Direito do passageiro na pandemia: mediação ou processo?
A MP 948 fragiliza o direito do viajante em cancelamentos e remarcações na pandemia, mas a mediação pode ser uma solução para resolver os conflitos
A pandemia trouxe prejuízos enormes para empresas e consumidores. De um lado, viajantes tiveram viagens suas suspensas. De outro, até maio, o trade anunciava perdas que ultrapassaram os R$60 bilhões, rombo que, segundo a FGV, pode passar dos R$161 bilhões até o fim do ano. Para proteger as empresas da falência, o governo editou a MP 948, que protege o setor, mas fragiliza o direito dos consumidores em possíveis processos judiciais. No meio disso tudo, a mediação surge como uma alternativa para solucionar problemas causados pelos cancelamentos. E para ambos os lados.
Para entender melhor o que é mediação e de que forma ela pode ajudar empresas do turismo e consumidores, conversamos com a Bacharel em Direito Ana Maria Esteves Kaiuca, capacitada em negociação pela Teoria da Negociação da Harvard University, mediadora sênior do TJ-RJ, e diretora da EQUILIBRE Gestão de Conflitos
O que é a mediação?
Ana: A mediação é uma mudança de paradigma, que se faz ainda mais urgente nesse momento que estamos vivendo. Você pode brigar, ou buscar consenso. A lógica binária da justiça – com um vencedor e um perdedor – não pode ser a única. Não precisa ser assim; o mundo tem que mudar, e as pessoas são capazes de resolver suas questões através do diálogo.
O que ocorre no processo judicial é que cada advogado conta a sua história, e as pessoas envolvidas acabam não sendo ouvidas. Ainda hoje, o advogado usa o litígio como única forma de resolução. Na mediação, a mudança é que os envolvidos têm voz, são os protagonistas da história. A mediação é uma fazedora de pontes; os lados sentam e, com a ajuda do mediador, chegam a acordos que são bons para todos os lados. Claro que em casos de coação, ela não cabe. Mas nas disputas de consumo, são uma ótima alternativa.
Para a área de turismo, ela funciona?
Ana: Sim, muito. Tivemos o caso de uma viajante que comprou um pacote em uma agência pequena e viagem precisou ser adiada para uma data que não satisfazia a consumidora. Houve a mediação, e a agência fez um outro pacote sob medida para a cliente, que ficou ainda mais satisfeita. Um resultado que talvez não tivesse ocorrido em uma disputa judicial.
E nesse momento, as empresas estão respondendo à mediação, se judicialmente estão protegidas pela PL 948?
Ana: Sim, estão, boa parte delas. As empresas sabem que responder envolve também a questão da imagem, e a fidelização do cliente. Além disso, quando o consumidor busca o diálogo e a empresa não responde, isso pode significar um processo mais à frente. E talvez saia mais caro, uma vez que a Justiça entende que a empresa se negou a negociar.
Então, se a empresa não responder, a ideia é ir para a Justiça?
Ana: Quando a empresa não atende e o cancelamento não é feito, é possível ainda chamar para a mediação a empresa de cartão de crédito. O cartão não aceita cancelamento de parcelas, mas nesse caso, existe quebra de contrato e a operadora do cartão pode ser chamada para discutir o direito de cancelar.
Por exemplo?
O cliente fez uma compra em 10 vezes de uma viagem que foi cancelada. Ele fez um dívida para um produto que não poder desfrutar, e a remarcação nem sempre funciona. Essa pessoa pode não poder tirar férias mais para frente, ou não ter mais o dinheiro disponível para uma viagem em função do impacto financeiro que a pandemia gerou para todos. Então pode-se tentar a suspensão do pagamento. As pessoas precisam sentar e decidir, e de forma razoável. A empresa tem que escutar o cliente, e vice-versa, mais do que nunca.
Atualmente, as empresas não estão cobrando multa para remarcação das passagens, mas em alguns casos, o viajante é onerado com mudanças de tarifas entre as datas.
Ana: E é razoável não só que não haja multa, como que não seja cobrada diferença tarifária para mesma data do ano seguinte. E isso vale para pacote, passagens ou hotéis. A mediação, nesse momento, cai muito bem. O que consumidor quer, e como a empresa pode atender? Vale lembrar que o mediador trabalha com ferramentas que provocam mudanças de comportamento nos envolvidos, com testes de realidade e conversas individuais.
E como estão os processos judiciais nesse momento?
Ana: O prazo da resolução de um processo no Juizado Especial leva cerca de 1 ano, e isso se não for para outra instância. E nesse momento, há um recesso judicial por causa da pandemia e uma demanda represada. Os prazos tendem a ser muito maiores. Para quem tem urgência, pode não ser um bom caminho optar pela Justiça.
E a mediação?
Ana: Normalmente, a partir do momento que a empresa responde, cerca de duas semanas.
E que cuidados o consumidor precisa ter cuidado na escolha do mediador?
Ana: As câmaras são espaços de mediação e arbitragem, sujeitas ao código de ética, quando conveniadas ao Tribunal de Justiça ou ao Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA. Um cuidado ao escolher uma câmara de mediação é observar se estão conveniadas a uma das duas instituições. Se estiver conveniadas às duas, melhor.
E o acordo tem valor legal?
Ana: É como um contrato com validade jurídica ou previsto em lei. Quem não cumprir, aí sim deve ser acionado judicialmente.