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Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo
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Fadas na Ilha Fiscal: o último baile do Império pelo olhar de uma menina

Carta histórica traz detalhes até então desconhecidos sobre a famosa festança que antecedeu o fim da Monarquia

Por Daniel Sampaio Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 Maio 2020, 18h43 - Publicado em 20 Maio 2020, 15h00

A data é 9 de novembro de 1889. Naquela tarde primaveril, jovens damas abastadas da Corte apressavam-se entre provas de roupa, arranjos de penteados e escolha de joias. Preparativos para uma travessia marítima quiçá nauseante; porém gratificante, sem dúvida.

As refinadas mocinhas talvez não soubessem, mas aquele seria o último baile do Império, festança luxuosa que estremeceu a Ilha Fiscal a apenas seis dias da Proclamação da República.

Com seus tenros 20 anos de idade, Judith de Almeida Senna Campos, moradora de Cordeiro, municí­pio da então Proví­ncia do Rio de Janeiro, relatou detalhes sobre o baile em carta a seu irmão, “Sennoca”. Trata-se de Bernardino de Almeida Senna Campos, célebre médico fluminense, um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UFF e tataravô de Humberto Figueira, seguidor que enviou ao perfil @RioAntigo no Instagram esta relíquia de família.

Convido-os a uma viagem no tempo. Andaremos entre princesas, viscondes e baronesas por esse controverso — porém emblemático — evento que marcou a história nacional e povoa, até hoje, o imaginário popular carioca.

O envelope e as páginas originais da carta de Judith Senna ao seu irmão Sennoca (novembro de 1889) (Humberto Figueira/Arquivo pessoal)

 

Detalhes do Baile na Ilha Fiscal

Esplendido! Maravilhoso! Sublime! Radioso! Ideal! Não. É impossivel foi sonho.

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Sennoca,

Não sabes o que o que vais ouvir, é tudo tão elevado que eu quero descrever, que não acho termos, em fim vou começar: no dia 9 as 11 horas da manhã já eu estava tratando de collocar sobre à cama, todos os objectos precisos para a noite, a qual eu estava achando que se demorava. Contava as horas. Parecia-me 3, não podes imaginar. Às 3 da tarde papai chegou, ficando mais satisfeita, jantamos as 4, isto é, jantaram porque eu não comi com receio de enjoar na travessia do mar.

Eram 5 horas quando eu e papai fomos nos vestir. Terminado, partimos no trem das 7, chegamos à cidade tomamos o bond, que conduziu-nos ao Largo do Paço, ahi encontramos a familia do Sr. Gurrith pois estavamos tratados para irmos junctos; alugaram o bote o qual levou-nos à grandiosa Ilha, tal foi a sorpresa, prazer que sentimos, que parecia-nos estar num lugar encantado e habitado por fadas.

Conheces bem a Ilha pela parte externa, agora imaginas ver, bandeiras brazileiras, chilenas, galhardetes, folhagem, e illuminação à luz electrica, etc. O encouraçado chileno, estava bem em frente a Ilha e os navios de guerra surtos no porto, foram fazer-lhe guarda de honra; em todos havia luz electrica.

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Capa do cardápio do último Baile da Ilha Fiscal, 1889 – (Arquivo Nacional/Reprodução)

Desde o càes até a Ilha, tinha uma linha de batelões, todos illuminados em arcos, copos e muitas flores em symetria; parece-me que ainda estou passando entre elles tal foi a minha impressão.

Em frente ao desembarque tinha um grande pavilhão com 96 lampadas, era um verdadeiro paraíso. A banda de musica do Arsenal de Guerra ficou na torre, da onde fazia ouvir brilhantes peças. Eu queria ter o poder de fallar aqui e voçê ouvir ahi, porque só assim contaria tudo.

Não posso descrever os salões de dansa, bouffé, e a toillete das senhoras; o da familia imperial só me lembro dos dous riquissimos candelabros de prata, com 14 lampadas cada um e também um soberbo tapete espesso, sobre ele outro formado por innumeros ramos de violetas, um primor, se via arte e bom gosto.

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Quanto as toilletes das senhoras eram o que havia de mais gosto e luxo, as damas do paço trajavam preto pelo facto da família imperial estar de luto, porèm eram sò gorgorão, velludo, setim, etc. Sobresahia entre ellas a Baroneza de Javary, ella estava tão abrilhantada, que, ao voltar-se todos olhavam-na pelo brilho que a rodeava.

Sala de baile da Ilha Fiscal preparada para a festa de 9 de novembro de 1889, em honra da Marinha chilena, 9 nov. 1889. Rio de Janeiro – José Olympio – (Biblioteca Nacional/Reprodução)

A princeza tinha rico vestido preto bordado a ouro, eu só queria um brilhante do diadema que ella tinha na cabeça.

A ornamentação era tão bonita, que eu pouco dansei, somente para aprecial-a, depois havia muita gente demais.

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Deves ficar admirado, pois eu também fiquei de papai me levar (muito podem os chilenos) a um baile público, porque tinha lá muita gente que não tinha cartão, eram entrusos. O meu vestido era muito simples porem muito bonito, era de curali côr de ouro com rendas e flores miudas; achei muita graça no reporter, elle vinha com muito enthusiasmo descrever a minha toillete, quando papai disse-lhe, que não queria meu nome nas folhas, pois cousa tão insignificante; ficando elle muito desapontado.

Tive pena de voçês não estarem aqui.

Termino desejando saude e felicidade a todos, e acceitem lembranças de papai e mamãi.

Darás um abraço em Petite por mim e acceitarás outro à esta tua irmã que muito t’estima.

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Judith

Lembranças a Gastão e Milóta

Detalhe da primeira página da carta de Judith (1889) (Humberto Figueira/Arquivo pessoal)

*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado e memorialista. Apaixonado pela história do Rio de Janeiro e pelo resgate das memórias afetivas do nosso povo. Criador do perfil @rioantigo no Instagram, lidera o projeto RioAntigo.org, iniciativa de valorização do patrimônio cultural carioca nas redes.

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