Imagem Blog

Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação
Continua após publicidade

O que é um restaurante sustentável?

Um tanto de propósito e a conta, por favor

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 ago 2021, 17h11 - Publicado em 3 ago 2021, 16h37

Sustentabilidade é aquele assunto que todo mundo acha bacana defender, “curtir” ou twittar, mas espera mesmo é que o vizinho se envolva.

Outro dia, num ótimo bate-papo sobre energia entre os amigos David Zylbersztajn e Roberto Rockmann, a certa altura David pergunta aos ouvintes: “quando vocês compram uma geladeira, estão mais preocupados com o fato de ter uma porta assim ou assado ou observam a etiqueta de consumo energético?”. Pois é…

Nascer é o ato mais deletério que existe, diz David. Consumimos recursos, energia, destruimos o ambiente. A questão é, portanto, escolhermos danos com os quais conseguimos conviver.

É isso… Já que não pedimos para estar aqui, sejamos ao menos responsáveis pelos filhos e negócios que fazemos nascer.

Continua após a publicidade

Um relatório recente da UNEP (programa ambiental das Nações Unidas) concluiu que um terço do suprimento de comida mundial não é consumido. O quê??? Um momento, que você tem de ler de novo: UM TERÇO DO QUE É PRODUZIDO NO MUNDO NÃO É CONSUMIDO.

Isso não se resolve com uma medida ou duas.

Na gastronomia, conheço empresários que desistiram por não saber exatamente por onde começar. Acham que têm de abrir um restaurante vegano, confundem o termo com reciclagem e por aí vai.

Continua após a publicidade

Se você também está por fora e quer fazer a coisa certa, aqui vão algumas dicas.

A guerra começa já no projeto arquitetônico, que idealmente deve permitir o uso de energia solar, usar revestimentos à base de materiais reciclados e ter sistemas de iluminação inteligente, com sensores de presença e lâmpadas econômicas. Isso tudo sem esquecer da criação de ambientes arejados e com ventilação cruzada, para poupar energia elétrica. Por fim, não custa incluir uma cisterna que armazene água da chuva e umas torneiras inteligentes.

Já na operação, talvez o aspecto mais central seja o de evitar o desperdício, mas a dificuldade começa com o próprio cliente.

Continua após a publicidade

Em países que passaram por grandes guerras, é comum ir ao mercado da esquina e comprar duas fatias de presunto. Amanhã, quem sabe, mais duas. Quem vende, não estranha o pedido; quem compra, não se encabula de pedir. Aqui, as quantidades que adotamos como “padrão” são absurdas em tempos de crise – e mesmo fora dela – num país miserável como o nosso. Somos o país dos 200 gramas. Me vê aí um peito de peru fatiado? Quanto o Senhor quer? 200 gramas. Não interessa se é família de 7 filhos ou se o sujeito mora sozinho.

Em restaurantes não é diferente. Um pratão é o mínimo que se espera, ainda que metade dos clientes não coma a metade do prato.

Um grande aliado do não-desperdício é o menu degustação. Num cardápio à la carte muito extenso, é impossível acertar o que o público vai pedir. O resultado é um pré-preparo sempre exagerado e uma quantidade imensa de lixo. Não, não precisa ser longo, chato e ter 300 pratos, porque ninguém aguenta mais, mas menus fixos ajudam a evitar as sobras.

Continua após a publicidade

No restaurante SEM, em Lisboa, que já nasceu com o conceito sustentável, provei um menu degustação com porções adequadas e sem excessos, para mim ou para a casa. O cardápio fica ali na lousa, pra evitar o gasto com o papel e pedidos especiais são anotados nos azulejos da cozinha. Como a carta é extensa, vem impressa, mas num papel feito de bagaço de cana de açúcar.

O cardápio é criado com base no que os fornecedores levam até eles, e não o contrário, e os produtores escolhidos a dedo investem em agricultura regenerativa ou pastoreio de conservação. Quando há sobras na preparação dos pratos, incluindo cascas, talos e outros, são utilizadas técnicas de preservação para garantir que não haja lixo. Acabou? Não. O que sobra no prato dos clientes vai virar adubo na horta dos próprios fornecedores, mas não sem antes passar pelo método de compostagem japonês bokashi, que acontece em pleno salão, embaixo dos bancos dos clientes.

O objetivo é lixo-zero. Se não acontecer, toda a sobra é contabilizada, buscando melhorar da próxima vez.

Continua após a publicidade

Ainda em Portugal, no Arkhe, que é totalmente vegetariano e também tem uma composteira para abastecer a horta de ervas aromáticas que fica no piso logo acima do restaurante, um negócio sustentável também deve se preocupar com o bem-estar da equipe. Ali, eles participam das decisões, tem alimentação equilibrada, usam uniformes orgânicos, sapatos veganos e fazem meditação e yoga para dar conta do emocional em tempos pandêmicos.

No Nolla, precursor entre os sustentáveis dos países nórdicos, se algo vem em embalagem não reutilizável, é devolvido ao fornecedor. No Silo, em Londres, toda a mobília é feita de materiais reciclados. No Table de Colette, em Paris, o menu é montado com a ajuda de uma calculadora que escolhe ingredientes “bons para o clima”, ou seja, com menor pegada de carbono. Por aí vamos…

Já sei… Para você, isso tudo é muito bonito, mas sustentabilidade é ter um restaurante que feche as contas no azul. Claro que concordo, mas se acha que o assunto não dá dinheiro, pense no CMV (custo da mercadoria vendida). Enquanto na maioria das casas, o custo está acima de 30%, alguns restaurantes sustentáveis têm CMV de 12%. É bom reconsiderar.

De olho na tendência, o Guia Michelin lançou a étoile verte (estrela verde), dada a restaurantes particularmente engajados. Já há quase 300 estrelas verdes distribuídas pela Europa e, em breve, o céu também será verde por aqui.

Aliás, a Abrasel (Associação dos Proprietários de Restaurante) pretende apoiar e incentivar, cada vez mais, projetos de economia circular, em que os recursos (água, energia, materiais) sejam reciclados, reparados, divididos, reutilizados, para que tenham a maior vida possível na cadeia que percorrem.

Acho que já escrevi bastante.

Fato é que adotar umazinha, que seja, dessas medidas sustentáveis, dá um propósito maior ao negócio e muito prazer ao sócio, mas não custa lembrar: você pode ser lindo, ambientalmente correto, acertar no projeto e zerar todo o seu lixo, mas o insustentável MESMO é ter comida ruim.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.