Imagem Blog

Fernanda Torres Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Blog
Blog da atriz Fernanda Torres
Continua após publicidade

Bloco de rua

Sou do tempo em que não se brincava Carnaval nas ruas do Rio de Janeiro. A minha percepção de moça era de que a ditadura militar, tão reativa às manifestações populares e às aglutinações públicas, era a culpada pelo fenômeno. Não sei. O fato é que a cidade passou um longo período muda. Fora a […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 19h14 - Publicado em 8 fev 2013, 16h00

Sou do tempo em que não se brincava Carnaval nas ruas do Rio de Janeiro. A minha percepção de moça era de que a ditadura militar, tão reativa às manifestações populares e às aglutinações públicas, era a culpada pelo fenômeno. Não sei. O fato é que a cidade passou um longo período muda. Fora a Sapucaí e a Rio Branco, as opções a portas fechadas eram bailes de clube e orgias romanas.

O Cacique de Ramos, o Bola Preta e a Banda de Ipanema faziam parte da resistência.

Meu espírito de foliã desabrochou tarde, em um esplendoroso Carnaval em Salvador. A velha sociofobia se rendeu aos shows peripatéticos. Na Bahia, não se ouve somente música de Carnaval. É claro que existem o axé e os refrões irresistíveis, como o da água mineral, mas ver Carlinhos Brown reger a Timbalada no Guarani, interpretar Zé Ramalho, Gil atacar o repertório de Londres e Baby e os seus, em uma peregrinação de um dia inteiro, fazerem uma retrospectiva histórica da carreira da diva foram grandes surpresas do Baco à baiana.

E mais Ivete, Ben Jor, Marisa, Caetano, o Gandhi, o Ilê e os Apaches. Imperdível.

Continua após a publicidade

Os fracos, que têm por costume voltar para casa antes das 10 do dia seguinte, acordavam para descobrir que haviam partido no momento culminante da festa. A grande ameaça do Carnaval soteropolitano é o sono.

Na época, o Rio era um deserto. Tímidos blocos arriscavam sair, mortos-vivos de Michael Jackson, morrendo à míngua nas vielas vazias. Havíamos perdido o rumo.

Hoje, o Bola Preta bateu o Galo da Madrugada, do Recife, em número de foliões e Preta Gil teve de ser transferida para o Centro. A profusão de adeptos tumultua a orla e faz xixi nos canteiros. O prefeito Eduardo Paes, amante da folia, enfrenta os dilemas da organização. No meio da semana, um cortejo saiu sem autorização e engastalhou o tráfego de Botafogo. A guarda entrou em contato com a prefeitura: reprime ou não reprime? O prefeito mandou seguir. Ia fazer o quê? Botar todo mundo em cana?

O Carnaval carioca guarda o tom do improviso. Em Salvador, comandos de quatro soldados baixam o cacete de maneira cirúrgica para garantir paz na procissão de eufóricos. O Rio é amador.

Continua após a publicidade

Os blocos cariocas soam canhestros aos ouvidos do meu amigo baiano, o violonista e compositor Cézar Mendes. Salvo exceções, e ele deu como exemplo os naipes dos metais da Banda de Ipanema, Cézar constata que na Bahia, ao contrário do Rio, os músicos são profissionais. Virtuoses, diz ele. E se escuta bem mesmo longe das caixas. Aqui, quem vem no rabo da bagunça mal entende o que se canta na frente, em um agudo estourado, como uma buzina estridente.

A observação me fez pensar que, talvez, a motivação primeira do Carnaval do Rio não seja a música. O Simpatia, o Que M. é Essa?, o Me Beija que Eu Sou Cineasta são como o Baixo Gávea, a Guanabara e a Lapa, salões ambulantes, fiéis à tradição do chope e do filé- aperitivo. Entendi, ouvindo a crítica do baiano, que o que puxa a parada no Rio é a boemia.

Carioca tem horror a visita, mas gasta as horas perambulando pelos bares e calçadas. A cidade é a sala, habemus esquinas. É a esse caráter que devemos a volta do Carnaval.

O renascimento passa por um instante glorioso. Os blocos cresceram, mas ainda não viraram um negócio. Em dez anos, o Monobloco fechará o Aterro e a guerra ambiental dos jardins da orla contra os Napoleões de Boulevard provocará a proliferação desenfreada da iúca, planta dura em formato de agulha capaz de cegar o incauto. Tapumes de madeira farão um curral do percurso e o abadá, tomara que não, será permitido.

Continua após a publicidade

Venha o que vier, espero que a informalidade resista. Espero, também, que, além dos botequins, a paixão pelas churrascarias evolua para a fundação do Espeta as Carnes, do Picanha Nobre e do Estou em Brasa.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.