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Por Lelo Forti, mixologista
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O futuro da coquetelaria

Drinques gaseificados, mais ácidos e com novas cores invadem os balcões mundo afora. Será uma nova tendência?

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14 out 2020, 21h11

Como no mercado financeiro, o mundo da coquetelaria também é movido por diferentes especulações. Não falo do mercado multibilionário da indústria alcoólica e suas ações no índice Dow Jones e sim do rumo das coqueteleiras, do consumo e suas tendências. É impossível saber exatamente quem, quando, onde e por que as coisas mudam ou simplesmente acontecem, mas é sabido que desde a globalização e a era das mídias sociais, o consumo, seja ele qual for, segue um padrão. Como na moda, onde quem dita as regras são renomados estilistas, costureiros conservadores e novos transgressores da linha e agulha, na coquetelaria quem dá as cartas do que servir e como servir são bartenders e seus bares famosos, muitas vezes (ou não) patrocinados por um caminhão de dólares oriundo das indústrias do álcool destilado.

Desde a revitalização do gim-tônica, a expressão “nova tendência”, tem sacudido o mercado de bares igual à invasão das coqueteleiras e seus shakers barulhentos e cheios de bossa. Essa novo consumo nos bares segue um certo padrão: “from outside” (veio de fora). Estados Unidos (Nova York) e Europa (Londres), além de serem os berços principais da coquetelaria, são mandatários quase que exclusivos do que se vai consumir no balcão. Até aqui, nada incomum, afinal são estas cidades que possuem bares tradicionais, famosos e onde os “caras” de bar acontecem e de onde a grande maioria de profissionais se inspira. Mas a coisa parece estar tomando outro rumo, lentamente. Já andamos exportando mão de obra brasileira para outros países e, antes da crise e da pandemia, já era bem comum termos diferentes sotaques atrás das “barras” tupiniquins, prova de que estamos entrando no hall da fama. Bares e bartenders brasileiros já aparecem entre os 50 melhores do mundo. Coisa impensada há bem pouco tempo.

Drinques em casa

O assunto é tão relevante e que pedi um “help” para alguns “brothers” da coquetelaria. Talvez vocês não os conheçam, mas são profissionais como eles que influenciam diretamente no consumo, porque são “experts” no assunto e ensinam muito mais do que receitas de coquetéis e ainda inspiram uma nova geração de “cantineros” (expressão cubana para bartender).

Márcio Silva acredita que a profissionalização e a humanização são os fatores principais quando se fala em rumos da profissão. “Antes de ser uma indústria de bebidas, é uma indústria de pessoas. Para ser um profissional melhor, tem que ser um humano melhor”, defende. Este paranaense cidadão do mundo circula entre os profissionais de bar mais influentes do mundo. Márcio destaca que o minimalismo tropical é a melhor tendência. “O coquetel tem que falar por ele mesmo. Transformar o simples em wow”. Segundo ele, o estilo latino está na moda pela irreverência e pelo alto padrão de profissionalismo. “Acredito num consumo sem categorias no futuro, mas vejo um crescimento em bebidas descansadas/envelhecidas em diferentes barris”. Márcio conclui defendendo que coquetéis clássicos sempre serão apreciados e que são eles que inspiram os profissionais a trabalharem e expressarem a cultura brasileira.

Já Marco De La Roche, outro “monstro” da coquetelaria “Made in Brazil”, explica que o inconsciente coletivo forma o campo das ideias e tendências e que grandes grupos de marcas observam estes movimentos e transformam isso em um produto. “Se essa transformação for coerente ao desejo de mudança real do consumidor a gente tem uma realização. O bartender por si só não cria uma tendência, muito menos a indústria de bebidas. Ela nasce de uma necessidade natural da sociedade naquele momento, transformada em um estilo de consumo e isso é bem recebido pelo mercado consumidor”. Consultor de bares e Editor do Mixology News, um dos maiores portais sobre bares, bebidas e afins, Marco acredita que, no futuro, não tenhamos mais um único fio condutor, uma única tendência. “Diversificar as possibilidades. Não é mais possível afirmar: “todo mundo bebe isso ou aquilo”. A pluralidade de consumo é necessária, real, e vamos ter que reconhecer os diferentes grupos”, idealiza. As tendências acontecem naturalmente pela mudança de comportamento do próprio consumidor”, finaliza.

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Para o mixologista e empresário de bares Alex Miranda, outro grande influenciador da coquetelaria, a grande onda surfada por agora são os drinques enlatados, engarrafados e em bags. “A pandemia mudou tudo. Todo mundo em casa teve que adaptar o consumo aos delivery e isso atraiu um consumo de coquetéis engarrafados, em bags plásticas como fizemos na Mixxing Bar is Cool. Nossos drinques chegaram em embalagens práticas e seguras e isso revolucionou o modo de consumir”, comemora. Sobre o futuro, o bartender com o sorriso mais largo da coquetelaria nacional acredita que as pessoas estão abrindo seus paladares para o whisky. “Dos clássicos às releituras e criações, vejo no whisky essa grande nova potência de consumo”, acredita.

Outubro Rosa

Rio de Janeiro e São Paulo talvez sejam a espinha dorsal da coquetelaria nacional. Não é bairrismo, muito menos preconceito. São as duas maiores cidades do Brasil, e o Rio, em particular, tem o turismo global como aporte para criar, desenvolver e assumir o papel de mudança. A ponte aérea da coquetelaria acontece naturalmente e isso desenvolve a pluralidade da categoria. O norte brasileiro empresta seus sabores desconhecidos da maioria através da sua gastronomia e de seus milhares de produtos amazônicos. O nordeste tem o clima, o calor, a beleza natural que nos servem de inspiração para o colorido.

São as cores que percebo mudarem nos copos entregues aos clientes. O Aperol Spritz é um exemplo disso. Há quem diga que ele representa o pôr do Sol de Veneza. Hoje já percebemos cores vibrantes e nunca antes usadas com frequência na coquetelaria. Rosa, roxo, violeta e azul, só pra exemplificar, dão uma nova roupa e um ar moderno, fresco e saboroso. Outra moda que está pegando aqui na cidade são os coquetéis gaseificados, os desconhecidos Fizz da maioria do publico consumidor, mas que já têm uma aceitação incrível.

Fizz – dentro da coquetelaria são coquetéis que têm, em sua composição, algum líquido gaseificado. Virou febre por aqui. Se hoje já é possível gaseificar facilmente qualquer tipo de bebida instantaneamente num bar é graças a um inventor brasileiro, carioca, que tem se destacado no Brasil por sua invenção simples, porém a custo de muito tempo, dinheiro e experimentos mil para se tornar prático e real. “Foram sete longos anos de desenvolvimento até achar uma maneira que agregasse ao mundo de bebidas a carbonatação velocidade de entrega e uma forma possível para gaseificar, em segundos, e que ainda qualquer um  pudesse realizar esse processo”, revelou Leopoldo Almeida, idealizador da marca Preshh, que tem atraído cada vez mais adeptos em bares, restaurantes e cafeterias pelo Brasil. Seu processo é simples e bem eficaz. Leopoldo percebeu que a invenção do inglês Joseph Priestley, que, em 1767, adicionou dióxido de carbono na água (CO2) e deu vida às bolhas artificiais, poderia ser um nicho de mercado promissor, depois de uma conversa com um bartender que expressara sua dificuldade em criar misturas gaseificadas.

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Com um cilindro de CO2 em mãos e uma ideia na cabeça, nosso inventor fluminense transformou a cozinha de casa em oficina e iniciou os experimentos de como seria possível gaseificar qualquer líquido facilmente. Centenas de testes depois e inúmeras brigas familiares devido à bagunça surgiu uma tampa valvulada capaz de gaseificar tudo. Sabe a coca-cola da geladeira que perdeu gás depois de muito uso? Com Preshh é possível trazer o refrigerante novamente à vida. A invenção de Leopoldo virou patente e hoje uma febre entre os bartenders. “Preshh foi adotado com pela elite da coquetelaria nacional. Um novo universo se abriu nas possibilidades de criação de bebidas antes não ofertadas por não serem viáveis tanto na produção, quanto em seu custo de produção”, descreve o inventor, que acredita ter disponível em algum momento do próximo ano a versão doméstica do equipamento.

A carbonatação é a bola da vez na coquetelaria. Começou pelo G&T, Aperol Spritz, Ramos Gin Fizz e os coquetéis HighBalls, (uma base alcoólica, gelo, copo longo e algo gaseificado), simples, rápidos e objetivos. Pode ser o calor, o clima tropical, a agilidade e rapidez na execução e entrega do coquetel e outros tantos motivos. O que sabemos já é que bar bom que se presa atualmente tem alguma versão ou criação gaseificada, colorida, cítrica, saborosa e que tá virando febre. Que o digam os bartenders do meu querido Stuzzi Gastrobar com seu fenômeno chamado Di Ângelo. Uma mistura cítrica e refrescante, à base de gim, gengibre, suco de limão e um chá artesanal de capim limão, tudo isso gaseificado, um a um no sistema do Leopoldo. Tornou se febre de consumo, a ponto de ter fã clube no instagram. Algo simples, apelativo, rápido e muito saboroso. Pediu, pagou, levou. Simples assim.

As bolhas sempre foram atraentes ao consumidor desde sua descoberta. Apesar da fama francesa de produzir os melhores espumantes do mundo, foi na Inglaterra onde nasceu o vinho gaseificado artificialmente que se tem conhecimento. Em 1665 foram adicionados levedura e açúcar ao vinho francês. Já a produção de Champagne, como conhecemos, iniciou somente no século XVII. A água gaseificada artificialmente, como conhecemos hoje, aparece na história em 1807, com a primeira patente britânica sobre o assunto. Foi a família de Johann Jacob Schweppe que o fez. Reconhece o sobrenome? Toda prateleira de alguma loja de bebidas, supermercado ou padaria tem essa marca exposta e suas diferentes versões gaseificadas.

Até 1970 o cinema utilizava se de sifões de CO2 para gaseificar coquetéis em dezenas de filmes. Tornou se comum e corriqueiro nobres cavaleiros ingleses consumirem brandy e água gaseificada com CO2. Com a escassez do cognac causada pelas invasões napoleônicas e pela praga, que devastou os parreirais francesas, a nobreza inglesa viu-se obrigada a substituir o destilado de uvas pelo whisky escocês. Até 1960 esse consumo se dava sem gelo. Highballs repletos de uma parte de whisky e o restante de água com gás. Whisky soda, famoso e talvez o primeiro highball da era moderna, aparece com gelo em programas de TV. Tava feita a nova moda e a nova tendência de consumo. Outra vertente dos gaseificados são as tradicionais sodas italianas, que, sem álcool, trazem um frescor e uma gama infinita de misturas para um público seleto, crianças e adolescentes e consumidores adeptos ao consumo de álcool free. Basicamente é: um xarope, um chá ou um suco misturado com água gaseificada ou gaseificado artificialmente.

No final das contas fica bem complicado eleger ou assumir um lado ou partido sobre o assunto. Com todo bartender que eu converso nascem previsões de futuro, muitas vezes baseadas pelo consumo deste ou daquele lugar e uma certa dose de achismo. O que podemos talvez afirmar é que os padrões de consumo, as regras, (ou falta delas), o modismo, estilo de vida, as influências sociais, econômicas e educativas, o prazer, a satisfação, a experiência, a hospitalidade podem ser fatores atribuídos ao que chamamos de novas tendências, mas uma coisa é certa: o consumidor vai aonde é bem atendido, aonde a experiência será a melhor possível, e claro, aonde tiver algo novo e ou diferente para consumir, mesmo que ele não faça ideia do que está pedindo, simplesmente viu na mãos de algumas pessoas o mesmo produto: isso será moda? Influência ou obrigatoriedade? Diz você.

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Cheers.

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