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Por Luciana Brafman, jornalista e professora da PUC-Rio
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A pandemia do trabalho

Doenças ligadas ao emprego matam tanto quanto a Covid-19. Males do desemprego, como os da ficção de Costa-Gravas, também são potencialmente mortais

Por Luciana Brafman
Atualizado em 11 out 2021, 14h54 - Publicado em 11 out 2021, 14h54

São 1,9 milhão de mortes em um único ano. Coincidentemente, os números se assemelham, mas não são referentes à Covid-19 – doença que, em 2020, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, levou 1,88 milhão de pessoas a óbito no mundo todo. Há, portanto, uma outra pandemia em curso. Estudo divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), revelou que as causas das mortes dessas 1,9 milhão de pessoas, em 2016, foram questões relacionadas ao trabalho.

De acordo com “Estimativas Conjuntas da OMS/OIT da Carga de Doenças e Lesões Relacionadas ao Trabalho, 2000-2016: Relatório de Monitoramento Global”, a maioria das mortes relacionadas ao trabalho ocorreu devido a doenças respiratórias e cardiovasculares. As doenças não transmissíveis foram responsáveis por 81% das mortes. As principais causas citadas no estudo foram doença pulmonar obstrutiva crônica (450 mil mortes); acidente vascular cerebral (400 mil) e doença isquêmica do coração (350 mil). Lesões ocupacionais causaram 19% dos óbitos (360 mil).

Os pesquisadores mapearam 19 fatores de risco ocupacionais, como longas horas de trabalho e exposição no local de trabalho a poluição do ar, elementos que causam asma, carcinógenos, fatores de risco ergonômicos e ruídos. A exposição a longas horas de trabalho foi relacionada com nada menos que 750 mil mortes! O estudo, embora referente ao período entre 2000 e 2016, destaca que o total de doenças ligadas ao trabalho no mundo é provavelmente maior que o estimado, já que outros fatores de risco ocupacionais ainda não são passíveis de quantificação.

O relatório alerta ainda para os efeitos da pandemia de Covid-19, que já sentimos na pele e logo entrarão em estimativas futuras. Não há mais detalhes sobre a Covid-19, mas uma olhadinha despretensiosa nas redes sociais, um rápido bate-papo com os amigos e, muitas vezes, a nossa própria situação laboral revelam claramente os danos de ficarmos horas e horas na frente de telas, sem limites entre trabalho, descanso e lazer, num ritmo louco de 24 horas por dia, 7 dias por semana, estimulados por dispositivos dos quais não nos desconectamos nem dormindo. Ou seja, as longas jornadas – agora híbridas – estão cada vez mais longas e ininterruptas.

Capitalismo acelerado, sociedade do cansaço e outros nomes ajudam a batizar o que está acontecendo. Estudos como o da OMS/OIT servem, então, como uma forma de conscientização para governos, empresas e trabalhadores. Felizmente, já há alguns países e corporações mais atentos à responsabilidade social, preocupados, respectivamente, com a saúde de suas populações e seus funcionários. Mas os números denunciam que não basta. O quadro, silencioso, é assustador e requer uma adesão generalizada para revertermos a situação.

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Por outro lado, o trabalho é fundamental para nossa saúde mental, nos oferece propósito, prazer e dinheiro. O trabalho confere identidade na sociedade moderna, um caminho para nossa realização, um “lugar ao sol” na coletividade. No Brasil, de acordo com os dados mais recentes do IBGE, há 14 milhões de desempregados. São pessoas sem esse desejado “lugar ao sol”, indivíduos que – eu tenho certeza – adorariam estar empregados, ainda que em condições desfavoráveis como as descritas no estudo. Os trabalhadores se encontram, portanto, entre a cruz e a espada, ou seja, entre o que chamei de “Pandemia do Trabalho” e o enfrentamento dos males do desemprego.

Enquanto escrevo sobre o desemprego, lembro de “O Corte”, um filme de Costa-Gravas, de 2005. Ambientada na França, a história conta de forma brilhante a situação absurda à qual se sujeita um executivo comum, que se vê, de repente, desempregado, após 15 anos trabalhando na mesma empresa. O corte, com duplo sentido, faz referência também aos assassinatos que o protagonista, insanamente desesperado, decide cometer para eliminar as pessoas que concorrem à mesma vaga que ele, quando surge, enfim, uma nova oportunidade de emprego. As críticas sociais, acompanhadas das nossas risadas nervosas, estão por toda a parte da película.

Nessa gangorra entre o desemprego assassino de Costa-Gravas e o emprego insalubre, também assassino, do estudo da OMS/OIT, acredito que haja um espaço para o equilíbrio. E é por esse equilíbrio que, como sociedade, precisamos trabalhar.

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