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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Da amarelinha ao refri, capital simbólico do esporte se impõe

Gafe do craque Cristiano Ronaldo e debate sobre o uso da camisa da seleção indicam peso das representações culturais nos tabuleiros políticos e econômicos

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Atualizado em 21 jun 2021, 19h48 - Publicado em 21 jun 2021, 19h43

Nem se as calotas derretessem os governantes largariam as caronas na popularidade e no cacife simbólico do futebol. Por aqui, vemos esse filme desde Vargas. A jogada raramente rende os dividendos eleitorais esperados. Ainda assim, recrudesce no Brasil refém do palanque.

A amarelinha prolonga-se símbolo do discurso nacionalista vitorioso nas urnas de 2018. O senso patriótico representado pela seleção é decalcado na partitura política e moral da campanha estendida (ou antecipada).

A apropriação reproduz as batalhas de significados típicas da publicidade. Significados formam o capital simbólico de um produto. Indicam seu valor além do uso, ponte para uma relação de consumo duradoura.

“Hoje o meu principal trabalho é construir um sistema de significados em torno de uma marca, com os quais as pessoas se identifiquem”, explica o publicitário Douglas Atkins, executivo da agência, ao repórter Douglas Rushkoff, no documentário The persuaders.

Decisivo ao consumo, o capital simbólico de marcas e produtos é lapidado pela associação a significados socialmente valiosos. Sustentabilidade, responsabilidade comunitária e governança (ESG, na sigla em inglês) lideram a unção conotativa emergente.

O esporte historicamente fornece conotações com as quais diversas marcas lustram suas imagens. Superação, saúde, integração, beleza, coragem, emoção, sucesso, perseverança. Um cardápio irresistível.

A Coca-Cola aportou há quase um século esse capital simbólico. Fez dos Jogos de 1928 um tônico à reputação e ao relacionamento com os consumidores. Nunca mais pararia. Organizações de variados setores pegaram o bonde. Respondem por uma significativa parcela dos US$ 800 bilhões anuais movimentados na indústria esportiva.

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Empresas abrem o cofre para atrelar suas marcas ao banquete conotativo do futebol, do olimpismo e de modalidades ascendentes, como os esportes eletrônicos. Mais do que conquistas, expressam valores, e estilos de vida. Mesmo acostumado aos holofotes comerciais, Cristiano Ronaldo esquivou-se por um segundo desse bilionário jogo de representações. Deu no que deu.

Traído pela sinceridade, o atacante da seleção portuguesa escanteou as garrafas de refrigerante como se ali não estivessem para vincular a patrocinadora da Eurocopa a estratégicas conotações emanadas pelo futebol e pelo craque. Para o marketing, a distração do astro na coletiva de imprensa beira o imperdoável.

O incômodo corporativo não mora propriamente na perda sumária de exposição da marca, deslocada ao segundo plano. Vem da tesoura simbólica com a qual a espontaneidade debochada do artilheiro rasga a costura entre o produto e significados como saúde, jovialidade, sucesso.

A repercussão da gafe nas redes sociais indica o peso das construções conotativas numa sociedade hipermercantilizada e hipermidiatizada, paraíso dos simulacros, como diria o filósofo Jean Baudrillard. Dessa arquitetura constituem-se também as explorações simbólicas da amarelinha.

A seleção brasileira e a famosa camisa amarela pertencem formalmente à CBF. Nelas se concentra a maioria das suas receitas, entre direitos de transmissão, licenciamentos, patrocínios. O tônus mercantil corresponde à estatura sociocultural e simbólica adquirida pela seleção e pelo icônico uniforme. Imortalizados no imaginário, representam patrimônios nacionais.

Críticas ao uso da amarelinha por apoiadores do presidente eleito evocam a sua representação coletiva. A camisa. representaria toda a população, não uma fatia dela.

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O legítimo argumento finca raízes também no território das arquiteturas simbólicas. Remonta à construção da identidade cultural de um Brasil inventivo, autêntico, moderno – simbolizado no gingado do samba e da bola. A pátria de chuteiras engrenava o país do futuro.

A seleção anda menos sacralizada na mídia e no coração do torcedor, apontam os sociólogos Ronaldo Helal e Antônio Jorge Soares em “O declínio da pátria de chuteiras: futebol e identidade nacional na Copa do Mundo de 2002”. Mas essa fatura do contemporâneo transnacional não corrompe a representação integradora do futebol e da amarelinha como metonímia de uma nação idealizada.

Os apelos ao sentido comunitário da camisa amarela restauram sua narrativa mitológica: a seleção é de todos, assim como a nação é de todos. A amarelinha representaria nossa identidade comum, aglutinadora das diferenças, redentora. Simbolismo nada desprezível nesses tempos um tanto desidratados de temperança, ponderação, empatia.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.

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