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Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo
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Uma história de amor nos anos dourados

Conheça Noêmia e Severino, que formaram um casal apaixonado no Rio de Janeiro do início da década de 50

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Atualizado em 13 jun 2020, 12h12 - Publicado em 12 jun 2020, 18h38

O ano era 1951. Parecia ser apenas mais uma sexta-feira para Noêmia Bastos. Depois de uma semana pesada no Instituto Orsina da Fonseca, onde era interna, a moça estava aflita para rever sua família, em Ricardo de Albuquerque. Noêmia caminhou até o Colégio Militar e conseguiu ir sentada no bonde 70, lendo o Jornal das Moças, até a Central, onde pegou o trem.

Quase chegando em Bento Ribeiro, Noêmia notou que se aproximava um rapaz que passa a olhar nos seus olhos e lhe sorri. Ela disfarça, sem graça, mas retribui o sorriso. Seu coração batendo acelerado e uma emoção que, até então, lhe era desconhecida aquece seu coração.

Aquele momento durou apenas três segundos, mas para Noêmia foi uma eternidade. Parecia coisa de radionovela!

Ele se aproxima de Noêmia e se apresenta:

— Sou Severino, venho do Rio Grande do Norte. Encantado em conhecê-la. Como se chama a moça? Vejo que tem um broche com as iniciais N.B.

— Nádia Berlim, disse ela.

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Apesar de encantada, Noêmia não achou prudente dar seu nome verdadeiro assim de cara para um estranho no trem.

Severino era um “tipão” que chamava a atenção. Alto, elegante, o cabelo caprichado na brilhantina. Mas o principal: tinha um olhar bondoso e um sorriso sincero.

— Que pão — pensou Noêmia.

Observadora que era, Noêmia percebeu que, em suas mãos, o moço levava “Grande Hotel – a mágica revista do Amor”.

— Que encantador, pensou ela, que um rapaz tenha um gosto tão especial. É um romântico à moda antiga!

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Logo chegou a estação de Noêmia.

— Ricardo de Albuquerque, é aqui que eu desço.

Antes dela se despedir, o rapaz lhe disse:

— Olha…fique com a minha revista.

Noêmia apenas sorriu, aceitando o presente, e foi andando até a porta do trem, de costas para a plataforma, fitando os olhos do moço. A menina sentiu seu coração entristecer pela inevitável separação.

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Seus olhares se perderam à medida que o trem se distanciava da estação. E Noêmia sentiu uma pontada no estômago. Tantas vezes havia lido nas histórias de amor sobre o tal do amor à primeira vista. Teria sido isso?

Ao chegar em casa, Noêmia deixou a todos intrigados por causa de sua carinha triste e desanimada. Foi para seu quarto e começou a folhear a revista que ganhara de presente: a única lembrança que tinha daquele rapaz misterioso.

“Grande Hotel – a mágica revista do Amor” – as revistas especializadas em fotonovelas eram tão populares que se tornavam as principais publicações de suas editoras. Grande Hotel era o título mais importante da editora Vecchi e Capricho ocupava a mesma posição na editora Abril – (Biblioteca da ECA/USP/Reprodução)

Um pedaço de papel cai no colo de Noêmia; vinha de dentro da revista. Era um bilhete:

“Nádia, desejo corresponder-me com você. Severino – Banda do Corpo de Fuzileiros Navais – Fortaleza de São José – Ilha das Cobras.”

Noêmia não sabia se ria de alegria ou de desespero. Correu para a casa da melhor amiga, Lucy Berlim — dona daquele sobrenome fictício.

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— Você precisa escrever para ele! É amor, na certa — disse Lucy.

Noêmia relutava. Morria de medo da resposta chegar em sua casa. Seu padrasto, Antônio, era tranquilo, mas sua mãe…dona Antonieta era uma mãe amorosa, mas mantinha as filhas sob rédea curta.

Lucy sugeriu escrever ela mesma, dando o nome fictício de Nádia, e colocando o seu próprio endereço. Seus pais eram muito liberais e, sabendo da história, concordaram em nada dizer aos pais de Noêmia.

Depois de três meses de cartas trocadas, resolveram marcar um encontro. Se viram no viaduto de Ricardo de Albuquerque. O casal se encontrou algumas vezes, pois Noêmia estava de férias, mas sempre acompanhados da irmã Neide*.

Severino decide, um dia, ir de surpresa até a casa de Noêmia. Chegando lá, foi franco com o padrasto da moça:

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— Vim aqui lhe pedir para namorar com sua enteada, a Nádia. Tenho apenas boas intenções. Sou militar da banda dos Fuzileiros Navais.

Logo, seu Antônio mandou chamar as três enteadas. Deve ser coisa da Neide, pensou.

Mas a tal Nádia era a Noêmia. Dona Antonieta, que chegava em casa, não conseguiu ser tão rígida. Logo viu o brilho no olhar de sua filha. Sentiu que Severino era um bom rapaz. Exigiu apenas que a filha escolhesse: ou namora ou vai à escola.

Noêmia insistiu nos estudos. E passou a só tirar 10. Temia que seus pais dissessem que o namoro estava atrapalhando os estudos. E se formou com louvor.

O casal só pôde se beijar depois de noivos. O noivado aconteceu no dia 12 de junho de 1952. Um mês depois, foram passear pela Avenida Rio Branco e um lambe-lambe tirou a foto que pusemos em destaque.

Casaram-se no civil em novembro de 1953 e no religioso no mês seguinte. Tiveram três filhos: Sérgio, Jorge e Nádia. O casamento durou 62 anos. Em 2015, Severino faleceu. Noêmia me contou a sua história através da sua neta, a médica Elizabeth D’Alessandro, seguidora do perfil @RioAntigo no Instagram.

Nos anos dourados, o amor acontecia segundo regras de conduta bem estabelecidas. Mas também era espontâneo e, sobretudo, grandioso. Severino e Noêmia viveram juntos os seus sonhos. Apaixonados para sempre.

Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado e memorialista. Apaixonado pela história do Rio de Janeiro e pelo resgate das memórias afetivas do nosso povo. Criador do perfil @RioAntigo no Instagram, lidera o projeto RioAntigo.org, iniciativa de valorização do patrimônio cultural carioca nas redes.

*Neide Bastos, a irmã de Noêmia, faleceu em 25 de maio de 2020.

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