou adolescente não sei dizer como me sinto”, um áudio de quatro minutos discorrendo sobre sua opinião a respeito do comportamento dos participantes do BBB me pareceu um prêmio e me permitiu entrar um pouco no mundo secreto da sua mente adolescente.

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Minha filha termina o áudio questionando: “Como esse pessoal se comporta assim? Eles devem esquecer que estão sendo filmados 24 horas por dia, né? Não sei o que se passa na cabeça dessas pessoas.” Assim como quem não quer nada, perguntei: “E se você fosse filmada 24 horas por dia, o que mudaria?”. Ela respondeu, categoricamente: “Eu não mudaria porcaria nenhuma, se fosse para atuar eu ia para novela. Prefiro ser verdadeira”. E pensar que em um pedaço do áudio ela afirma: “Eu só tenho 13 anos, não tenho idade suficiente para pensar tanto, não sei se é isso que você quer”.

E eu só posso ficar grata pela oportunidade de criar uma filha que está se construindo querendo ser ela mesma e não um personagem.

Mesmo que para constatar tudo isso, eu tenha que assistir o BBB.

Sabrina Presman é psicóloga, mãe de dois filhos, especialista em Psicoterapia Breve. Divide seu tempo entre o cuidado com paciente, a gestão de saúde e desenvolvimento de liderança e educação dos filhos através da Psicologia Positiva. É diretora da Espaço Clif e vice-presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas)

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