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Por Fabiane Pereira, jornalista
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O silêncio que é cúmplice

Mobilizar pessoas, imprensa e as redes sociais é importante mas lutar para que haja equidade de gênero é fundamental

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Atualizado em 9 ago 2021, 15h42 - Publicado em 9 ago 2021, 14h59

Há menos de um mês, neste mesmo espaço, escrevi uma coluna sobre a relação intrínseca entre o silenciamento e o aumento da violência contra a mulher.  Na ocasião, mencionei a frase que viralizou nas redes sociais após o vazamento das imagens da briga entre Ivis e Pamella: em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher. Mas será que a gente salva mesmo a mulher?

Existem várias formas de salvar uma mulher do abuso físico e psicológico, mas certamente nos silenciarmos não é uma delas. Não sei se vocês estão acompanhando o caso que vou citar agora porque neste país não faltam casos para serem acompanhados, mas o presidente da Universal Music Brasil, uma das maiores e mais poderosas gravadoras do país, está sendo acusado pela ex-mulher de internação à força e cárcere privado. A Veja noticiou os detalhes do inquérito numa matéria publicada há duas semanas.

As denúncias contra o executivo são gravíssimas e me pergunto por que ele ainda continua no cargo. Também me soa estranho a grande imprensa não dar a esta notícia o espaço que ela merece, afinal a ex-mulher de um dos mais importantes executivos do mercado da música foi a uma delegacia e fez sérias acusações contra ele. Enquanto o caso estiver sendo investigado seria de bom tom que a empresa o afastasse.

Vou soar repetitiva porque falei sobre isso recentemente mas, nós mulheres, somos 67% das vítimas de agressão física no Brasil e, em alguns lugares, como no Distrito Federal, essa porcentagem chega a 75%. Estes dados constam no Mapa da Violência de Gênero. Nosso silêncio também é violência. Quando a gente relativiza a agressão, não interfere e não denuncia, estamos violentando ainda mais a vítima e nos tornando cúmplice de um sistema que favorece o agressor.

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Mas, voltando ao caso do executivo, por que nós, mulheres do mercado da música, estamos caladas diante dessa denúncia? Por que a ex-mulher de um executivo poderosíssimo no mercado da música não merece nossa atenção, empatia e engajamento? Por que não estamos reverberando o caso em nossas redes sociais para que mais pessoas tomem conhecimento dele e a pressão pública ajude a elucidá-lo? Por que não nos mobilizamos e, assim como fizemos no surgimento Me too, não incentivamos outras mulheres que trabalham no mercado da música a compartilhem suas histórias de abusos e assédios?

Por que a gente só engaja quem é da nossa patota? Que tipo de feminismo é esse que prega união só das iguais? Um movimento que seleciona quais mulheres defender e quais ignorar não faz jus à hashtag “mexeu com uma, mexeu com todas”. Ao escolhermos quais as causas acolheremos e quais serão ignoradas não estamos praticando o verdadeiro feminismo. Seu feminismo acolhe as ex-mulheres dos seus chefes, namorados, maridos e amigos que são chamadas por eles de loucas? Pensa direitinho, se não acolhe, estamos fazendo o jogo deles.

Toda mulher que trabalha no ecossistema da música já sofreu assédio de um chefe, de um músico, de um colega. Por que continuamos caladas diante disso? Por que não incentivamos umas às outras a quebrarem o silêncio e lutarem, verdadeiramente, por respeito e igualdade? Sabemos de cor as respostas para todas estas perguntas, mas até quando nosso silêncio será cúmplice de homens que, em 2021, ainda não entenderam que não somos objetos?

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Eu sei que quebrar o silêncio é difícil. Para quase todas nós, quebrar o silêncio significa sermos punidas de diferentes maneiras. Por isso é importante atuarmos de maneira coletiva, dando publicidade às diversas formas de assédio. A maioria dos cargos de liderança no mercado da música está concentrada nas mãos de homens e isso explica por que a prática de assédio é tão institucionalizada. Muitas empresas, ao fazerem vistas grossas, criam condições para que isso aconteça. De acordo com uma pesquisa feita pelo site VAGAS, 20,1% dos homens já sofreram abuso ou assédio no trabalho. Mas nós mulheres somos definitivamente mais afetadas pela prática: 79,9% já sofremos com algum tipo de manifestação constrangedora na empresa.

Mobilizar as pessoas, a imprensa e as redes sociais é importante, mas lutar para que mulheres ocupem cargos tradicionalmente exercidos por homens é fundamental para que tenhamos mais diversidade no mercado. Essa equidade entre os gêneros na diretoria de uma empresa também evita a barreira de proteção que deixou a violência e o abuso contra a mulher chegarem tão longe. Eu trabalho nesse mercado há quinze anos e conheci apenas uma mulher presidenta de gravadora. Já passou da hora de mais mulheres ocuparem este cargo.

Ainda existe um mundo machista e cruel por trás do que chamamos de revolução feminista: homens poderosos muitas vezes chantageiam e abusam do poder para que não descubram que eles são lobos vestindo peles de cordeiro. Mas a voz de um homem branco não pode ser maior nem mais poderosa que as nossas. Gritemos.

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