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Por Gilberto Ururahy, médico
Especialista em medicina preventiva
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Coronavírus: nossas casas, nossos manicômios

Três máximas que podem ajudar a evitar que sua casa se transforme em manicômio em tempos de pandemia

Por Gilberto Ururahy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
31 mar 2020, 15h44

Recebi o texto abaixo do meu amigo Ricardo Braga, psiquiatra e psicoterapeuta, a quem pedi licença para compartilhar com os leitores desta coluna por ser muito apropriada para o momento em que estamos passando.

Boa leitura!

NOSSAS CASAS, NOSSOS MANICÔMIOS, por Ricardo Braga

Três máximas que podem ajudar em tempos de pandemia a evitar que sua casa se transforme no seu manicômio.

1. Lar Doce Lar

Nosso personagem soube que seria liberado de trabalhar pelos próximos 15 a 30 dias, remunerado integralmente pois era funcionário público. Mal conteve sua alegria: Férias, de novo! Depois do Carnaval e antes da Semana Santa! Estava radiante: vou passear com as crianças nos parques, colocar minhas leituras em ordem, ver as séries da TV que não consegui assistir por falta de tempo e – namorar e namorar – uma nova lua de mel com madame X. Isolamento, Quarentena, Férias: aqui vou eu!

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O isolamento devido a pandemia do coronavírus pegou todos nós de surpresa. Nunca passamos por isso antes e esperamos não passar de novo. Pânico, medidas preventivas de saúde pública ou excesso de intervenção na nossa vida privada por parte dos integrantes do governo – difícil saber. Pelo menos no momento em que estamos – na segunda semana de reclusão. Mas a primeira ideia que muitos fizeram foi de férias amplas, gerais e irrestritas. Mas depois de um certo tempo, isolados e vivendo juntos, serão mesmo férias?

2. O inferno são os outros!

Passada a euforia inicial, caiu a ficha: não se trata de férias de verão e sim de prisão domiciliar – sem tornozeleiras, isto quer dizer: você escolhe se vai ficar isolado totalmente, dar uma saidinha ou não! O homem está condenado a ser livre e escolher – parafraseando o filósofo francês! Mas quem arrisca sair?

É muito comum seguir-se um período de ansiedade, irritação e sentimentos de tristeza depois de um período de isolamento forçado. Depois de uma pandemia, passada a euforia inicial, é compreensível acontecer um sentimento de ruína ou de fracasso iminente! Será o fim? Castigo divino – o início do Apocalipse? Sentimentos de uma leve depressão ou agravamento de uma depressão preexistente ou que já estava a caminho.

São comuns três tipos de reações na hora do aperto: depressão, paranoia e neurose. Se você coloca a culpa do problema em si mesmo, está deprimido. Se acusa alguém por essa ameaça, sofre de paranoia. E se tenta evitar o desastre negando-o e tendo atitudes de evitação, como passar álcool gel e tomando banho a toda hora, pode estar neurótico. Mas tudo isto hoje pode ser considerado absolutamente normal.

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Na época da gripe espanhola atribuiu-se a doença, que matou de 50 a 100 milhões de pessoas, ao castigo divino pelos erros cometidos, e ainda foi considerado por muitos ser devido à passagem de cometas nos céus e até a uma arma biológica que os inimigos na primeira grande Guerra Mundial prepararam contra os aliados! – não muito diferente do que já ouvimos, atualmente dos relatos que circulam por aí, tudo dentro da ‘normalidade’ do momento. Quando não conseguimos diferenciar o normal do patológico, a situação está mal – mas o pior já passou.

Mas como anda nosso isolamento social ou quarentena?

Como é difícil viver confinado dentro de casa sem ter o que fazer. Nosso personagem já colocou em dia suas leituras e as séries de televisão que agora não parecem mais tão interessantes assim. Não vê a hora de sair e dar aquela relaxada em um barzinho do bairro e tomar aquela cervejinha gelada. Mas não, longe disso. Mesmo se o fizesse e se o barzinho estivesse aberto estaria sem seus companheiros de copo!

Bom, continuamos em casa. Madame X já não vê a hora de tudo voltar ao normal! Será que ninguém lava a louça ou será que a sujam de propósito? Todos estão surdos ou abobalhados diante de tantos reprises de jogos de futebol – e o pior, torcem como se já não soubessem qual é o resultado do jogo!

Sartre tinha toda razão quando descreveu que o inferno são os outros. Quem comeu o último pedaço de queijo? Abaixa o som da televisão, pelo amor de Deus! Já falei mais de dez mil vezes! Não demora no banho que a água vai acabar! Desliga o ar-condicionado que não sou sócio da Light! Larga o celular pois de nada adianta estarmos juntos cada um no seu aplicativo! E você está gastando toda a internet!

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Meus pais querem conversar comigo o tempo todo! Não vejo a menor necessidade e nunca os vi tão disponíveis! Só porque não têm mais o que fazer querem conversar! Eu tenho que ganhar os campeonatos de video game que estão bombando. Além dos grupos de Whatsapp que me mandam vídeos engraçados o tempo todo. Não tenho esse tempo todo e odeio ter que comer na mesa todo mundo junto o tempo todo! Acho que eles estão ficando neuróticos. Lua de mel? Lua de fel – não vejo a hora de você voltar a trabalhar e parar de comer a toda hora e engordar que nem uma baleia! Quero ficar sozinha! Socorro!

Pois é, viver é conviver. Mas conviver enclausurado é outra coisa. As manias ficam exacerbadas e o ócio compartilhado diminui nossa falta de educação. É preciso disciplina para dividir o mesmo espaço que se torna cada vez menor – as pessoas costumam ser espaçosas.

3. Recomendações para a melhor quarentena possível

Estamos vivendo um isolamento social orientado pelas autoridades. Ainda não é uma quarentena ou uma lei marcial para quem sair de casa sem necessidade. Mas … Por via das dúvidas é bom nos prevenirmos.

Viver é conviver. Mas conviver obrigatoriamente requer sabedoria, orientação e fundamentalmente, disciplina. Sugiro três máximas conhecidas que poderão ajudar no melhor convívio possível.

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1. A Virtude está no meio

Aristóteles no século V antes de Cristo , em seu livro ‘A Ética’ nos sugere o exercício da virtude como forma para alcançar o principal fim das nossas atitudes e de nossa vida– a Felicidade. Mas como se alcança essa tal virtude que nos leva à felicidade?

Alcançamos com a prática da escolha racional dos melhores caminhos a seguir – deve-se evitar os extremos – assim o caminho do meio, do centro, encontra o equilíbrio e a felicidade. Devemos regular nossos apetites, emoções e sentimentos – em uma palavra: nossas paixões. Para isso é preciso ter disciplina e escolher sempre o equilíbrio entre os extremos, que vão da falta ao excesso. Não dar vazão aos apetites, ou às emoções é tão ruim quanto perder o controle deles. A virtude está no meio. E precisamos usar nossa razão para seguir os melhores caminhos do bem viver – racionalizar nossas condutas e formular juízos baseados não só nas emoções ou sentimentos mas também no uso da nossa da razão.

Por exemplo, o pânico e de a falta de esperança nos levarão a ansiedade e ao desespero que por sua vez nos trará comportamentos desajustados – vão nos incapacitar para um lazer criativo e vão estimular nossos vícios – se comermos , nosso apetite poderá se traduzir como gula, se bebermos, seremos tentados a uma avidez sem fim e se vermos televisão seremos capazes de passar o dia inteiro preso à telinha, sem falar de consultas constantes aos aplicativos dos nossos celulares. Deus nos livre de perdermos o celular agora ou dele quebrar. Tente imaginar o que seria de você se seu aparelho desse pane nessa hora de agora! Desespero! Horror! Pavor!

É bom lembrar que o ócio pode transformar-se em violência, doença mental, vício e preguiça. Mas se soubermos usar bem nosso tempo conseguiremos desenvolver nossas virtudes mesmos isolados.

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2. Mens sana in corpore sano

Em torno do século I depois de Cristo – Juvenal, um poeta romano escreveu um livro de poesias. Nele, na Sátira X, encontra-se uma frase, ‘mens sana in corpore sano’, que já foi tão repetida quanto mal compreendida, e que atualmente entende-se assim: uma mente saudável traz benefícios para o corpo e um corpo saudável leva saúde para a mente. Trocando em miúdos – cuide do seu corpo, exercite-se, mesmo recluso em casa. Existem aplicativos que ensinam a fazer ginástica sem sair de casa. Separe um horário no dia, um lugar em casa de seu agrado, roupas leves e mãos a obra – só depende de sua força de vontade. Mas por falar em força de vontade –ela vem do corpo ou da mente? Se vier da mente saiba que, com boa vontade, uma mente saudável influencia e leva a um corpo saudável. Uma serenidade, uma alegria e pensamentos direcionados a um bem viver – trarão resultados positivos ao o, seja no que diz respeito a diminuição da ansiedade e de apetites, o que acaba refletindo na saúde corporal.

Como cuidar da sua mente? Uma coisa é a mente outra coisa são as escolhas espirituais que você faz e que acredita como conduta ética para sua vida. Por exemplo, costuma-se dizer – mente vazia é oficina do diabo. Assim, recomenda-se preencher sua mente com pensamentos e hábitos que possam levá-lo a um caminho do bem-estar, físico, mental e espiritual. Alguns mais espiritualizados recomendam práticas religiosas e hábitos morais que dominem os apetites e os desejos da carne. Outros recomendam praticas de meditação como maneira de limpar a mente de pensamentos ruins que devem ser eliminados e outros pregam uma programação neurolinguística para direcionar a mente a pensar positivamente. Todas são práticas que procuram dominar a mente, uma máquina de pensar e para reger nosso organismo.

Em uma palavra, nosso Eu ou nosso Self, procura controlar nossa mente automática ou inconsciente. Trocando em miúdos, precisamos exercitar-nos não só com exercícios mas também com práticas intelectuais que treinam nossa mente para a atenção e concentração necessárias para colocá-la em boa ação. Com isso, dominamos nosso corpo e nossas emoções mais primitivas que nos levariam em última instância a comer, beber e dormir somente – no extremo, tornando-se vícios e não virtudes.

Pegue um livro, leia, exercite sua atenção, raciocínio, paciência além da memória e imaginação. Mas para que não se confunda como apenas mais uma atividade de lazer, é preciso que tenha hora, local, intervalo e fim – é um trabalho.

Se puder trabalhar em casa, muito melhor – escolha um lugar, tenha horários e descanso. O trabalho para se configurar como trabalho tem uma configuração diferente da diversão. Para o corpo são é preciso uma mente sã, e uma mente sã requer que você a treine com trabalho, lazer e descanso. E essas atitudes são guiadas pelo seu espírito, pelo seu eu superior, enfim, por você mesmo, não espere que isto aconteça sem planejamento.

Da mesma forma, ocupe seu corpo com exercícios físicos necessários para seu bom funcionamento. Satisfaça seus apetites com moderação e não esqueça que gula não é apetite. Não confunda alimentação com lazer e saiba que a mistura das duas chama-se gastronomia e esta não é para o cotidiano, apenas para ocasiões especiais, mesmo que frequentes , mas nunca diariamente.

Por último, respire e preste atenção em sua respiração por algum período do dia, seu organismo também se alimenta de oxigênio e você precisa respirar adequadamente, além do que a prática de observar a respiração costuma ser uma parte das meditações tao em voga atualmente.

Em resumo:

Para o corpo – exercícios, respiração, boa alimentação, descanso e força de vontade para seu controle.

Para a mente – bons pensamentos, escolhas dos melhores caminhos a seguir, serenidade , alegria , pensamentos positivos e boa vontade.

3. As razões de cada um – ou a arte de viver bem e conviver bem

Bom, agora que você cuidou de seus medos e culpas excessivos e que cuidou de seu corpo e da sua mente através da sua alma e critérios de bom viver e ética de boa conduta não esqueça de cuidar de suas relações. O inferno são os outros, lembra?

Conviver bem com nossos amores não é fácil mas sempre o amor supera no final. Agora quando estamos confinados a nossa casa – nosso lar se torna facilmente nosso desolar! E quais as consequências? Começamos a apresentar ansiedades, frustrações, tristezas e sentimentos de injustiças – todos evoluem facilmente para noites mal dormidas e com elas muitos iniciam abusos de tranquilizantes e de indutores de sono – daí até a depressão é um passo – o passo de calar e não mais reclamar ou acusar e não ser ouvido ou até mesmo se convencer que o errado é você mesmo.

Nossos problemas de relacionamento começam com os problemas de comunicação – às vezes uma informação não ouvida ou mal interpretada levam a atitudes e condutas que nos surpreendem e naturalmente, temos o mal hábito de colocar culpas nos outros ou pior, em nós mesmos.

Confinados e insatisfeitos ou irritados, facilmente pequenas questões como ‘quem comeu o último pedaço de queijo ou o último pedaço de chocolate que tinha separado para comer junto com o vinho ou vendo minha série favorita ’podem se tornar uma questão de vida ou morte. Discutir a relação nessa hora e com esse ânimo não vai dar bom resultado e possivelmente vai levar a uma noite mal dormida ou dormida com um benzodiazepínico ou indutor de sono. Mas o que fazer?

Recomendo uma técnica simples que é a técnica de dar razão ao outro. Sim, isso mesmo – a técnica do “você tem razão”. Não acreditam? Pois tenho certeza que vocês já usaram a técnica oposta – a técnica do ‘você não tem razão’. Quantas vezes no clamor de uma discussão você não disse ao outro – ‘você está completamente louco, você perdeu a razão, devia se internar em um manicômio!! Certo? Quem nunca falou isso é um privilegiado, está fora do grupo de risco do adoecimento relacional ou conjugal, e olha que este grupo hoje em dia está cada vez menor.

E quantas vezes você ouviu o outro responder diante desta grave ameaça à sua sanidade com uma resposta do tipo – Puxa, você tem razão! Eu nem tinha percebido – acho que estou perdendo a razão ou desenvolvendo um tipo de demência mental que me faz esquecer que comi o último pedaço do queijo que você me pediu para não comer! Não considerando que seu interlocutor esteja debochando de você!

Bom, já estou imaginando você me perguntar: ‘e, se quando você tiver plena razão que você tem toda razão e que o outro não tem a mínima, e isso você jura de pés juntos!’

É então vou te recomendar um último conselho antes de dizer que você está com toda a   razão. Blaise Pascal, um físico, matemático e pensador do século XVII detentor de várias frases inesquecíveis, têm uma que é lapidar e que será a definitiva saída para você e suas relações – “o coração tem razões que a própria razão desconhece” – considere que seus familiares tenham essa razão em suas discussões, e a reconheça – e eu complemento, terminando aqui meus conselhos para seus dias de confinamento – os seus têm sempre razão , nem que sejam as razões dos seus corações, estômagos ou intestinos. Mas você, caro leitor, você tem sempre razão, esteja ela onde estiver!

Dr. RICARDO BRAGA, psiquiatra, psicoterapeuta individual, de casal e de famílias.

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