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Como esquecer?

Como sempre acontece na nossa turminha do Café Severino, sempre que um de nós faz aniversário promovemos uma vaquinha e damos um presente em nome de todos. É uma maneira prática e festiva de comemorarmos juntos, sem castigar o bolso de ninguém. Há dois meses mais ou menos, escrevi sobre presentes inesquecíveis. Durante a semana […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h25 - Publicado em 13 ago 2016, 01h00

LÉO MARTINS

Como sempre acontece na nossa turminha do Café Severino, sempre que um de nós faz aniversário promovemos uma vaquinha e damos um presente em nome de todos. É uma maneira prática e festiva de comemorarmos juntos, sem castigar o bolso de ninguém. Há dois meses mais ou menos, escrevi sobre presentes inesquecíveis. Durante a semana que se seguiu, os amigos do Café citaram, saudosos, alguns mimos que receberam e que — de uma maneira ou de outra — marcaram sua vida.

O Raul, por exemplo, lembrou de livros que recebeu do pai quando fez doze anos. Eram seis volumes da coleção Terramarear, do escritor americano Edgar Rice Burroughs (século XIX), expoente das histórias de Tarzã, um dos mais poderosos heróis do nosso tempo de criança. E lembrava-se de que demorou dois anos para descobrir que o nome da coleção abrangia aventuras vividas na terra, no mar e no ar. Daí o nome.

A Carla falou de uma boneca com a carinha da atriz Shirley Temple, a menina prodígio do cinema americano que morreu em 2014, com mais de 80 anos. Obviamente, Carla não é daquele tempo, mas o presente tinha um significado ainda maior, já que a boneca era da sua avó, esta, sim, contemporânea da Shirley.

Fábio, nosso amigo mineiro que veio ao Rio de férias e para assistir à Olimpíada, lembrava-se de um trenzinho elétrico, com uma locomotiva que puxava vários vagões, que ele montava no chão da casa onde morava com os pais e irmãos.

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— Até hoje — disse ele — tenho o apito daquela locomotiva na memória.

E completava:

— Por aquele trenzinho mágico dei várias voltas ao mundo, nas asas da minha imaginação.

Enfim, todos se manifestaram, mas o Raul, quando demos a sessão de lembranças por terminada, comentou que, apesar de divertido, esse tipo de jogo — digamos assim — tinha um fundo melancólico. Aquela sensação de felicidade que nos traz de volta o que parecia esquecido corre sempre o risco de se transformar num punhado de lágrimas. Para só depois, passado o momento, nos consolar da infância perdida.

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Já no fim do dia, lembraram-se de mim. Qual era o meu presente inesquecível? E eu então falei de um que recebi no meu aniversário de 50 anos.

— Naquele dia eu estava num salão em Ipanema. Cortava o cabelo e aparava a barba com o Vicente e fazia as unhas com uma jovem manicure, a Flávia. Em determinado momento, alguém me deu parabéns pelo meu aniversário naquele dia de março. Trabalho terminado, eu perguntei à Flavinha quanto eu devia, e ela então, de maneira tocante, me disse que só ia cobrar uma das mãos, já que a outra era um presente dela pelos meus 50 anos. Juro que demorei para entender o que ela estava me oferecendo. Aquele gesto era de uma tão rara delicadeza que jamais seria esquecido.

Flavinha morreu seis meses depois, atingida por uma bala perdida. Vi a notícia na TV. Na foto que a identificava, ela aparecia sorrindo feliz com seu pequeno filho no colo, o olhar cheio de esperança. Vale repetir o verso do Drummond: “Que palavra é essa que a vida não alcança?”.

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