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Beleza sem nome

Você já se viu diante de alguma coisa, qualquer uma, e não soube dizer se era bonita ou feia? Na crônica de Manoel Carlos da semana

Por Manoel Carlos
Atualizado em 17 mar 2018, 23h00 - Publicado em 17 mar 2018, 23h00

Você já se viu diante de alguma coisa, qualquer uma, e não soube dizer se era bonita ou feia? Uma escultura, um jardim, a cor de uma parede, um quadro, um verso, uma música?

Isso já aconteceu com você?

Se sim, o que você fez? Assumiu essa dúvida ou inventou um significado para encobrir sua ignorância? Afinal, o que você está querendo mesmo é um aval. Alguém que afirme o que você hesita afirmar. Você não se conforma, por exemplo, em não ter uma opinião sobre aquele chafariz que se ergue no centro da praça, piscando suas luzinhas azuis, verdes e vermelhas. Muitos param defronte dele e lacrimejam de emoção. Outros o odeiam com a
mesma intensidade:

— Um absurdo. Uma aberração. Um monumento ao kitsch.

E, diante da inevitável pergunta que Zezé certamente haveria de fazer, vinha a resposta:

— Kitsch é exatamente o que afirma o mestre Aurélio: “A estética da culinária”.

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Maria José, a Zezé, foi uma namorada minha, com quem eu passeava de mãos dadas nas noites de sábado, circundando a Praça Padre Bento, com seu pequeno chafariz iluminado. Era o passeio de sempre, o footing, como dizíamos, orgulhosos do nosso precário inglês de ginásio. Zezé, na volta de um dos nossos passeios noturnos, lindinha em seu uniforme de normalista, postou-se na frente do chafariz, franziu a testa e fez cara de entendida em tudo, definindo:

— Isso é arte moderna. Não se deve procurar seu significado porque não tem.

E continuou:

— Não sei dizer se isso é bonito ou feio. E também não sei se gosto ou não gosto.

Eu já conhecia esse aspecto da insegurança da Zezé. Sempre admirei sua indiferença por tudo que é estabelecido e visto como verdade incontestável.

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— Como incontestável? — perguntava ela, para ela mesma responder:

— Contesta-se até Deus, por que não se pode contestar esse Aurélio?

Mas também me seduzia ver aquela garota magricelinha, mas de seios altivos e coxas grossas, não saber tanta coisa! Sim, era o exemplo claro da enciclopédia invertida. Da mesma maneira se apregoam a erudição de alguém e seu não saber. Tudo o que ela ignorava era tudo o que todos sabiam. E, para completar, Zezé não era modesta. Muitas vezes participava do assunto sem saber nada, absolutamente nada. Zero!

Assim era uma das minhas namoradinhas sessenta e tantos anos atrás. Soube pela minha irmã Elza que Zezé está viva e com boa saúde. E ficamos de providenciar um encontro nosso ao redor de uma mesa de café com leite, pão fresquinho estalando, queijo de minas, biscoitinhos diversos. E tapioca.

Aí eu direi a ela que tudo o que vivemos juntos, namorados de mãos dadas passeando na praça do chafariz colorido, continua valendo para além do tempo. E, de tão leves, voaremos juntos para o céu. Onde vivem os anjos e os amantes que não crescem e não envelhecem.

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