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Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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Saudade do Rio

"Brasileiro não perde a mania de falar mal de si mesmo. Quando a gente mora fora é que a gente valoriza isso aí"

Por Redação VEJA RIO Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 jul 2018, 23h17 - Publicado em 3 jul 2018, 15h14

— Carlinha, tô ligando para contar uma novidade em primeira mão: estamos indo para o Rio mês que vem! Acabei de comprar minha passagem!

— Amiga, que notícia boa!!!

— Tô uma pilha! Você acredita que já tem mais de quatro anos que não vou?

— Tudo isso?! Que loucura, como o tempo voa…

— Nem me fala! Tô contando os minutos para ver o mar e curtir esse astral que só o Rio tem.

— Astral meio comprometido ultimamente, é bom você saber. Jeito de fim de festa.

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— Duvido! Brasileiro não perde a mania de falar mal de si mesmo. Quando a gente mora fora é que a gente valoriza isso aí. Eu tô com saudade até de buraco na rua.

— Nossa, então vai se esbaldar quando chegar.

— Quero ver aquele povo pedindo dinheiro no sinal, sentir aquele contato humano, sabe? Puxar conversa com o cara que vende chiclete, com os camelôs, com os mendigos doidões. Aqui você tá na varanda de um bar e não chega uma criança sequer pedindo algo pra comer, batendo papo com a gente. Eu gosto dessa interação, faz falta.

— Fica tranquila, vai ter de sobra.

— E o sol e o calor? Não vejo a hora.

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— Sol você vai ter. Calor ainda não tanto. No fim do ano São Pedro liga o maçarico.

— A gente vai te ver assim que chegar, hein? Vamos entrar na casa do meu tio, colocar roupa de praia e te encontrar para dar um mergulho. Depois a gente sai para comer e tomar um chopp em algum lugar. Vou pensar onde.

— Tá. Mas antes de decidir, dá uma pesquisada. Vê se ainda existe. Tá tudo fechando.

— Exageraaada… Certeza que o Rio tá lindo e bombando como sempre.

— Bombando só se for no sentido de ter muita bomba.

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— Quem ouve até pensa…

— Mas eu não entendi uma coisa. Vocês não estavam programando aquele tal safári maluco, mega radical para o mês que vem?

— Então, trocamos uma viagem pela outra. O Paul viu umas notícias recentes sobre o Rio e ficou todo animado. Ele está doido para viver aventura, emoções fortes. A gente se deu conta de que pra isso não tem lugar melhor que o Rio. E eu aproveito para finalmente ver todo mundo.

— Se é isso que o Paul tá buscando, tá fazendo a viagem certa. Vocês querem que eu busque vocês no aeroporto?

— Não precisa. A gente vai pegar um Uber. Tô achando sensacional o Rio com Uber. Na minha época não tinha esse luxo não.

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— Só toma cuidado. Tem que olhar bem se o motorista foi quem você chamou mesmo, ver a placa, tudo certinho. Porque já tem vários golpes rolando.

— Brasileiro é muito criativo mesmo. Sempre inventa algo novo. Soube que tem até um aplicativo para ver onde tem tiroteio, achei sensacional. O povo pensa em cada coisa!

— Ah, é. Criatividade não falta mesmo, nem instinto de sobrevivência. Mas me fala, vocês vão ficar na casa do seu tio, então? Não tá perigoso ali?

— Tá, super! É exatamente o que a gente queria. Adrenalina na veia. Começa na chegada, já na linha vermelha, e depois não para mais. Estamos animadíssimos! Você não tem noção do marasmo que é a vida aqui. A gente tá precisando fazer um detox dessa vida regradinha.

— Hmm. Imagino.

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— Tenho que pensar na programação. Porque o Paul quer ver os pivetes, as favelas, os assaltos, os moradores de rua, mas também quer conhecer as praias, o Leblon, a Lapa, Santa Tereza e, claro, os pontos turísticos. Vou ter que dividir o tempo entre isso tudo.

— Não precisa dividir, amiga. Indo em qualquer um desses lugares você já vê tudo que o Paul quer. Outro dia pararam até o bondinho do Pão de Açúcar porque teve tiroteio.

— Não brinca! O Paul vai surtar quando souber disso. Tá vendo? Muito melhor que safári.

— É, aqui é selvageria urbana. Guerra mesmo.

— Nem fala essa palavra! O Paul AMA tudo que tem a ver com guerra, com problemas sociais, ele estuda muito esses temas. Ver essas coisas ao vivo vai ser uma realização pra ele. Soube que tem até tanque na rua agora, né?

— Tem. Volta e meia tem vários.

— Ele vai pirar. Vai pedir até selfie com os militares, aposto. Que mais que tem rolado aí?

— Fora a violência, a pobreza e o descaso? Pouca coisa.

— Até parece. O Rio vive animado. Ô povo que sabe curtir a vida!

— É, saber sabe, mas não tem ninguém podendo gastar e nem querendo se arriscar. Tá todo mundo entocado. Eu mesma quase não saio.

— Deixa eu chegar aí que você se empolga rapidinho. A gente vai sacudir essa cidade!

— Não sacode não que é capaz de cair… Muita obra mal feita. Se chacoalhar a cidade desaba.

— Figura! Você não muda, né, Carlinha? Então tá combinado! Chegamos dia 5, sábado. Já deixa agendado o mergulho. Vamos colocar o papo em dia nas águas cariocas!

— Dentro do mar?

— Claro! Melhor coisa!

— Sei não…

— A gente faz aquele bom e velho esquema de deixar as coisas com algum desconhecido e vai. Clássico do Rio…

— Sim, quase tão clássico quanto mate, biscoito Globo e arrastão. O problema é que agora têm aparecido uns tubarões de vez em quando. Até tubarão-baleia já tivemos. Ando meio receosa de ficar no mar. Tô achando perigoso.

— Perigoso sempre foi, Carlinha. Com o nível de coliformes fecais, dependendo do momento e do buraco que a água entrar, tudo pode acontecer.

— Eu sei. Mas tubarão? E na onda, bem no raso!

— Incrível isso… Achei que o lixo, os plásticos e o esgoto dessem uma assustada.

— Na gente certamente dão…

— Agora você vê só. Se fosse tubarão gringo, ia ficar de frescura, não ia nem chegar perto. E se chegasse, ia morrer engasgado com o lixo ou intoxicado. Mas tubarão carioca é outra história. Vai lá pegar onda, cheio de marra. É malandro, se vira, dá o jeitinho dele. É outro astral… Vou avisar para o Paul que é para ele levar o snorkel e a máscara. Tô vendo que essa viagem promete!!!

Luisa Mascarenhas é escritora e psicóloga, criadora da página de humor Pirei Online e autora do livro A Vida Virtual Como Ela É

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