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Por Luciana Brafman, jornalista e professora da PUC-Rio
Economia, finanças pessoais e comportamento financeiro até pra quem não gosta
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Pague o que achar justo

Modelo inusitado de cobrança, como o adotado pelo MAM Rio, estimula a conscientização socioeconômica

Por Luciana Brafman
Atualizado em 31 ago 2020, 11h49 - Publicado em 31 ago 2020, 10h43

Sabe quando a turma toda fica de castigo porque o bagunceiro acerta a bolinha de papel nas costas do professor? Ou quando os bueiros entopem e as ruas alagam porque parte da população joga lixo nas ruas? “O justo paga pelo pecador” resume a ideia. É um daqueles ditados populares que servem para muita coisa nesta vida, inclusive em tempos de pandemia.

Quando se trata de economia, há um detalhe curioso: o justo literalmente paga pelo pecador, ou seja, arca com seus custos financeiros. Fácil constatar isso na conta de luz, inchada com as perdas oriundas de “gatos” elétricos. Ou em determinados boletos de condomínios onde a inadimplência é elevada. Não tem mágica pra fechar a conta. Se o seu vizinho não paga, você é quem vai pagar mais caro. Sonegação e corrupção também entram nessa lista – em que cada cidadão honesto carrega o peso de um punhado de pecadores nos ombros. Ou melhor, nos bolsos.

Às vezes, o justo e o pecador se encontram pra almoçar no rodízio do restaurante. E, nesse caso, ninguém obrigou o justo a fazê-lo, não existe má-fé. Mesmo assim, ele paga pelo pecador. Por livre e espontânea vontade, o camarada que come pouco – em relação ao valor do rodízio – desembolsa mais dinheiro do que precisaria. É esse “excedente” que compensa o prejuízo causado por gulosos pecadores.

Certas lógicas e papéis desempenhados nas relações de consumo são automaticamente aceitos e naturalizados. Para se chegar a modelos socioeconômicos diferentes, uma alternativa é a conscientização individual, que costuma levar ao bem coletivo.

Exemplo recente é a iniciativa do Museu de Arte Moderna do Rio. Após cinco meses fechado por causa da pandemia, o MAM Rio decidiu reabrir suas portas de um jeito inusitado: sem cobrança obrigatória de ingresso. “Na bilheteria, haverá apenas uma tarifa sugerida: o visitante paga se puder e o quanto julgar justo. A nova gestão, com Fabio Szwarcwald à frente, quer tornar a instituição mais aberta e solidária, e investir na formação de público”, explica a matéria da jornalista Marcela Capobianco publicada há alguns dias aqui na Veja Rio.

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Para que este engenhoso e, ao mesmo tempo, simples esquema do museu funcione, os visitantes que têm condições devem pagar, e só o farão se concordarem que o valor do ingresso é justo. Ou se eles estiverem dispostos a apoiar a causa de uma cultura mais democrática. Pagar mais que o sugerido é também uma escolha.

O modelo de negócios implícito – que considera a subjetividade do termo “justo” – pode ser interessante mesmo quando não estão em jogo propósitos sociais ou culturais. O Curto Café, no Centro do Rio, é prova disso. Funciona há mais de seis anos no sistema “pague o que achar justo”. O valor mínimo sugerido para o cafezinho, que leva em conta custos e lucro, fica exposto em um quadro, mas o cliente é soberano e, empoderado, deixa o dinheiro que quiser. Não há cobradores. Percebido com desconfiança no início, na terra em que carioca é tido como malandro, o modelo virou um case de sucesso. O local fatura alto com venda de produtos, muitos de fabricação própria. Costuma lotar. O fato é que os clientes se sentem bem com a proposta e ficam propensos a desembolsar para manter o serviço. Agrada.

Histórias como a do MAM Rio e a do Curto Café são ainda exceções, e muitas delas não conseguem ir adiante, mas todas surpreendem e inspiram, plantam uma semente. A ideia por trás, vista como estratégia de marketing, envolve conceitos sutis e instigantes, tais quais transparência de contas, honestidade e foco na relação de consumo. Se bem-sucedida, pode ajudar tanto na conscientização do consumidor e nos lucros de um pequeno empreendimento, como nos ganhos de toda uma sociedade, capaz de apurar um pouco mais seu senso de coletividade e justiça. É quando o velho ditado muda e, finalmente, “o justo paga pelo justo”.

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