Um dos momentos inesquecíveis do mês foi a reprise de Sérgio Cabral empossando o então secretário de Saúde, Sérgio Côrtes. Vale a pena ver de novo.
O ex-governador se contorce em tiques, morde o lábio, revira os olhos e estica o pescoço. É uma dificuldade danada para enaltecer a hombridade do escolhido, que assumiu o posto com o único intuito de desviar dinheiro da saúde pública. Quando afirma que Côrtes é o melhor quadro para combater a corrupção, Cabral parece que vai ter um treco.
Quem já se submeteu a esses testes baratos de treinamento de cérebro, que existem às pencas na internet, sabe quanto é difícil falar “azul” com as letras escritas na cor vermelha. As duas informações disputam a primazia da fala, provocando espasmos e palpitações.
A família Odebrecht, por outro lado, se mostra confortável nos vídeos da delação. Pai e filho são assertivos, não titubeiam jamais, e Emílio até sorri aliviado, por se livrar de tantos segredos inconfessáveis. A natureza provoca algum tipo de compensação psíquica naqueles que decidem falar a verdade. O advogado, ao contrário, assiste pasmo à confissão de Emílio. Quem sabe espantado com o prazer que seu cliente demonstra de encarar o sincericídio.
Glorinha Beuttenmüller é uma fonoaudióloga lendária, que tratou da voz de quase toda a classe artística brasileira. Os feitos de Glorinha eram tão extraordinários que sua fama chegou aos políticos. Glorinha era dona de um método próprio, intuitivo, verdadeiro tratamento de choque, vez por outra brutal.
Certa feita, ela atendeu um político desesperado, que sofria de rouquidão crônica. A afonia era tanta que chegava a comprometer sua carreira, já que ele estava sem voz para subir ao palanque. Depois de algumas sessões e de acompanhar o sujeito por onde ele ia, Glorinha deu um veredicto breve: “Meu filho, você está rouco porque mente demais”.
Mesmo para os que não têm caráter, ou perderam qualquer resquício de decoro e pudor, mentir provoca sintomas indesejáveis, bem exemplificados pelas contrações do rosto de Cabral durante seu elogio ao cupincha.
A corrida eleitoral descobriu o marketing em 1960, durante a disputa entre Nixon e Kennedy para a Presidência dos Estados Unidos. Desde então, e cada vez mais, a candidatura de um político é tratada com o mesmo pragmatismo do lançamento de uma marca de sabão em pó, ou refrigerante. Nenhum fala o que pensa, são todos maquiados, maquinados, redecorados, e agem conforme o previsto. E os discursos se assemelham, buscando sempre o que o consumidor deseja ouvir.
Entre as tantas obscenidades que cometeu, Côrtes desviou 10 milhões de reais da Saúde para propaganda. Ela se transformou na galinha dos ovos de ouro dos governantes, a chance de se perpetuar no poder, o vale-tudo por dinheiro.
Quem se lembra da eleição de 2014, com aqueles pratos de comida voando da mesa do cidadão?
Agora, com as delações comendo soltas, o financiamento de campanha sofre um ataque direto e precisa ser revisto. Temo que monstros racistas, sexistas, armamentistas e doutrinários, porém francos, ganhem visibilidade, pelo simples fato de serem o horror que são.
A coisa pode sempre piorar.